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A magia do outono

Ando a ver se encontro magia no outono. Sempre fui mais da primavera para o verão. Fico sempre murcha com o cair da folha. Com o vislumbre do inverno. Com o arrefecer e com o escurecer. Não sou uma pessoa do outono. O outono lembra a murchice e é dado à nostalgia, ao “que pena que acabou o verão”. E eu não gosto de ter pena. E também não gosto destas coisas mal definidas. Ou faz frio ou não faz. Esta coisa do tempo assim-assim, não me consola.

Mas também sei que tudo tem a sua magia. E o outono também a terá. Este ano ando a tentar encontrá-la. Ando a tentar encontrar a beleza neste tempo cheio de caprichos. Ando a tentar não rosnar com as rabanadas de vento e com as diferentes caras que um só dia pode ter. Esta imprevisibilidade aborrece-me. Principalmente porque me impede de fazer algumas coisas que adoro, nomeadamente caminhar por sítios bonitos e iluminados pela luz do sol. Nunca sei se chego carregadinha de chuva até aos ossos. Ou em perfeito desalinho. Tudo o que me impede de fazer o que me apetece, aborrece-me. Prefiro o inverno que me dá a esperança da primavera logo de seguida. E sei como me defender dos dias frios e chuvosos e pequeninos e choramingões. É assim e pronto. No outono nunca se sabe que raio de dia é que vai estar. Não gosto muito de transições. Também não se pense que adoro a primavera. É linda mas também é cheia de chiliques. Cheia de nove horas. Nunca se sabe como acorda nem como se deita. 

O verão e o inverno são muito mais certos e coerentes. No inverno poderemos ter o prazer de uma lareira acesa, acompanhada de uma bebida quentinha. Retomamos às atividades mais aconchegadinhas na nossa casa. Retomamos a leitura e outros prazeres que colocamos de lado quando o sol chama por nós lá fora. Pelo menos comigo é assim. No outono nunca sei quem é que me chama. Não parecem chamados, parecem lamurias. Choros. E quando estamos a acabar de praguejar por qualquer chamado mal compreendido, já acabou o dia. E a noite é grande que se farta! A noite também é bonita mas é mais bonita ainda noutras estações do ano.

No outono parece que tudo fica um pouco mais denso. Que as pessoas ficam menos felizes e sorridentes. Parece que caminham para qualquer lado, sem rei nem roque. Sem aquela esperança no coração que ilumina o rosto. Baças, indiferentes e franzidas.

Na verdade, a natureza também merece ter o outono. Não pode estar sempre nos píncaros do seu esplendor. Também tem que ter as suas birras, os seus caprichos e as suas oscilações. Tem todo o direito de se ir preparando para o inverno. Também tem o direito de rosnar e de lhe apetecer hibernar. Deve ser esta a magia do outono. Dar à natureza a merecida folga na sua perfeição. Deixar que ela tenha uns ares de superioridade, em grená, castanho e dourado que são as cores da imponência. E, de um momento para o outro, largar as ricas roupagens que veste e pôr-se nua. Só porque lhe apetece. A natureza tem, de facto, as suas telhas e as suas teclas. E são no outono que se manifestam à grande. A natureza talvez se dê ao luxo de ser coisas nesta estação do ano que nem se atreve a sonhar nas outras três. Talvez esteja tudo ao contrário e sendo soberana, a natureza, resolve brincar ao carnaval quando o vinho ainda é novo o suficiente para a acompanhar na sua intensa folia. Às vezes parece um carnaval carioca cheio de brilho, de calor e de alegria. De repente, quase sem darmos por ela, somos transportados para Veneza, diluviana, mascarada, rica e opulenta. A natureza, indecisa nesta época do ano, não sabe qual dos carnavais gosta mais. 

Às vezes parece que só gosta de ser deixada em paz. Outras vezes vai enfiar uma aragem em tudo o que é canto. Só de curiosa. É verdade, a natureza também é uma menina. Com as suas hormonas e com as suas regras. E tal como todas as meninas bem-educadas que sabem comportar-se como deve de ser em todas as ocasiões, aliás, em todas as estações, também precisam de se libertar e de desanuviar. De se portar mal de vez em quando. De fazer o que lhe dá na real gana, sem olhar a meios nem a consequências. E isto acontece no outono. Afinal, a magia do outono está na liberdade que dá à natureza. E a liberdade é a magia suprema de qualquer existência. Até da natureza.

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