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Inspiração

Inspiração. Sempre me questionei de onde vinha. Quando admirava escritores, compositores, pintores, músicos e outros artistas, sempre me questionei de onde sairia a inspiração, a criatividade, a veia que se derrama. Tudo aquilo que se cria, em bem e para o bem, é admirável. As artes sempre me emocionaram nas suas várias formas e dimensões. Ninguém entende porque é que vou a um concerto e choro que nem uma Madalena arrependida. Nem porque é que me arrepio numa boa peça de teatro. Ou porque deliro com um bom livro. Emociono-me um bocadinho mais do que a maioria das outras pessoas. E raramente consigo explicar o que sinto. A forma profunda como uma boa música me toca na alma. Nunca me consigo fazer explicar. Porque é muito difícil explicarem-se os sentimentos, as emoções. Só sentindo. E cada um sente à sua maneira, de acordo com o seu coração e a sua alma. 

Parece-me que a inspiração é como uma brisa que passa por nós sem sabermos de onde vem nem para onde vai. Mas sabemos o efeito que tem. No mínimo despenteia-nos o cabelo. Provoca um certo desalinho. Também pode ser um sopro no ouvido. Uma semente que cai na trufa e que começa a fazer berço. 

Sem nenhum tipo de comparação mas pensando nas minhas escrevinhices, de cada vez que escrevo qualquer coisa, penso sempre que esgotei o stock. Sei que este pensamento é pateta mas sempre aparece. Esqueço-me que a inspiração também me dá comichão no nariz. De repente, sem saber como, há qualquer coisa que me começa a martelar a cabeça. O pensamento torna-se circular. Junta-se-lhe as emoções, o que tenho no coração, o que tenho na alma e não descanso enquanto não despejar em palavras o que me circula nas veias. E lá aparecem as coisas que querem ser escritas. Por sua própria vontade. 

E agora compreendo porque é que estas coisas só nos dão a partir de uma certa idade. Em jovens podemos escrever histórias. Em estado maduro podemos escrever vivências. Podemos escrever sentimentos, sofrimentos, dores e amores. Podemos escrever com alma. E só se escreve com o mais profundo da nossa alma se já sentimos à superfície da pele. Não há volta a dar. De facto, para partilhar emoções de qualquer forma, escrita, cantada, musicada, pintada, etc. é necessário ser-se um sofredor. Como o poeta. Não é possível não se ter sofrido para se poder falar de dores. E isto não é nenhum fatalismo, é um facto. Escrevo tão melhor com as lágrimas nos olhos. Ou com o coração rasgado. Da mesma forma que escrevo melhor com o coração a transbordar de alegria ou de amor. Quanto maior e mais intenso, mais emoções transbordam do que se partilha. Do que se escreve.

A maior parte do que sinto é sempre em grande. É sempre muito intenso, na tristeza como na alegria. Por vezes, sendo a escrita algo que me faz tão bem à alma, penso e repenso sobre se devo ou não escrever sobre o que estou a sentir. Questiono se apesar de me fazer bem, fará algum bem a quem vier a ler o que escrevo. É que às vezes as dores são tão vincadas...as saudades são tão grandes ou as tristezas tão profundas. É verdade que emocionalmente sou muito intensa e temperamental. E sempre receio não ajudar em nada quem lê. Por vezes até tenho algum receio de fazer alguma espécie de estrago no leitor. Enfim...orangotangos que me passam pela cabeça. (Os orangotangos são a minha espécie preferida de macacos).

É verdade, também tenho os meus macacos no sótão e os meus esqueletos no armário. Claro que os macacos são os tais orangotangos e os esqueletos até são rechonchudos porque uns ossos desarticulados não têm graça nenhuma. E a graça das coisas está na forma como as olhamos e como somos capazes de as encarar. Uma das grandes aquisições que fiz em estado maduro foi a capacidade de rir de mim própria. De brincar com os orangotangos e de colocar bochechas e lacinhos nos meus esqueletos escondidos. Nem sempre consigo. Mas tento com muita força e vou esticando os meus limites. Por exemplo, mesmo podendo pensar que o texto que estou a escrever agora não tem interesse nenhum, escrevo-o à mesma. E publico-o. Se me dá gosto escrevê-lo, então escrevo. Prestando ou não. Já me importo menos se está assim ou assado. Procuro que tudo flua de dentro para fora, por princípio e convicção. 

Penso que a inspiração é qualquer coisa faz esta ligação entre o fluir de dentro para fora e o retorno do fora para dentro. A inspiração vem tanto das entranhas que por vezes nem conseguimos identificar o que nos inspirou. Qualquer coisa que vem de fora e que acorda ou estimula outro qualquer coisa que já cá temos dentro e pronto, a obra nasce. Por isso é que os frutos da inspiração são muito especiais e emocionam-me muito. Porque também são fruto de outras emoções, de outros âmagos, de outras entranhas. Com pouco processamento. E tudo o que emerge no seu estado mais puro, é para mim, maravilhoso. Não gosto de muitos processamentos. Não tenho jeito para decifrar códigos nem para cartadas na manga. Devo dizer que até tenho muita falta de jeito para ler nas entrelinhas, para decifrar "pareceres" e coisas camufladas. Sou um bocadinho ao contrário do tal espírito feminino que diz que não quando é sim e que, para ir à Praça de Espanha, dá a volta pelo Algarve. A arte pode ser conotativa ou representativa, ter até vários significados e mensagens subliminares. Mas é honesta, autêntica, de acordo com a vontade e com a inspiração. Por isso adoro-a! Pelas mesmas razões que adoro crianças pequenas. Cheias de fantasia, de histórias, mas autênticas e verdadeiras. Sem segundas intenções. Sem maldades miudinhas (nem maldades das outras). As crianças são diretas, frontais, criativas, inspiradas e puras. Maravilhosas! 

A minha pergunta, relativamente às crianças, é sempre a mesma: como é que nos deixamos estragar? Porque é que o crescimento nos tira a pureza, a alegria, a fantasia, a criatividade, o sonho...se a idade também é uma coisa maravilhosa que nos dá serenidade, sabedoria e paciência, porque é que estas coisas parecem antagónicas?! Se calhar é porque passamos a vida a agir como se o comportamento das crianças fosse tolo ou tonto. Tentamos deixar de ser "infantis" e acriançados. Associamos a  liberdade das crianças a alguma falta de educação. E corremos para sermos maduros. Ansiamos a maturidade. E estragamos tudo. Apagamos do nosso espírito as melhores qualidades que as crianças possuem. Já passei pelo mesmo. Ansiei a maturidade. Agora, cada vez mais, tento revisitar a pureza das crianças, a sua liberdade, a sua autenticidade e espontaneidade. Tento encontrar isso tudo cá dentro. Sem pressas e com alguma generosidade para comigo própria. Sem me preocupar com o que os outros pensam. Eu sou eu. E não vale a pena querer ser ou mostrar outra coisa. Mostrar-se o que não se é, é muito cansativo. Gasta muita energia. E se nós não nos preocuparmos com essas coisas, a energia é gasta em coisas muito boas e aprazíveis. Como por exemplo, deixar a inspiração fluir e ver no que é que resulta. Como tenho muito pouca veia artística, ou quase nenhuma, dá-me para a escrita. Tenho algumas veias e artérias onde não corre pinga de sangue. Parece que só lá correm letras, palavras, pensamentos, poesias e reflexões. E tudo isto embrulhado às vezes ganha uma forma qualquer e, ao sair, alivia a pressão. Este sistema circulatório paralelo e clandestino sofre um bocadinho de tensão alta. De vez em quando tem que se fazer uma sangria senão a coisa rebenta. 

Para evitar rebentamentos e outras catástrofes em mim naturais, tenho que ir fazendo o gosto ao dedo e ao coração e despejando palavras atrás de palavras. Pensamentos atrás de pensamentos e assim sucessivamente pelas reflexões afora. A inspiração, a tal que não se sabe exatamente de onde vem,  dá muito trabalho...

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