Ele há dias murchos como o outono. Não gosto muito do outono mas ele não tem culpa nenhuma. Parece que o outono é muito mais triste dentro de nós do que fora. É inegável a beleza que tem. As cores das folhas que se prolongam pelo chão, o por do sol mais afogueado que nunca, as nuvens cheias de tufinhos de lã e a brisa do vento a refrescar-nos as ideias. Hoje repensei sobre esta coisa de não gostar do outono. E é principalmente porque é o prelúdio do inverno. Mas o outono não tem culpa nenhuma de ser o que é nem do que vem a seguir. Se eu soubesse efetivamente viver um dia de cada vez não rosnava ao outono. Saberia apreciar as suas belezas e as suas excentricidades. Ainda não consegui aprender a viver um dia de cada vez. Nem a tirar a murchice do peito independentemente do que possa acontecer. Ainda não aprendi a encarar cada dia que começa como se fosse o último. Isto parece um pensamento tolo mas não é. É um pensamento de grande sabedoria. Li algures, nem me lembro onde, mas relacionado com Steve Jobs que quando este se levantava pensava o que iria fazer nesse dia tal como se esse dia fosse o último. Provavelmente, para ter este pensamento, Steve Jobs já sabia que tinha os dias muito contadinhos. Mas, na verdade, qual de nós não os tem? Quem é que sabe qual é o momento em que se apaga a centelha da vida? Para morrer, basta estar vivo. Não é necessária mais nenhuma condição. Quando nos levantamos da cama não sabemos se o nosso dia vai chegar ao fim nem como vai chegar ao fim. Sobre a hora seguinte ninguém sabe efetivamente coisa nenhuma. Apenas planeia, julga, prevê e prognostica. Certezas, só Deus tem. Então, encarar cada dia como se fosse o último, traria muita alegria ao contrário do que se possa pensar. Gostaria, sinceramente, de saber fazer isto. Para o bem da minha alma. E, em cada dia que eu pensava que poderia ser o último, tal como conheço a vida, seria um dia gasto apenas com amor. A usufruir de tudo o que amo. De todos a quem amo. E não gastaria nem um segundo com maçadas, preocupações, tristezas e afins. Não gastaria nem um bocadinho de bateria com más energias. E seria capaz, de peito aberto, de dizer a todos os que amo, o quanto os amo. O quanto me fazem bem. O quanto foram e são importantes. Talvez no último dia da minha vida fosse capaz de trazer à pele o melhor de mim. Só o amor. Deixaria as emoções menores para a terra comer. E iria ver o mar. E respirar o ar de vida com toda a reverência. E saberia agradecer o respirar como se não fosse uma coisa automática. E saberia que nada é automático. Tudo é uma dádiva. Tudo está disponível para o nosso usufruto mas não para a nossa posse. Não possuímos nada a não ser o amor que temos no peito.
Encarar um dia que nasce como o último que vemos nascer pode ser muito libertador. Pode ajudar-nos a fazer escolhas muito importantes. Como por exemplo, pode ajudar-nos a escolher se queremos ficar presos à mágoa ou mandá-la fora e ficarmos agarrados à alegria, à paz. Aceitar o que não tem remédio dá uma paz imensa. Podemos escolher qual é o lado da vida que queremos levar connosco: o bom ou o cinzento. In extremis temos uma tendência para decidir o que parece ser impossível. E a gastar as palavras com sabedoria. A dizer coisas bonitas. In extremis só interessam os abraços e a paz. A calma. Vai-se a pressa toda embora. Já não se corre nem se desgasta com o que não interessa. Parece que os valores ficam no sítio onde sempre deveriam ter estado. A coragem e a serenidade são meninas para nos invadirem e para nos levarem a fazer e a dizer aquilo que ficou trancado a sete chaves no nosso peito ou preso na garganta. Vai-se o medo e a ansiedade. Porque a coragem mata o medo e a serenidade engole a ansiedade. Parece-me que o último dia será um dia de muita paz, como se se tivesse a eternidade toda pela frente. Com a certeza que estamos mais próximo do nosso caminho original. Mais próximo do Pai. Eu posso não saber exatamente o que isto quer dizer, mas a minha alma sabe.
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