Avançar para o conteúdo principal

Pérolas e gotas

As pérolas e as gotinhas de qualquer coisa são muito bonitas.

Depende dos gostos. Umas são valiosas por inerência. Outras dependem do valor que cada um lhes dá.

Eu gosto muito de pérolas. Parece-me que todas as mulheres gostam de pérolas. São muito femininas e delicadas. São joias de senhora, não é? Têm pureza, muita luz e iluminam quem as usa. As pérolas ficam bem com tudo. Mas são o que são. Apenas o que são. Não têm mais nada para além de serem muito bonitas e de fazerem mais bonita quem as usa. Afinal, é para isso que servem as joias. Não servem para mais nada.

Gosto muito de pérolas mas gosto muito mais de gotinhas! Gotinhas de qualquer coisa. As gotinhas podem ser de tudo o que quisermos e podem ter todos os significados que entendermos. Podem ser de alma, de água do mar, de lágrima, de chuva, de amor, de doçura, de qualquer emoção, de qualquer sentimento. No fundo, gotinha é uma forma carinhosa de dizermos um bocadinho, um baguinho de algo bom ou bonito. Até aos bebés podemos chamar de gotinha de gente, não é?

Alguém me ensinou que a forma de gota é a forma mais perfeita que existe. Eu não percebo nada de aerodinâmica. Apenas gosto de ver a beleza onde ela existe. Mais do que tudo, a beleza do que está para além do imediato. Interessa-me tudo o que reflete a beleza do mundo e da criação. Dá-me alegria. Penso que a alegria também se pode medir ou dividir em gotinhas. As gotinhas podem salpicar-se. Se entendermos que podemos dividir o nosso estado de espírito com alguém, basta uns salpicos, atirar umas gotinhas de qualquer boa energia e já está! Ajuda com toda a certeza! Uma boa gargalhada é dividida numa data de gotinhas de riso. E é contagiosa, salpica tudo à sua volta. Espalha alegria, não é?

Para além da virtude do salpico, as gotinhas também têm uma outra característica: podem juntar-se, unir-se e só Deus as impede de levarem avante o seu intento. Tenho sempre presente - até como princípio de vida - que o mar, por imenso que seja, não é mais do que um conjunto de pequeninas gotinhas de água salgada. E até podemos pensar que mais gota ou menos gota não interessa nada. Pois eu acho que interessa. Com menos uma gota o mar não deixa de ser mar. Mas não é o mesmo. É outro mar. Tem menos uma gota. E cada gota conta. Cada gota tem o seu papel, a sua função, o seu conteúdo, a sua especialidade.

Esta é uma forma de dizer da importância das coisas pequeninas. Eu gosto de coisas pequeninas, que à partida parecem insignificantes. Como às vezes costumo dizer, já vi mais ratos a parirem montanhas do que montanhas a parirem ratos. É verdade. Por vezes são aqueles pequenos piscar de olhos que fazem toda a diferença na nossa vida. São os que nos limpam a visão quando está turva. Vejo as coisas grandes e importantes como um conjunto de coisas pequeninas que ganham uma identidade própria, em que cada parte desempenha um papel especial. Como na natureza. Os biólogos dizem que se desaparecessem as abelhas, a espécie humana se extinguia num instantinho. Se a baleia azul ou o elefante se extinguirem, parece que não fazem grande mossa na nossa existência. Eu morreria de pena, claro está. Cada espécie de animal que se extingue é um falhanço do homem. A natureza fica tão mais pobre, embora lá continue. É menos uma gotinha da criação. Também as pessoas pequeninas são muito mais interessantes, puras e bonitas do que as grandes. As tais gotinhas de gente. Carregam uma coisa valiosíssima: esperança. Cada pessoa pequenina dá-me uma esperança infinda de vir a ser uma pessoa grande carregadinha de coisas boas. As pequeninas trazem um potencial de amor, de ação, de luz e de paz que podem salvar o mundo. Se estas gotinhas de gente se juntarem num mar de gente boa, o mundo será tão diferente para melhor!

Se as gotinhas de gente não se conseguirem juntar mas cumprirem o seu papel no que diz respeito aos salpicos, o mundo também tem salvação. Se desatarem a salpicar amor, paz e luz, coisas que também são contagiosas, nós os grandes, ficamos melhores pessoas. Ao ficarmos melhores pessoas, podemos salvar o mundo. Cada pessoa que se salva seja lá do que for, é como salvar o mundo inteiro. Pelo menos na minha opinião. Às vezes, só uma gotinha de atenção salva quem sofre de indiferença. Uma gotinha de mimo pode salvar o desalentado. Uma gotinha de amor pode salvar quem sofre. Na verdade, este tipo de gotinhas são as gotinhas que fazem os milagres. Fazem milagres muito maiores do que elas próprias. As gotinhas também não se medem aos palmos nem ao peso, como as pérolas. O seu tamanho depende da sua origem, de onde vêm. O seu valor depende do tamanho do milagre que conseguem fazer. É muito simples para quem faz estas contas com o coração. Afinal também é no coração que as gotinhas moram. 

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos o...

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus a...

In Extremis

Ele há dias murchos como o outono. Não gosto muito do outono mas ele não tem culpa nenhuma. Parece que o outono é muito mais triste dentro de nós do que fora. É inegável a beleza que tem. As cores das folhas que se prolongam pelo chão, o por do sol mais afogueado que nunca, as nuvens cheias de tufinhos de lã e a brisa do vento a refrescar-nos as ideias. Hoje repensei sobre esta coisa de não gostar do outono. E é principalmente porque é o prelúdio do inverno. Mas o outono não tem culpa nenhuma de ser o que é nem do que vem a seguir. Se eu soubesse efetivamente viver um dia de cada vez não rosnava ao outono. Saberia apreciar as suas belezas e as suas excentricidades. Ainda não consegui aprender a viver um dia de cada vez. Nem a tirar a murchice do peito independentemente do que possa acontecer. Ainda não aprendi a encarar cada dia que começa como se fosse o último. Isto parece um pensamento tolo mas não é. É um pensamento de grande sabedoria. Li algures, nem me lembro onde, mas relacion...