Hoje acordei um bocadinho cinzenta como o tempo. O cinzento é uma cor como as outras embora um bocadinho menos alegre. Deu-me para pensar em algumas vidas de pessoas que me rodeiam. Procuro sempre que os outros sejam um exemplo. Procuro sempre aprender ou tirar algumas ilações sobre a vida e sobre mim própria olhando o que e quem me rodeia.
Hoje penso particularmente nas pessoas que correm. Correm o tempo todo a passo muito largo. Sempre a contrarrelógio, com stresse e com sofrimento. E correm como se o mundo fosse acabar em breve ou como se tudo parasse se elas pararem. E sofrem. Não descansam, dormem mal e andam sempre com o coração acelerado. E o tempo nunca lhes chega para nada. E tudo isto é uma pescadinha de rabo na boca. Quanto menos tempo têm, mais correm. Quanto mais correm, menos tempo têm e mais se desorganizam. E entram num círculo vicioso que apenas desgasta. E neste frenesim, conseguem fazer de conta que nada se passa. Conseguem não ter tempo para pensar. Por vezes, não pensar poderá ser visto como uma vantagem. As pessoas não se confrontam com a sua vida, com o que lhes causa sofrimento, com o que precisa ser pensado, analisado e resolvido. Vai-se andando. Ou melhor, vai-se correndo.
Quando se corre muito, não se tem tempo para ver as vistas nem para apreciar a paisagem. Perde-se muita vida. Normalmente, gasta-se muito tempo com o que faz correr e quase nenhum com o que dá prazer. Para quem trabalha a mil à hora, como se fosse insubstituível, parece que se não trabalhar dessa forma, uma hecatombe acontece. Ou o mundo pode ruir. E esquece-se que há pessoas à sua volta que não conseguem usufruir da sua companhia. Perde o crescimento dos filhos. Perde o convívio da família. Perde o convívio das amizades verdadeiras. Perde a partilha do amor. Estas pessoas não veem, não ouvem e não sentem o que se passa à sua volta. Não param para viver. Vivem a correr. A saltitar de um registo para o outro. Parece que estão sempre entre qualquer coisa. A caminho, em viagem. E não conseguem ter tempo de qualidade com nada nem com ninguém. Nem para si próprios. E, infelizmente, na maior parte das vezes não sabem que tudo isto tem um preço muito alto. Quanto mais não seja, o da solidão. Em alguns casos, as corridas são de tal maneira que nem dão conta do quão sós se encontram. Nem se dão ao luxo de pensar nessas coisas. Até porque os telefones não param. As solicitações saltam por todo o lado. Os assuntos empilham-se e atropelam-se. E no meio desta amálgama de vida, é necessário fazerem-se opções para se ir conseguindo sobreviver no dia-a-dia. Alguma coisa tem que ficar para trás até porque o dia só tem 24 horas. Normalmente fica em 2º plano, quem mais os ama, quem melhor os entende, quem menos exige, quem dá liberdade, quem está sempre disponível para ouvir, mimar e cuidar. Têm aquela segurança de que se está ali sempre disponível para quando houver um segundinho livre. Ou para quando a dor for insuportável e apetecer muito um mimo ou um ombro para repousar. O mal destas pessoas é que dão algumas coisas por garantidas. Ou algumas pessoas como garantidas. E nem sempre é assim. É que os outros também têm coração, dores, necessidades, vontades, etc. Os outros também têm vida. E pode acontecer sofrerem tanto de ausência que não aguentam mais. E resolvem desistir. Não conseguem partilhar nada. Sentem-se assim como um livro arrumadinho numa prateleira que só se folheia quando se tem saudades de ler uma ou outra palavra. Mas um livro é cheio de palavras e de emoções. O que fazer com elas?
Quando se corre muito perde-se tantas coisas boas! E até pode parecer que se corre para se obter coisas boas e para se proporcionar coisas boas aos outros. Mas pergunta-se-lhes que coisas é que querem? O que é bom para uns pode não ser para os outros…será que um filhote não prefere mais companhia e menos objetos? Se perguntarmos talvez fiquemos surpreendidos com a resposta…se perguntarmos aos outros o que para eles é mais importante talvez não se precisasse de correr tanto.
Quando se corre muito perde-se tantas coisas boas! E até pode parecer que se corre para se obter coisas boas e para se proporcionar coisas boas aos outros. Mas pergunta-se-lhes que coisas é que querem? O que é bom para uns pode não ser para os outros…será que um filhote não prefere mais companhia e menos objetos? Se perguntarmos talvez fiquemos surpreendidos com a resposta…se perguntarmos aos outros o que para eles é mais importante talvez não se precisasse de correr tanto.
Por outro lado, se se encarar a vida de frente, pelos chifres, também já nos faltará uma desculpa para correr. Sim, é verdade. Por vezes corre-se para não se enfrentar o que tem que ser enfrentado. Corre-se para se continuar a viver numa ilusão. Dói menos.
Tudo isto me preocupa. Preocupa-me porque estou a assistir a vidas que correm desalmadamente. Também já vivi o suficiente para saber, com toda a certeza, que se nós não pararmos de correr para colocarmos rédea na nossa vida, é ela que nos para. À força. E por vezes onde nos dói mais. De repente, acontece-nos qualquer coisa de grave, uma doença, um acidente, uma catástrofe. Ou a uma das nossa crias. Ou a alguém muito importante. E fazemos uma paragem abrupta. Travões a fundo. E ficamos perdidos, desalentados, sem rumo e sem caminho. Olhamos à volta e não reconhecemos nada. Não percebemos que a realidade mudou enquanto se corria. E já não pertencemos. E já não nos reconhecem. E passamos tanto tempo fora que já não fazemos falta.
De repente, tudo o que afinal era tão importante não vale nada. Não serve para nada. O mundo continua sem ruir. Só quem corre é que desmorona por dentro. E se espremer a vida que andou a viver não sai nem uma gotinha de qualquer coisa. Seca, infértil, solitária. Ilusória. O que mais me custa é que estou a ver este tipo de situações sem poder fazer nada para as evitar. Sem conseguir abrir os olhos a quem precisava de os abrir. E, no caminho, aproveito para abrir os meus um bocadinho melhor. Para nunca cair na tentação de não valorizar o que verdadeiramente deve ser valorizado, só porque está disponível. Aproveito para avivar a minha memória e para relembrar que quando estamos disponíveis para a vida, com a serenidade que ela merece, ela fica disponível para nós, com toda a sua plenitude. Com toda a sua abundância. A abundância depende muito da nossa atitude.
Vale a pena recordar que se corremos atrás de qualquer coisa, essa coisa assusta-se e desata a correr à nossa frente. Se colocarmos um sorriso sereno e abrirmos os braços, algo virá ao nosso encontro, aconchegar-se no nosso colo. Até a abundância gosta de ser recebida em paz e serenidade.
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