Os decretos, habitualmente, não servem para
toda a gente. Só servem para alguns. O mesmo digo do dia da Mãe, dia do Pai,
dia disto e dia daquilo. Quem não tem, sofre a dobrar. A dobrar de ausência, de
carência ou de saudade. Por isso ainda não consegui decidir se os dias marcados
para as celebrações das coisas, são bons ou maus. Se calhar, servem ambos os propósitos.
São bons e maus ao mesmo tempo. Parece que tudo na vida tem a sua dualidade, porque
não haveriam de a ter, os dias de celebração por decreto? Já a fantástica
sabedoria popular diz que “não há bela sem senão”, “não há rosa sem espinhos” e
outros ditos com o mesmo sentido. Desta forma, só nos resta aceitar, talvez com
alguma resignação, que as celebrações por decreto também têm prós e contras.
Mas não era sobre isto que eu queria escrever. A escrita segue o seu
próprio caminho, como a água.
Por inerência de época - aproximação do dia de S. Valentim - tenho lido umas coisas sobre o amor e sobre a sua definição. Parece-me maravilhoso que a maior força do mundo, tem uma linguagem quase universal, sem que seja possível ser vista, nem medida, nem pesada, nem quantificada de qualquer outra forma objetiva. Num mundo altamente movido pela ciência e pela economia, a sua maior força é completamente inexplicável, intangível e impossível de comprar. Pode comprar-se companhia, mas não se compra nem se vende amor. Do melhor, não é? É a tal história, pode comprar-se uma ou um milhão de casas, mas não se compra um lar. O mesmo acontece com o amor. Não se vende nem se compra. O dinheiro pode trazer muito, muito conforto, pode ajudar a resolver muitos problemas, pode trazer muita animação e muito prazer. Mas é incapaz de comprar o amor de alguém. É incapaz de nos pôr a amar. E que tal, este mistério de vida, hein? Se refletirmos bem sobre este tema, verificamos que tudo o que importa, verdadeiramente, não pode ser comprado, nem vendido. E o nosso tempo e a nossa energia, deveriam, num mundo ideal, ser despendidos naquilo que verdadeiramente importa.
Podemos sempre fazer um exercício, duríssimo, que nos ajuda a colocar os
pensamentos e a prioridades no sítio certo. Se eu morresse amanhã, o que faria
e com quem estaria no dia de hoje? Se se fizer este faz de conta com muita
seriedade, descobrimos o que, e quem, efetivamente, são importantes na nossa
vida. Se eu morrer amanhã, onde quero estar hoje? Difícil de fazer, não é? Muito
difícil. Em primeiro lugar, é muito difícil para cada um de nós, enfrentar a sua
própria morte. Mesmo sabendo-se que a qualquer momento pode acontecer, que é a
coisa mais certa que temos na vida, vive-se como se a morte apenas acontecesse
aos outros. Vive-se como se fossemos eternos. E somos, é verdade, mas apenas em
alma. O envelope gasta-se com o passar dos anos. E este medo da passagem para o
outro lado, é um dos nossos medos mais ancestrais. Quem crê numa vida posterior,
para além da morte, ainda escapa. Quem pensa que somos como uma alface, murcha,
morre e aduba a terra, terá ainda mais medo de morrer. Portanto, fazer de conta
que se vai morrer amanhã, é muito difícil. Partindo-se do princípio que se
consegue ultrapassar esta fase e que se procura, efetivamente, pensar na coisa
e criar prioridades na cabeça, tem de ter a disponibilidade suficiente (e
tempo) para serenar o cérebro, o pensamento e o coração. Milhões de pensamentos
serão pensados, de forma desordenada. Provavelmente em caos. Aflora uma ideia e
a sua contrária. Aparecem os medos, as dores, as mágoas, uma data de pessoas, memórias
desordenadas, sentimentos contraditórios e lágrimas. Se se fizer isto seriamente,
este costuma ser o cardápio. Duro. Mas não adianta contrariar o caos. Este deve
ser permitido, olhado de frente, acolhido e abraçado. Temos direito a momentos
de caos. Se o empurrarmos para debaixo do tapete e fingirmos que não existe,
ele pode tornar-se perigoso. Se o acolhermos, podemos compreendê-lo, abraçá-lo
e aceitá-lo como parte integrante de nós próprios. Quando integramos o nosso
caos, estamos a aceitarmo-nos como somos. E esse é o princípio do amor próprio.
Voltando à conversa, depois do caos, vem a ordem. A partir do momento em que
nos alinhamos connosco próprios, somos capazes de descobrir o que
verdadeiramente importa. Depois de purgado tudo o que é acessório, fica o que é
nuclear. E esse núcleo duro, é onde devemos investir a nossa energia. Se eu morresse
amanhã, queria estar com esta ou aquela pessoa, dizer assim ou dizer assado, fazer
isto e aquilo, etc. etc. Quando descobrimos o centro da nossa vida, descobre-se
o pote de ouro no fim do arco-íris!
Então, a questão que se coloca, é a seguinte:
se descobrimos hoje, o que é nuclear para nós, tendo em conta que poderíamos
morrer amanhã, porque é que não começamos, já hoje, a agir no sentido do que é
importante? Parece sempre que havemos de vir a ter tempo para essas coisas…mais
tarde…depois…quando calhar…quando der jeito. E a vida vai passando. O tempo vai
passando e não tratamos do que é fundamental. Não pensamos que podemos partir
de um momento para o outro e que deveria ser com a consciência tranquila. Com a
noção de missão cumprida. Com alguma plenitude no coração. Vale a pena pensar
nisto, não vale? Vejam por onde a conversa foi…começou com dia de S. Valentim e
derivou para a centralidade da essência da vida. Provavelmente, tudo vai bater
ao mesmo sítio, ao amor. Tenho a certeza de que sim. O amor (de qualquer espécie),
deve ser a pedra angular da nossa existência. A começar pelo princípio, como
convém, ou seja, pelo amor próprio.
(Nota adicional: Quando comecei a escrever tinha toda a intenção do mundo em escrever sobre a definição de amor. E saiu-me isto…as palavras têm vida própria, Graças a Deus.)
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