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Uma flor de Margarida

Conheço uma linda flor que se chama Margarida. As Margaridas são delicadas por fora e muito resistentes por dentro. São lindas. Conheço esta flor desde que é uma sementinha. Vem de boa cepa. Para mim, isso é o suficiente para gostar dela e para partilhar, em sentimento, um momento que lhe é difícil de descascar. Esta Margarida tem vivido no seu jardim, acompanhada pelas outras flores e pelas suas raízes.  Juntos vão passando pelas diferentes estações do ano, das mais alegres às mais tristonhas, friorentas e pinguças como é o inverno. Mas todas as estações fazem parte da vida. Sem o frio do inverno não se poderia agradecer o calor do verão. Sem a maravilhosa primavera, não se poderia desabrochar e florir. E sem o outono, não haveria renovação. Não se trocariam umas folhinhas por outras. E o segredo está em perceber-se que todas as estações do ano, com as suas especificidades e características, fazem parte da maravilha que é a vida. 

Por vezes, ao longo da vida das flores, aparecem uns invernos muito, muito rigorosos. Aparecem umas tempestades que arrancam as pétalas das flores delicadas. Das Margaridas. Parece que o coração fica com uma ausência que não se preenche. Gelado como frio na Serra da Estela. As Margaridas são flores de primavera. Não gostam do frio gelado que as tempestades inesperadas trazem. Mas as tempestades também fazem parte da vida. Tal como a bonança. Tal como o sol que nasce todos os dias depois da noite escura. E o frio no coração também passará. 

Esta espécie de planta que está cá deste lado a derramar estas palavras também já gelou o coração diversas vezes. E também começou bem cedo. Com a mesma idade que a Margarida. E, tal como a nossa florinha, também perdeu raízes, exatamente na mesma altura.  Quando se perdem algumas raízes, as mais antigas e profundas, parece que ficamos sem chão. Ficar sem chão e com o coração gelado ao mesmo tempo é passar por um inverno duro que se farta! 

Esta espécie de planta, também sabe que, depois do inverno, vem a primavera e que o gelo, no seu momento próprio, derreterá. Esta espécie de planta aprendeu a desgelar o coração. Como todas as flores têm que aprender. Esta espécie de planta aprendeu a ser uma cana de bambu, que verga, verga, verga mas não quebra. E as tempestades passam por ela sem a partir. Fazem-na dobrar quase até ao chão, fica com cicatrizes, mas não quebra. E esta espécie de planta decidiu que no fim do caule de bambu, em vez de uma cabeça, teria uma flor de lótus. As flores de lótus são muito resistentes, criam raízes muito longas que se prendem e estabelecem no lodo, na lama, e que permitem que uma flor aparentemente singela e delicada, flutue nos pântanos. Eu não sou singela nem delicada. Não tenho esses atributos. Mas tento ser a flor de lótus que transforma o lodo a lama numa coisa bonita. Na melhor coisa que for capaz. E que aprofunda as suas próprias raízes. Vai buscar a força onde a encontrar. Vai buscar a força às raízes mais novas. Vai buscar a força às outras flores de lótus e a todas as outras plantas e flores que lhe aparecem pelo caminho. O segredo, quando se perdem umas raízes, é encontrar força nas outras que ficam. O segredo para se continuar a florescer, é encontrar uma força interior que vem da gratidão de se ter tido aquelas raízes. Todo o tempo que partilhamos com as nossas raízes, é uma benção. Nunca desaparece. As raízes podem desaparecer fisicamente, mas a sua força, a sua sustentação, a sua capacidade de alimentar a alma, nunca desaparece. Com esta certeza absoluta, voltamos a construir o nosso chão. O nosso chão é feito de um mosaico constituído por várias peças: as peças que nos ofereceu quem por nós passou e as nossas próprias peças. Aquelas que vamos construindo com o nosso suor, com o nosso esforço, com as nossas descobertas, mas, principalmente, com o nosso amor. Acredito que o amor é a força mais poderosa do Universo. E acredito que o amor, em vez de ser qualquer coisa que anda pelo ar, é o nosso chão. É com o amor das nossas raízes que aprendemos a ser flor. De semente a botão. De botão a flor. As flores criam-se a toque de amor. Com um chão bem seguro. Este chão, mesmo que pareça fugir, nunca se vai embora. Só parece que vai. Cada bocadinho de vida que partilhamos com as nossas raízes, ficam no nosso chão. E nada, nunca, nos pode tirar um chão que é construído a toque de amor. E é este chão que faz com que as Margaridas sejam, e continuem a ser, umas flores lindas. E que faz com que as Margaridas compreendam que a primavera vai espreitar outra vez depois do inverno passar. Tem que se dar o tempo ao inverno de que ele necessita. Nem mais, nem menos. Só um inverno bem sentido trará uma primavera bem viçosa e alegre. É assim o ciclo da vida. Também o coração vai deixar de se parecer com a Serra da Estrela. Vai voltar a ser a maravilhosa Serra de Sintra, rodeada das praias do Algarve. No mínimo! Prometo que vai. O segredo é deixar que o coração continue gelado durante um tempo e deixar que um fiozinho de água possa sair pelo mar dos olhos. Depois de se esgotar a aguinha dos olhos, é tempo de nos lembrarmos que o coração é uma fornalha natural, alimentada a amor. E alimentar esta fornalha, é uma escolha que cada florinha pode fazer. A partir de determinada altura, pode escolher-se derreter o gelo e alimentar o fogo do coração. Fácil de dizer, não é? À medida que o tempo vai passando, vai sendo mais fácil de fazer. Prometo. O coração, tal como o chão, também se alimenta de amor. É o seu combustível. O amor, como já disse, é a estrutura do chão. Mas também é o alimento do coração. 

Se a florinha escolher lembrar-se com amor das raízes que já partiram, vai derreter o gelo que se instalou. Se a florinha escolher ter gratidão pelos momentos que passou com as suas raízes, vai derreter o gelo. Se a florinha escolher pensar em tudo o que viveu e partilhou em vez de se centrar na perda, o gelo vai derreter. No nosso coração, as nossas raízes nunca desaparecem. Nunca morrem. Ficam sempre vivas. Não podemos criar novas memórias. Mas podemos reviver tantas vezes quantas as que quisermos as memórias que nos pertencem e que nos enchem o coração de amor. Se escolhermos fazer desta forma, o gelo derrete mais depressa e o coração aquece de forma extraordinária. Nada do que temos cá dentro, nos nossos mundos interiores e no nosso coração, desaparece. Só desaparece se deixarmos. Se assim o quisermos. Tudo o que temos cá dentro é eterno desde que assim se tenha vontade. E se brindarmos à maravilha da presença, escolhemos não nos prendermos à dor da ausência. Esta escolha é muito importante. Lembrar-me do amor ou dar força à dor? Quando as florinhas se sentirem preparadas, depois da água dos olhos se esgotar à séria, é o momento para se refletir e fazer esta escolha. 

Para florinhas muito especiais, não há apenas o conhecimento dos livros e das escolas de flores. Há um conhecimento do coração e da alma que também tem que ser aprendido. Por isso é que as tempestades aparecem. E passam. Para sabermos sobre as outras partes da vida. Para aprendermos a sermos cada vez melhores flores. Para aprendermos a sermos capazes de nos colocar nas folhinhas e nas pétalas dos outros. Infelizmente, esta aprendizagem é dolorosa. Mas pode ser transformada em força e, principalmente, em amor. Depende da nossa (e apenas nossa) escolha. 

Eu acredito que no Céu, há um jardim só para as raízes e para as outras flores que já partiram na nossa presença. Acredito mesmo. Onde não há outono nem inverno. Só primavera e verão. E onde as flores são muito felizes. Esse é o objetivo. 

Acredito também que há flores que não querem estar nesse jardim sozinhas. Que querem ser felizes com a flor com quem partilharam a sua vida cá na Terra. Que bonito, não é? Volto a dizer, o amor é a força mais poderosa do Universo. E quando as flores pedem com muito amor, o Jardineiro do Céu faz-lhes a vontade. A vida também é aprender a ver a beleza através da perda e da saudade. Em última instância, quem somos nós para contrariar aquilo que um amor maior dita?

Eu peço ao Criador que me coloque no caminho uma amor assim tão bonito que faz com que as florinhas queiram estar juntas em todos os jardins por onde passem.

O que te parece, minha flor? É um bom pedido, não é?

O que nos move e deve mover aos 3, aos 10, aos 17, aos 30, aos 50 e aos 80 é exatamente a mesma coisa: o amor. Este é o grande desafio da vida, fazer escolhas e viver por amor.

O grande mistério da vida é este. Conseguir viver numa plataforma de amor. Onde se é grato pelo que se tem e pelo tempo em que se tem a presença de quem amamos. Como em tudo na vida, existe uma outra possibilidade. Podemos fazer escolhas pelo medo. Pelo medo da perda, pelo medo de não ser ou de não ter. Este é um caminho que só nos leva ao pico do Everest. Que nos gela e nos tira o ar. O caminho, minha linda flor é, em cada momento, em cada vivência, em cada experiência, em cada escolha, encontrar a parte amorosa como se não houvesse amanhã. Escolher acreditar no bem maior, no amor, na compaixão e na beleza. Isso, Margarida, ninguém nos tira. 

Somos verdes, de antenas, esquisitas e incompreendidas. Paciência. É o outro lado da moeda. Mas é o caminho das Margaridas e das outras espécies de plantas esquisitas. Há quem diga que são extraterrestres. Devem ser.

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