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O lado B da coisa

Isto não tem estado para brincadeiras. 
Tenho andando com a cabeça às voltas e as pontas dos dedos aos saltos. Mas ainda não tinha conseguido serenar para escrever alguma coisa de jeito. Durante algum tempo só me apeteceu escrever porcaria daquela que não ajuda ninguém. Como as palavras podem conter o melhor e o seu contrário, é necessário utilizá-las com a humildade e com o rigor que esta época nos pede. 

Em tudo, na vida, temos uma escolha. Também na utilização que se faz das palavras podemos escolher o seu sentido e o seu propósito. Sempre com a cabecinha muito no sítio. Sempre com muita lucidez. Com a saberia necessária e suficiente para utilizarmos as palavras da melhor maneira possível. Principalmente as escritas. As tais que deixam de ser nossas a partir do momento em que são lidas. E se forem aguçadas, cortam a carne. Se forem afiadas perfuraram o coração. Se forem geladas, estraçalham a alma. Se forem muito rombas, magoam na mesma. A palavra, por si só, contempla o seu significado e todo um universo à sua volta. E não se pode brincar com o universo. Dizendo melhor, não se pode brincar com os universos: aquele que existe dentro de nós e o que existe do lado de fora. Talvez aqui resida o mistério deste momento que atravessa toda a humanidade. Do Pólo Norte ao Pólo Sul, passando pelo Equador. E, neste momento de sofrimento, de medo e de incerteza, eu escolho o lado da esperança e o lado dos universos. Eu vou escolher, com toda a reverência, as palavras que penso que farão a diferença. Aquelas que nos vão tornar mais fortes e melhores pessoas. Eu escolho olhar para as consequências positivas das coisas. Neste caso, o lado B, será o melhor. O lado A, está a deixar um rasto de destruição e de sofrimento que não pode nem deve ser gratuito. Se a coisa em si, não pode ser alterada por nós, se o COVID19 tem vontade própria e vai sofrendo mutações conforme lhe dá na real gana, nós, humanos, também temos uma gana que é real. E o que fizermos com ela pode mudar o mundo. Sim, pode mudar o mundo. Repito: o lado B desta história pode mudar o mundo, para melhor, se cada um assim o escolher. 

Mais uma vez a escolha. Não escolhemos ter o COVID19 no mundo. Mas podemos escolher o mundo que queremos ter depois do COVID19. Estou a repetir-me? Deve ser porque já sou uma senhora de uma certa idade...e as senhoras com uma certa idade tendem a repetir-se. Principalmente quando pretendem, à força, colocar alguma ideia na cabeça dos outros. É o meu caso. Acredito, com todas as minhas forças, no ser humano. Acredito na sua capacidade de amar, de ser bom e de ser generoso. Apesar de existirem pessoas escuras, existem outras que são maravilhosas. E essas compensam a falta de luz que alguns têm e iluminam todos os outros. Iluminam o mundo. 

Acredito que estes tempos vão trazer grandes desenvolvimento e grandes desafios a todos nós. Vão trazer um crescimento extraordinário. E crescer dói. Dói para dentro e dói para fora. Já vou tentar traduzir estas coisas. No meio desta confusão mundial, tenho aumentado a minha crença e a minha fé no ser humano. E no amor, como a maior força do universo(s), o tal de dentro e o de fora. E é nesta polaridade que vai residir o busílis desta história toda. Acredito que, ao mesmo tempo que o ser humano se vai tornar melhor pessoa individual, vai igualmente tornar-se melhor pessoa coletiva. E não, isto não tem nada a ver com o número fiscal, o de contribuinte. Tem a ver com evolução e desenvolvimento. Desenvolver para dentro, para o interior de cada um e para o exterior, para a comunidade.

Neste momento de quarentena à séria, encontramo-nos à força com quem não estávamos há muito tempo: connosco próprios. De facto, e de repente, passamos a ter tempo para pensar, para refletir, para olhar para dentro. Como o ambiente exterior não é de feição, temos de olhar para as coisas que normalmente escondermos debaixo do tapete: os medos, as fragilidades, as sombras. Depois de andarmos por todas as divisões da casa, e de esgotarmos a rota do corredor, não temos alternativa senão atirarmo-nos para o sofá e pensar na vida. Pensar na nossa vida. E quando o Homem pensa, sem filtros nem defesas, os milagres acontecem. Os que forem capazes de se relacionarem consigo próprios e com o seu universo interior, de forma honesta e amorosa, serão muito melhores pessoas. A assunção do que constitui cada um de nós é um passo maravilhoso na escala da evolução individual. Se encontrarmos os mundos que temos dentro e se colocarmos as coisas em perspetiva, somos magníficos. Afinal, aquilo que parecia de uma importância extrema, não tem assim tanto valor. Afinal, o que parecia essencial, é supérfluo. E afinal, definir o que EU SOU é um desafio maior do que criar a vacina para o bicho. E, neste momento infeliz da história da humanidade, podemos escolher SER de outra forma. Encontrar o nosso lado B, individual. Muitas vezes vamos à procura das sombras em nós e encontramos a luz. Encontramos a luz onde não sabíamos que existia. Encontramos a coragem porque vamos com medo e tudo. Encontramos a aceitação e o desapego. Encontramos valores que não sabíamos que tínhamos. E não podemos empurrar nada com a barriga e fazer a fuga para a frente. Até porque agora não se pode ir a fugir para lado nenhum. Impressionante como um bicho invisível vem mudar a nossa forma de ver. Para dentro e para fora. Impressionante. E este é, para mim, um sinal de esperança. O olhar para dentro é sempre um movimento de evolução. De repente, eu queria estar com os que amo e não posso. Tenho que encontrar amor cá dentro, no meu peito. Queria estrafegá-los com beijos e abraços. Não posso. Como, afinal, são boas e importantes, as manifestações de carinho e de amor. Aquelas pirosas e melosas que por vezes até nos envergonhavam. Aquelas coisinhas que pareciam ridículas e maçadoras, agora são preciosidades. E aquela carteira vermelha que tinha mesmo que ser minha e que faria toda a diferença nos coordenados de vestir, não serve para nada. Mais valia ter estado quieta e ter comprado um bom vinho tinto para beber na companhia dos que mais gosto. É esta calibragem que somos convidados a fazer. A virarmo-nos do avesso e a olhar para esse avesso, de frente. Olhos nos olhos connosco próprios. E podemos escolher ser uma versão melhor de nós próprios, abraçando e honrando as nossas sombras. 

Da mesma forma que mergulhamos no mais profundo de nós, existe igualmente um movimento contrário, de extrema importância e que, se estivermos atentos, também vemos acontecer. Estamos a ficar mais solidários. Estamos a engrandecer a palavra generosidade. Não são todos. É verdade. Não estão todos no mesmo comprimento de onda. Também é verdade. Mas estamos a ir na mesma direção. Uns mais atrás, outros mais à frente. Paciência pelos que ficam pelo caminho. Chegará a sua vez, mais tarde ou mais cedo. E talvez esta direção, para onde caminhamos enquanto coletivo, enquanto povo global, para além das fronteiras físicas, seja contrária ao capitalismo desenfreado que temos assistido nas últimas décadas. Talvez seja na direção contrária à força do poder pelo poder, do dinheiro pelo dinheiro, etc. Com este inimigo invisível e comum a todos os homens e mulheres, os valores vigentes não servem de nada. O vírus não quer saber do sucesso de cada um, nem da sua conta bancária. E muito menos dos votos e da imagem social. O vírus é cego, surdo e mudo a todas as coisas que fazem mover os supostamente "grandes" no mundo. Um bicho, gajo, que não se vê, vem derrubar os todo-poderosos senhores do mundo. Não há tamanho nem poder que faça a diferença. Tanto faz ser "desenvolvido" como "subdesenvolvido". Tanto faz tudo. O vírus não quer saber. E o mundo treme. E, devagar, percebe-se que a única forma de não se sucumbir mais, é: cuidar do individual e cuidar do coletivo. Isolamento para não se contaminar nem contaminar os outros. Diria que o universo é muito subtil a passar as suas mensagens. 

Ser-se solidário, é a única coisa que se sabe que resulta. Uns a ajudarem-se aos outros. E ajudar pode ser apenas, ficar quieto, no seu canto, na sua casa. Como os caracóis ou como as tartarugas. De um dia para o outro, o senhor que nos recolhe o lixo é muito mais importante do que o presidente dos Estados Unidos (para mim sempre foi, desde a era Trump). De repente, os senhores da caixa do supermercado são muito, muito importantes. Enquanto povo do mundo, estamos a confrontarmo-nos com uma mudança evidente de valores. Estamos a colocar cada coisa no seu lugar. E o senhor que nos faz as entregas em casa? Aquele a quem, na maior parte das vezes, ninguém olha nos olhos? A importância que estas pessoas passaram a ter?! E que tal, aquela mercearia de bairro, pequenina? A que nem chegava aos pés do grande hipermercado? Agora é a que nos salva a vida. A senhora da padaria, passou a ter uma outra importância no nosso dia a dia. Até o nosso cão é um salvo conduto para irmos à rua apanhar ar. Quem haveria de dizer....e, sem sabermos como, os vizinhos organizam-se em ajuda, em cooperação. E do pequenino se faz grande. Se os vizinhos se organizam, os países organizam-se e o mundo organiza-se. E este será, talvez, o lado B, de onde sairemos disto, num mundo muito melhor. 

Se cada um de nós for à procura da sua centelha de bondade e de solidariedade, escolhemos o tal mundo melhor. O de dentro e o de fora. Se juntarmos todas as centelhas de bondade e de luz em cada um de nós, o mundo ficará um lugar muito melhor. Com valores a sério. Com cooperação a sério. Numa versão muito melhor. E isso depende de nós e não do vírus.

Mais uma vez, podemos escolha: o lado do vírus ou o lado da cura. Eu escolho o da cura. A minha, interior, e a do mundo, naquilo em que puder contribuir. Começo com a família, com os amigos e com os vizinhos. Da mesma forma que um elefante se come aos pedacinhos, um vírus invisível vai fazer com que o sol volte a nascer para todos, da mesma maneira.

Até a noção do grande e do pequeno fica baralhada, não é? Quem diria...


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