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A leveza da esperança

Hoje estou murcha como as flores quando não lhes regam os pezinhos. Neste caso a murchice instalou-se porque me falta os raios de sol que me iluminam. Por fora e por dentro. Por fora porque esta primavera está muito frouxa. Nunca mais se decide se quer manter-se mais no inverno ou se resolve assumir o verão de uma vez. A primavera está uma dama muito indecisa. Não sabe bem para que lado há-de ir. Coisas femininas também no que diz respeito ao tempo que faz. Como eu sou uma pessoa de sol, estou murcha porque ele anda tapado pelas nuvens cinzentas, gravidíssimas de lágrimas doces e densas. E não há maneira de aparecer o sol para me permitir receber uma boa energia do céu. Devido à chuva, não consigo fazer as minhas caminhadas. E assim não destilo tudo o que se passa cá nos meus mundos mais tristes. 

Por outro lado, também se me escaparam os raios de luz que me iluminam por dentro. A minha estrela passa a vida a brilhar de um lado para o outro e fica longe a maior parte do tempo. E sempre que se vai embora, para outro céu, fico sempre murcha. Durante uns dias fico com aquela tristeza miudinha que me mói o coração. Não é que depois passe, mas como deixo doer até se fartar, sempre melhora um bocadinho. Sempre que a minha estrelinha se vai embora, leva também a esperança de um cruzamento de brilhos. Num céu tão distante, não há raio de luz que aguente. E pronto, vai-se embora a esperança para dar lugar à resignação. Ou à aceitação, não sei qual será a palavra indicada. Hoje ainda não sei definir, pois ainda está instalada a tristeza. E como as flores, esmoreço as pétalas. Apetece-me curvar a alma. Sinto-me murchar. O amor é a coisa mais linda. Mas a sua ausência faz murchar muito os meus pés de flor. Tudo tem o verso e o reverso e até as flores têm destas coisas. Umas vezes sentem-se bem regadinhas e iluminadas e outras sentem-se caídas. A meia haste. Hoje sinto-me de joelhos. E os meus olhos estão como as nuvens que tapam o sol, cheios de lágrimas densas. E são lágrimas um bocadinho amargas porque não fazem falta nenhuma a ninguém. As lágrimas de chuva são doces pois são lágrimas de vida para a toda a criação. As minhas são lágrimas amargas que só trazem sombra em vez de alegria. E que se centram na ausência em vez de se centrarem no amor. E que se focalizam na parte menos boa da coisa. Uma alma evoluída deveria saber que o que importa não é a ausência, é a existência. O que importa é o bem que é gerado e não a falta que faz. Mas parece que ainda tenho muito que aprender até ser uma alma evoluída. Talvez seja este um dos meus desafios espirituais. O da aceitação e do agradecimento incondicional de tudo o que se cruza na minha vida. Mesmo que não seja inteiro. Mesmo que eu não compreenda. Embora seja otimista e costume ver o lado bom das coisas e os copos meios cheios e assim por diante, ainda tenho que ser capaz de sossegar o meu coração com o que é possível. Com o que existe. Tenho que ser capaz de preencher os vazios a partir das gotinhas de amor e de luz que de vez em quando acontecem. Tenho que ser capaz de juntar interiormente todas as gotinhas preciosas que andam por lá perdidas no meu coração. E desse conjunto de gotinhas, ser capaz de fazer um mar. Pode ser pequenino mas compostinho. Desde que dê serenidade e profundidade à minha existência, já está muito bem. Costumo dizer que não preciso de muito para ser feliz. O caneco é que este "muito" é apenas a minha medida. Não é a de mais ninguém. Nem sequer é a de Deus. E nestas coisas das medidas, temos que nos lembrar que as referencias são apenas coisas muito nossas. Embora eu diga que não preciso de muito para ser feliz, sei lá se o que me faz falta não é excessivo para os outros. Ou já é imenso para Deus. Não faço a mínima ideia. Cada vez menos percebo de medidas e de referencias. E ainda bem. Parece-me que o importante é que se saiba que as medidas emocionais são como as impressões digitais: cada um tem as suas, únicas e irrepetíveis. Podem haver parecidas, quase compatíveis mas nunca iguais. Portanto, quando falamos de questões emocionais ou de sentimentos, apenas temos uma vaga ideia do que isto representa nos outros. Apenas conseguimos saber destas coisas em nós próprios. E isto se formos atentos ao nosso mundo emocional, claro. A malta que consegue desligar botões no coração, provavelmente nem sabe do que estou a falar. Mas cada um no estadio em que se encontra. Cada um no seu patamar emocional. Eu que tenho o coração na boca, sem botões nenhuns para nem sequer baixar o volume, tenho sempre o meu emocional ao rubro. Também já não sei viver de outra maneira. Desde que tenha paz, posso viver cheinha de emoções e de sentimentos. Mas quando estou triste não tenho muita paz. Hoje sinto-me menos que a metade de mim própria. A tristeza rouba-me brilho e cansa-me. Faz-me curvar. Sinto o peso da ausência. Ainda nem sequer a ausência se transformou em saudades, um bocadinho mais leves e mais amorosas. Ainda só sinto a densidade férrea da carência. 

A minha esperança é que amanhã já me sinta mais leve. Com a leveza própria que a aceitação traz à alma. A esperança ajuda a limpar a densidade e a aliviar o peso da ausência. Assim como o nascer do sol traz um novo impulso à vida, também a esperança traz alegria à alma. Parece-me que, afinal, os raios de sol são dourados porque são feitos de esperança. E a esperança é uma das jóias mais preciosas que existem, é uma das jóias que enfeita a alma. Que a faz ficar ainda mais bonita e luminosa. Ainda bem que a esperança faz parte da minha essência. O que faria eu sem ela?

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