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Era uma vez...

Era uma vez. Ainda não comecei nenhum texto com o “era uma vez”. Isto porque aquilo que escrevo não são histórias, nem fábulas nem lindas lendas. Eu adoro-as mas não sei escrever nada dessas coisas. Só sei escrever o que sinto e o que penso. Ou sobre algo que me inspira. E, lá muito de vez em quando, faço uma pseudo brincadeira com as palavras. Mas, na realidade, “era uma vez” é uma linda forma de se começar a escrever seja sobre o que for. Este início de conversa, “era uma vez”, leva-me imediatamente para o mundo dos livros e de um imaginário maravilhoso que era tão vivido na infância. E, quando somos crianças, tudo o que imaginamos é real. Todo o faz de conta é muito a sério. Por vezes tenho saudades de sentir nas entranhas a realidade do que se passa na minha cabeça ou no meu coração. Tenho saudades de ter a certeza de que tudo o que sinto é de verdade. De que tudo o que penso, é assim mesmo. Pelo menos durante o bocadinho em que estou a pensar ou a sentir.

Para quem que como eu adora pensar em cenários e fazer filmes cá dentro da cabeça, os bocadinhos que tenho só para mim servem para dar asas às minhas ideias e, como costumo dizer a brincar, arrumar o lixo todo que tenho no cérebro. Adoro começar a pensar numa ponta do arco-íris e acabar na outra. Ou então do outro lado do mundo. O “era uma vez” faz parte do meu quotidiano muito íntimo e pessoal. Como sou uma senhora crescida, não me fica nada bem o sonho e a imaginação desenfreada. Ou, pelo menos, dizer que os meus pensamentos andam à solta. Mas andam. E, quando os deixo desalvorar, é magnífico. Adoro visitar os mundos que tenho no meu universo. E, internamente, tudo é possível. E isso dá-me muita esperança. Parece-me que nestas visitas interiores, aos meus mundos também posso escolher o que quero visitar. Os mundos mais alegres, mais coloridos e solarengos ou os que passam a vida sob tempestades, raios e coriscos. Ou envoltos naqueles nevoeiros cinzentos e húmidos que não dão saúde a ninguém. Como sou alegre e otimista por natureza, escolho os coloridos e solarengos. Visito-os, mimo-os e permaneço o tempo que me apetecer. E faço questão de explorar todos os cantinhos que vão aparecendo, apesar de qualquer mundo ser redondo. Cada um dos meus mundos, daqueles que me dá alegria e bem-estar, vai evoluindo. Há sempre coisas para descobrir e pensar. Lá muito de vez em quando, também tenho que visitar os outros mundos. Aqueles que não têm sol. Aqueles que são apenas iluminados pela lua que ainda por cima não tem luz própria. São uns mundos um bocadinho maçadores. Mas também fazem parte do meu universo. E tenho que lhes dar a devida atenção para que não cresçam. Para que não se tornem maiores do que aquilo que na realidade são. Também tenho que os entender e aceitar como parte de mim própria. As incursões aos meus mundos interiores permitem-me manter organizado o mundo cá fora. Permite-me encontrar um sentido para a minha vida. Para o que me acontece. Permite-me aceitar o que à partida não tem lógica ou não tem fundamento. Permite-me ter uns nervos de aço e encontrar forças onde não sabia que elas existiam. Permite-me sentir só porque sim. Permite-me organizar a quantidade de coisas que sinto, que intuo, que penso, que vejo, que entendo e ainda tudo sobre o qual não percebo mesmo nada. Tenho um mundo só para o que não consigo entender. São coisas que estão para lá atiradas e que de vez em quando se organizam. É quando me cai uma fichinha. Normalmente, cair uma ficha é compreender algo que ainda não me fazia sentido. Há sempre um momento próprio para tudo. Um tempo para tudo. E esta foi a forma que encontrei de me descomplicar. De me tornar cada vez mais simples e mais serena. E, em vez de acabar este texto com a moral de história, acabo com um “era uma vez” um reboliço que desejava ardentemente ser sereno.

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