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Raiz

O que pode acontecer se se cortarem umas raízes de uma árvore? Sabe-se que as raízes são o que seguram, são os pilares, as estruturas que vão crescendo à medida que a própria árvore também cresce. E ajuda-a a chegar mais longe em profundidade, em segurança, em sentido de pertença. São o que sustém toda a estrutura aérea, o caule, os ramos, a copa. Tudo o resto. As raízes são o que fazem com que a árvore vergue mas não quebre perante as intempéries. E não a deixam perder o sentido da realidade por mais alto que cresça e mais longe que chegue. E se se tiver que cortar uma raiz? Uma daquelas muito importantes? Daquelas que já esteve na origem de tudo e que agora é tóxica? E se se tiver que cortar a raiz que em vez de trazer água, traz ácido daquele que queima, que destroça?

A resposta óbvia parece ser: corte-se! Mas na vida as respostas são muito pouco óbvias. Por vezes, não se pode apenas suprimir aquilo que é tóxico, pura e simplesmente porque não é suprimível. Faz parte de nós e da nossa origem. Quando uma das raízes mais poderosas da árvore não está a cumprir o seu papel, antes pelo contrário, o que fazer? Não se pode apenas viver de lembranças, de saudade. Poder-se-ia, se não houvesse raiz. Havendo, não é possível ter-se uma raiz que nos faz mal e lidar com ela pelo bem que já nos fez. É um ter e não ter em simultâneo. Esta simultaneidade é dilacerante. Parece um beco sem saída. É uma raiz que não nutre, que não apazigua. Bem pelo contrário, é uma raiz que consome muita energia à árvore. Deixou de fazer parte integrante da sua estrutura. Esta raiz apenas existe, tendo-se esquecido do seu fundamento, do seu papel e do amor que a árvore lhe dedicava. Resolveu transportar o que entende, o que pensa ser o melhor sem ter a noção do que na verdade anda a fazer. A raiz não tem culpa e a árvore também não. E ambas sofrem. Raízes atormentadas adoecem as árvores.

Parece que a aceitação e o desapego também são muito importantes na vida das árvores. Por vezes têm que aceitar, sem mais nada, que as raízes não são para sempre iguais. Que por vezes ficam doentes, ou mirram ou morrem. E a árvore não deixa de ser árvore. Será uma árvore diferente, mas será sempre uma árvore. Se a árvore conseguir aprender a desapegar-se da raiz, então, será possível não sentir o vazio, nem ser influenciada pela sua toxicidade. Apenas deixará que a raiz seja o que é capaz de ser, com os seus problemas e os seus limites. Sem mais nem menos. E a árvore ficará em paz, amando a sua raiz, apesar de todos os apesares. E este amor será de muito melhor qualidade. Não cobra, não tem um "mas" associado, não tem tanto sofrimento associado. Um amor aceitante e desapegado é também muito melhor para a raiz, que no seu desgoverno, precisa muito de ser amada, tal e qual como é capaz de ser no momento. E o futuro, a Deus pertence.

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