Estou a ouvir o fabuloso Pedro Abrunhosa. E na canção, ele
diz que “temos mais de mil anos e somos o certo e os enganos”. O Pedro
Abrunhosa sempre me inspira. Até porque me parece que é da luz, do bem e do
amor. E desato por aqui a fazer associações de ideias e de pessoas.
Interessante como às vezes se sente que conhecemos alguém que nos é muito
querido desde sempre. Para aí há uns mil anos. Ou então, as coisas que conseguimos
dizer, pensar e partilhar parece que são tão intrincadas, com tanta cumplicidade
que nos faz parecer ancestrais. E, juntos, temos mais de mil anos de
sentimentos e de pensamentos. Existem assim algumas pessoas na minha vida. Muito
poucas.
Assim de repente lembro-me da minha melhor amiga. A minha mana de
coração. Basta um tom de voz para se perceber alguma coisa. Basta um olhar ou
um sorriso para se saber o estado da arte uma da outra. Acontecem coisas
engraçadas como estarmos ambas a ligar uma para a outra sem nada combinado. Ou
a termos os mesmos pensamentos sobre as mesmas coisas sem termos falado no
assunto. É muito engraçado e rimos uma com a outra destas situações de
cumplicidade extrema. Esta minha amiga é a pessoa que melhor me conhece no
mundo inteiro. E talvez eu seja a pessoa que melhor a conhece também. E juntas conseguimos ter quase uma eternidade de partilha, de complementaridade, e de
pensamentos. Complementamo-nos porque somos muito diferentes. Numa data de
aspetos. Ela é a constância e a temperança em pessoa, delicada, suave, meiga e
a pessoa mais honesta que conheço. Ninguém no mundo me sabe amar melhor, ajudar
melhor e orientar melhor. Neste par de irmãs, eu sou a mais chalada. A tal que
de delicada não tem nada. Por vezes sou tipo cilindro que leva tudo à frente.
Embora seja constante, sólida e confiável, não sou nada suave nem a temperança
me assiste. Sou sim temperamental e intensa. Sou mais a açúcar, ferro e fogo
enquanto a minha amiga é mais a algodão doce, a brisa quentinha e a primavera.
Penso que esta minha amiga personifica a primavera com tudo o que tem de
bonito. Eu nem sei que estação do ano cá me paira no meu interior. Depende.
Conforme o lado para o qual estou virada. Mas a coisa mais magnífica de tudo é
que esta minha amiga me serena, gosta de mim e aceita-me tal e qual como eu
sou. E isso é fantástico. Dá-me paz. E, quando pensa que eu preciso de ouvir
umas verdades daquelas que me abrem os olhos ou me colocam um par de travões,
pois não se coíbe. Aqui vai disto e eu acato. Ela é tão doce, tão doce que
quando levanta a sobrancelha eu fico logo em sentido. Até me arrepio…penso logo
na asneira que devo ter acabado de fazer…é precioso termos alguém que nos diz
aquilo que precisamos de ouvir sem medo, sem as voltinhas do Marão e
diplomacias desnecessárias. Ela tem mais de mil anos de sabedoria. Pelo menos
para mim, tem. Esta amiga cheia de primavera conhece o meu certo e os meus
enganos como ninguém. E não se importa.
Esta coisa dos mil anos também me lembra a minha estrela. Parece
que conheço este astro desde sempre. Por vezes basta-me olhá-lo nos olhos e
consigo ouvir o que não diz. Consigo perceber o estado da alma. E as suas
opiniões e conversas não me surpreendem pois parece que já as conheço, parece
que me são familiares. Penso que consigo saber o que lhe dá paz, sossego e bem-estar.
Apesar de ter um magnífico lado solar, cheio de qualidades e talentos, o busílis
está sempre no lado lunar. Gostamos, aceitamos ou não o lado lunar das pessoas?
As suas características menos boas. Se conseguimos conviver bem com este lado
de cada um, está tudo certo. Porque ninguém é perfeito. Todos temos um lado
lunar muito próprio. Esse meu lado tem uma lua de todo o tamanho!!! Eu tenho
muitas imperfeições. A minha estrela também tem o seu lado lunar. Também este
lado me parece que conheço há mais de mil anos. E, como o sol anda sempre em
alternância com a lua, também é o certo e os enganos. Tal e qual como eu. E
gosto dos seus lados todos. Que remédio! Às vezes vejo-me refletida nalgumas
das suas características. Deve ser para eu provar do meu próprio veneno. Deve
ser para que eu entenda o verdadeiro impacto de algumas das minhas próprias características.
Para sentir na pele como é que elas mordem. Depois é muito interessante de ver,
se conseguirmos e acreditarmos nestas coisas, que a vida nos coloca à frente as
pessoas que também rompem com as nossas certezas, com os nossos sistemas e que
se por um lado são o nosso reflexo, por outro lado são o nosso inverso. Para
percebermos que a diferença é bonita. Que na esmagadora maioria das vezes não
há certo nem errado. É só diferente. E ninguém é melhor nem pior. E, se
estivermos atentos ao respirar um do outro, juntos teremos mais de mil anos de
experiência. No entanto, esta ultima frase tem um “se”. Por enquanto, apenas
posso falar que me parece que a minha estrela brilha no céu há mais de mil
anos. E que eu a vejo brilhar desde sempre. Ela que tem muito por onde olhar,
principalmente para dentro de si própria, ainda não me conhece o respirar. Mas os
milénios levam tempo a acontecer. Não é de um dia para o outro. Levam para aí
uns mil anos de muita paciência. Mas o que interessa é que esta sensação de
muita familiaridade é muito bonita. Este sentir do outro na ponta dos dedos é
muito bonito apesar de também nos trazer muita tristeza. É que por vezes
estamos mesmo a ver o que se passa, a sentir a dor do outro, a saber o porquê e
não podemos fazer nada com isso. Até porque o outro não tem culpa nenhuma que a
gente veja estas coisas. E tem direito à sua privacidade. Enfim. Ter mais de
mil anos traz coisas muito boas e outras mais murchas. Mil anos de vida dão um espetro
de experiências que não dá para listar. Tudo intenso e à grande como é de meu costume.
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