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Uma orquídea rara, uma jardineira e duas extraterrestres!

Hoje apetece-me escrever sobre a mais bonita forma de amor que existe: a amizade. Já escrevi inúmeras vezes sobre o assunto, mas a fonte é inesgotável. Cada amizade que partilhamos é única. Cada uma reveste-se de uma identidade própria. Cada amizade que nutrimos é diferente da outra. E isso é a beleza da coisa. Tive a sorte de há pouco tempo recuperar uma amizade muito bonita e importante. Daquelas em bom. E é das melhores porque sobreviveu aos desvios da vida. Por vezes o caminho prega-nos partidas que nos desviam do que verdadeiramente interessa. Neste caso em particular, com uma das flores do meu jardim, uma orquídea rara, houve, por assim dizer, uma hibernação do sentimento recíproco. Mas como tudo o que é forte e autêntico tem a mania de dar a volta por cima, aqui estamos de novo, com uma amizade fortíssima. 

As orquídeas raras, sendo assim tão raras, apesar da sua elegância e imponência, têm um coração de manteiga e uma sensibilidade extrema. Possuem uma aparência esfíngica, mas o seu interior é de uma doçura extraordinária. Uma doçura que a própria orquídea nem sempre reconhece e, reconhecendo, não encara como sendo uma das suas maiores forças. Por vezes olha para esse mel todo como sendo uma das suas fragilidades. E não gosta de o dar a conhecer. Atrapalha-a. Fá-la ter medo de si própria. A minha orquídea ainda não realizou, nas suas magníficas pétalas, que ter medo de si própria é uma das formas mais sublimes de inteligência. De facto, somos os nossos piores inimigos. É a nossa cabeça que tem por hábito estafegar os nossos melhores alicerces e a nossa qualidade de vida. É na nossa cabeça que habita o medo. Pelo menos na cabeça florida das orquídeas. Sendo o medo um organizador por definição, ou seja, é o facto de termos medo que nos permite utilizar o instinto de sobrevivência. É o facto de termos medo que faz com que preparemos as nossas defesas para o que der e vier. E como sempre digo, ser corajoso, não é não ter medo. É fazer-se o que tem de ser feito, indo-se com medo e tudo. Isso sim, é coragem. Esta minha orquídea rara, já me deu muitas provas de ser uma pessoa corajosa. Vai com medo e tudo. Quando recuperamos a nossa amizade, foi capaz de um dos atos mais bonitos e corajosos que já vi alguém ter. Com a suavidade que a carateriza, como boa orquídea rara que é, fez com que a amizade saísse de uma hibernação invernosa e desse um salto direitinho para o verão, sem sequer passar pela primavera. Não é coisa para todas as flores. Só é capaz deste salto quântico, uma flor que seja verdadeiramente rara. Que tenha os valores no devido lugar, nas raízes e no coração. E sim, as flores têm coração. São a espécie de toda a criação que têm o coração mais bonito. Ninguém acredita que as flores, que tanta beleza e perfume dão ao mundo, não tivessem coração. Têm. E normalmente é maior do que elas próprias. Custam a dar conta dele. E aqui está o ponto mais frágil das flores em geral, viverem esplendorosas, dando conta do enorme coração que têm. Não é fácil viver em beleza no mundo em que vivemos. As flores entendem que a sua missão primordial é encantar os outros e o mundo, dando-lhes beleza, perfume e serenidade. Lamentavelmente, ninguém coloca na cabeça ou no coração das florinhas que o seu objetivo primordial é encantarem-se consigo próprias. É serem belas, mesmo se não houver ninguém para apreciar. O que é que isso interessa? A flor deve ser bela em si própria, aceitando a sua condição. Esta aceitação é o que faz com que os caules, apesar de serem mais finos ou mais robustos, sejam à prova de bala. Não dependem do exterior. Dependem essencialmente de si próprios. Se as florinhas tiverem esta noção verdadeiramente enraizada, não há intempérie que as derrube. Aprendem a ser como os bambus, que vergam, sempre que necessário, que acompanham o sopro do vento, por mais forte que seja, mas não quebram. Sobrevivem e erguem-se de todas as vezes que quase vão ao chão. Esta é a mestria de se ser flor. Preciosas por dentro e resistentes por fora.

Nem sempre uma florinha está no seu auge de resistência. Por vezes, precisa e deve pedir ajuda aos jardineiros da sua vida. Qual é o mal? Nenhum. Por vezes, é necessário deixar que lhe reguem os pezinhos, que a iluminem melhor, ou que se lhe encontre uma estufa protetora e aconchegante. Uma estufa daquelas em forma de conchinha, em que nada entra. Uma florzinha que se preze, deve saber aceitar o amor e a dedicação que os jardineiros têm por ela. Um jardineiro à séria, sabe que nem sempre as florinhas estão no seu máximo e que nem é natural que assim estejam. Tal como o ciclo das estações do ano, a vida destas florinhas também tem ciclos. Há ciclos de produzir beleza e perfume e há ciclos de recolhimento e de se deixar tratar. Tudo faz parte da vida. É esta alternância de papéis que faz com que os jardins sejam os lugares mais fantásticos do universo. Os jardineiros dedicam mais tempo e mais amor às florinhas raras e sensíveis do que às suculentas. E é assim mesmo. Cada uma no lugar a que pertence. E os jardineiros gostam e aceitam as florinhas tal e qual elas são. E quando as orquídeas precisam de atenção, há um batalhão de jardineiros que se organizam para as ajudar, da forma que as orquídeas necessitarem. E não fazem juízos de valor. Principalmente, a orquídea não perde nenhum valor aos seus olhos. Pelo contrário, numa relação simbiótica perfeita, flor e jardineiro, complementam-se, ajudam-se e aprendem mutuamente. Ninguém tem interesse em fazer amizade com catos do deserto, nem com algumas espécies de suculentas. Absorvem tudo o que podem, existem sozinhas e ainda picam se alguém se aproxima. Qual é a piada? São apenas sobreviventes ermitas, isoladas do mundo. Quanto mais inóspito o ambiente, melhor se dão. Por mim, dispenso este tipo de plantas no meu jardim e parece-me que partilho este sentimento com todos os jardineiros que conheço. Quanta beleza existe numa flor sensível e amorosa, que precisa de sol, de água, de companhia e de bom trato. Adoro flores, dignas desse nome, que, só por serem quem são e como são, me dão tanta alegria. São o que são, verdadeiramente. E isso é o que me interessa. Uma rosa sem espinhos, desconfio. Se um girassol gostasse de luz artificial, desconfiaria. Se um nenúfar não tivesse raízes, torceria o nariz. Se uma orquídea não perder, de vez em quando, as pétalas, alguma coisa se passa. O que faz parte do ciclo de vida destas flores particulares e raras é o facto de perderem as pétalas, em determinados ciclos de existência e, depois, quando voltam a nascer, são ainda mais bonitas e mais esplendorosas. E assim se define uma orquídea. Tal como a fénix, renasce das cinzas, sempre mais poderosa e iluminada. Gosto muito de orquídeas (e de fénixes também).

As orquídeas ensinam-me muitas coisas, principalmente aquelas que eu preciso de aprender e de melhorar. Ensinam-me a importância da mansidão e da serenidade. Ensinam-me a ser elegante e delicada (pelo menos tentam, nem sempre com o melhor dos resultados). Ensinam-me a escolher palavras suaves para dizer coisas duras. Ensinam-me a escutar cada vez mais e cada vez melhor, a voz da emoção, e a colocá-la ao serviço da inteligência. Ensinam-me, diariamente, a ser um jardineiro a sério, em vez de ser uma espécie de trator. Ensinam-me que cada flor deve ser tratada conforme necessita e não conforme eu penso que é necessário. Mas principalmente, o que esta orquídea rara também me ensinou, é que, de vez em quando, tal como o ciclo das estações acontece, também os jardineiros oscilam entre serem jardineiros e serem flores. Umas vezes são uma coisa e outras vezes, são outra. E assim é a história de uma amizade verdadeira e preciosa entre uma jardineira e uma flor. Trocam de papéis constantemente, sempre que tal é necessário, sem que tenha de haver um decreto para tal. Basta um olho atento. Basta amor no coração.

 E, de vez em quando, não são uma coisa nem são outra, são apenas duas extraterrestres a tomar um copo, a dizer uns disparates e a rirem de si próprias!


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