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Um orangotango de olhos doces

De repente dou conta de que não escrevo há tanto tempo!!!

A vida coloca-se no caminho e há sempre qualquer coisa que fica para trás. Para além disso, todos os criativos (grupo ao qual não tenho qualquer pretensão de pertencer) dizem que só se cria como deve de ser em polaridade: em estado de muita felicidade ou em estado de profundo sofrimento. Também já percebei que para escrever qualquer coisinha de jeito, é muito mais fácil se as emoções estiverem ao rubro. As minhas, agora, no momento, não estão. Mas estiveram num passado recentíssimo. Sempre que o tapete me sai debaixo dos pés ou quando vislumbro uma perda importante, fico a parecer um comboio a vapor, a hiperventilar em alta velocidade. E caem-me uma data de fichas na cabeça.

Dei-me conta que podia ter perdido uma extraordinária parte da minha vida. Ia ficando órfã de irmão. Só tenho um irmão, mas acho que mesmo que tivesse 100, este que tenho, seria o meu preferido. Já me fez apanhar muitos sustos e parece-me que já gastou uma data de vidas numa só. No entanto, muito recentemente, houve um episódio de gravidade tal que me fez equacionar a possibilidade de o perder. Doeu-me que se fartou. Posicionando-o na minha hierarquia de amor, este bicho careto, ocupa um lugar no pódio. Perder um irmão é como perder um membro do nosso corpo. Sempre o amei perdidamente. E sei que o sentimento é recíproco. Podemos andar à batatada, como se espera de dois irmãos que se prezam, mas nunca nos separamos sem fazermos as pazes. Penso que o nosso amor é ainda maior e mais especial de corrida porque somos diametralmente opostos. Temos muito pouca coisa em comum. Para além dos nossos pais, gostamos ambos de um bom vinho tinto e de Gin. E gostamos muito um do outro. Apesar de não ser a coisa mais fácil do mundo, aprendemos a respeitar as nossas (enormes) diferenças e, de uma forma pouco consciente ou artificial, soubemos escolher dar atenção ao que nos une, ao que nos aproxima em vez de nos ralarmos com o que nos separa ou mantém. É muito mais importante o amor que temos um pelo outro do que termos razão perante um ou outro aspeto da vida. Já demos para esse peditório e já nos deixamos de cenas tristes. 

Só para que conste, nos piores momentos da minha vida, é para o meu irmão que telefono. Só porque sim e porque tenho a certeza que ele ainda bem não ouviu o que se passa, já está a abrir as asas e a levantar voo na minha direção. E isto é do mais precioso que pode existir. No dia a dia, não está nem aí, não liga ao quotidiano e vive à volta do seu próprio umbigo. Não por egoísmo. Apenas porque o seu cérebro é uma caixa de pandora enorme e com uma atividade indescritível, intensa e caótica que lhe dá pouco espaço para perceber o que se passa à sua volta ou do impacto que causa na vida dos outros. Por vezes é um elefante numa loja de porcelana, a dar à tromba sem querer. E lá se vai a porcelana, a loja e o que aparecer pela frente. Por outro lado, é o maior urso panda gigante que a china, o mundo e arredores já viram. Tem um coração maior do que as pirâmides do Egito. Tem estas duas vertentes que se manifestam, habitualmente, de forma intensa. Tem uma compaixão extraordinária e é capaz de tudo para salvar uma tartaruga microscópica que se perdeu no caminho. Qualquer inseto tresmalhado também tem guarida na sua caixa torácica.  Por outro lado, quando lhe pica a mosca, lhe chega a mostarda ao nariz ou se atravessa uma maldade no caminho, parece o Vesúvio em plena erupção. É assim. Tudo em grande, em bom e em intenso. Temperamental, tem a mania que sabe tudo (e sabe muito), eterno adolescente, bon vivant e, em simultâneo, capaz de dar a camisa do corpo por dá cá aquela palha. Basta ver ou dar-lhe o cheiro de que alguém precisa. ADORO-O!

Como gajo de barba rija que é, só tem um ritmo: o seu. Só há uma forma de ver o mundo: a sua. Claro que de vez em quando aparecem-lhe umas surpresas que o deixam desconcertado. Não as vê vir, de tão absorto que está no seu mundo. Talvez o seu dia necessitasse de ter muitas mais horas. Não se importa com coisas pequenas nem com insignificâncias. Mas ainda não percebeu que se ganha e que se perde por uma unha negra e que o diabo se esconde nos pormenores. Nem que o infinito pequenino é tão importante como o infinito abissal. É gajo. Sabe de física quântica e de como as morcegas amamentam os morceguinhos, mas nunca sabe onde enfiou o cartão de multibanco, a chave de qualquer coisa ou a própria cabeça. Espalha os objetos da vida como espalha os seus pensamentos e os seus conhecimentos. Tem o melhor sentido de humor do mundo. É a graça em pessoa e não tem um pingo de maldade embora saiba muito bem como levar a água ao seu moinho, se estiver para aí virado. Sabe muito de muitas coisas e sabe muito pouco de outras. Resumindo, um ser humano como todos os outros, único, especial e irrepetível. Insubstituível. E é meu irmão. Posso dizer o que quiser dele, mas não deixo que ninguém de fora se atreva a fazê-lo. Leva uma corrida em osso que é uma beleza! Ai de quem lhe toque!!!! Viro um bicho ruim!

De um momento para o outro, vislumbrei a possibilidade deste orangotango de olhos doces fazer parte apenas das minhas memórias e do meu coração. E já não soube o que fazer da vida. Já não soube onde enfiar o amor todo que lhe tenho. Fiquei sem chão, sem pernas, sem braços e sem estômago. No lugar da barriga, ficou um buraco. Graças a Deus (porque sou uma mulher de fé, o que o irrita) foi apenas um susto colossal. Ainda não foi desta. A vida ficou bonita outra vez e o tal do buraco na barriga já se voltou a preencher. Toda esta história fez-me lembrar que não lhe declaro o meu amor como deve de ser. Não lhe digo o quanto gosto dele as vezes que devia. É sempre a mesma história, só quando a vida nos aperta é que deitamos sumo. E decidi que a partir de agora vou amá-lo ainda mais e melhor. Tal como ele é e tal como eu sou. E, no fim do dia, é isso que interessa. As nossas diferenças têm-nos feito evoluir enquanto pessoas. As nossas diferenças tornam-nos melhores irmãos. É um amor mais rico, mais maduro, inviolável e indestrutível. 

Há um outro aspeto que para mim é da maior importância: dizemos a verdade um ao outro. Cada um partilha a sua verdade, sem medo, sem receio e sem reservas. Mesmo que a verdade de cada um seja, num momento ou noutro, uma grande parvoíce. Sem medo do julgamento ou sem medo de beliscar coisa nenhuma. E isso é do melhor que pode haver. Sentirmos que com o nosso irmão podemos dizer o que nos vem à cabeça, sem grande filtro, é também uma preciosidade. Nem sempre me dei conta disto. Nem sempre fui capaz de perceber a importância destas coisas. Mais uma vez a vida fez-me recentrar no que deveras importa. A malta só se esgatanha com quem ama, com quem considera, com quem admira. O resto é conversa. 

Termino dizendo que esta escritura toda lamechas não implica que, se ele me pregar um outro susto deste calibre, eu não lhe dê uma sova das antigas. Do alto do meu metro e sessenta e quatro, prego-lhe um banano no seu metro e oitenta e tal. E ainda lhe aponto o dedo ao nariz, tal como as irmãs mais velhas devem fazer. Aqui fica a promessa.


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