Avançar para o conteúdo principal

As minhas janeiras

Queria que o Ano Novo cheirasse a morangos.
E que fosse macio como as nuvens.
E que fosse quentinho como o entardecer de junho.

Queria que o Ano Novo fosse sereno e ternurento.
Queria que me matasse a sede de calmaria.
Queria que fosse um caminho largo e reto, sem curvas.

Queria que o Ano Novo soubesse a mar, salpicado a flor de sal.
Queria que me matasse a fome de vida.
E que me lavasse as mágoas, cruas.

Queria que o Ano Novo fosse recém-nascido.
E que viesse apenas com a Graça que Deus lhe deu. 
E que trouxesse duas estrelas do Céu. 
Todos os recém nascidos trazem duas estrelas, uma em cada olho pestanudo. Uma ilumina o dia e a outra ilumina a noite. É o bastante.

Queria que o Ano Novo fosse uma cama de rede. 
Onde o nanar tem um efeito reparador.
E a alma descansa, serena.

Queria que o Ano Novo fosse um copo de pé alto.
Com dois dedos de bom vinho tinto.
Saboreado calma e intensamente, na melhor das companhias. 

Queria que o Ano Novo tivesse a pureza e a liberdade de uma papoila.
E queria que fosse um campo selvagem e aberto, a perder de vista.

Queria que o Ano Novo fosse tudo isto.
Só para variar.

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos o...

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus a...

In Extremis

Ele há dias murchos como o outono. Não gosto muito do outono mas ele não tem culpa nenhuma. Parece que o outono é muito mais triste dentro de nós do que fora. É inegável a beleza que tem. As cores das folhas que se prolongam pelo chão, o por do sol mais afogueado que nunca, as nuvens cheias de tufinhos de lã e a brisa do vento a refrescar-nos as ideias. Hoje repensei sobre esta coisa de não gostar do outono. E é principalmente porque é o prelúdio do inverno. Mas o outono não tem culpa nenhuma de ser o que é nem do que vem a seguir. Se eu soubesse efetivamente viver um dia de cada vez não rosnava ao outono. Saberia apreciar as suas belezas e as suas excentricidades. Ainda não consegui aprender a viver um dia de cada vez. Nem a tirar a murchice do peito independentemente do que possa acontecer. Ainda não aprendi a encarar cada dia que começa como se fosse o último. Isto parece um pensamento tolo mas não é. É um pensamento de grande sabedoria. Li algures, nem me lembro onde, mas relacion...