Hoje vou escrever para a minha filha mais velha. Daqui a nada está a fazer 20 anos! Nem consigo acreditar! O meu botão de flor, a fazer 20 anos!
E apetece-me centrar a conversa de uma maneira diferente da habitual. Estou sempre a dizer como deve ser, a corrigir, a sugerir coisas, a lembrar disto e daquilo, a dar opinião de mãe, etc. Passo a vida a querer enfiar-lhe pela goela abaixo, como quem enfia um xarope, os tais valores que me parecem essenciais e fundamentais para que seja um bom ser humano. Estou sempre neste registo de mãe a fazer "mãezisses". Hoje apetece-me fazer uma abordagem diferente, até porque ela merece. Hoje vou centrar a conversa em mim. Não lhe vou dizer como deve de ser. Vou-lhe dizer como foi e como tem sido.
O primeiro filho é sempre aquele que nos muda a vida de uma forma extraordinária. É o experimentar de um amor maior, impossível de definir e de quantificar. Passamos a aplicar com muita precisão a teoria da relatividade. Depois do primeiro filho, tudo passa a ser relativo. Tudo passa a ter outro nível de importância. Aquilo que era o pináculo de qualquer coisa, cai por terra. Tudo gira à volta deste tão grande amor. Fui muito feliz quando a minha filha nasceu. Fui a mãe mais feliz do mundo e arredores! Ainda ontem era uma amostra de gente com 45 cm e hoje já é uma senhora com 20 anos! Para onde é que isto foi e com que velocidade é que andou? Verdadeiramente nem senti o tempo passar...há uns dias estava a comprar lacinhos para o cabelo (bem pirosos a fazer conjunto com os atacadores dos sapatos ou com qualquer outra peça de do vestuário) e hoje já é ela que me sugere isto ou aquilo para vestir ou usar! Isto é muito difícil de gerir! Ainda ontem cantava canções de embalar e hoje já sou eu que vai dormir cedo! Parece que o mundo está ao contrário! Penso que todas as mães em geral e eu em particular, têm um problema na retina que se vai agravando com o tempo: as filhas já têm 20 anos e a gente continua só a ver bebés e daqueles de colo! Talvez isto seja um problema de saúde pública que dá nas mães.
Não é fácil ter-se a consciência que as filhas são delas próprias e do mundo. Não são os nossos bebés de colo. Mas é assim mesmo. Temos que os criar para a liberdade e autonomia para poderem voar com as suas próprias asas. E, apesar desta lamechice de mãe, tenho um orgulho enorme na filha que coloquei no mundo! Tenho orgulho na sua autonomia, na sua coragem, na sua capacidade de decisão. Tenho orgulho na forma como se tem conduzido, na cabeça que tem, na inteligência que tem. Mas, para que conste, o meu principal orgulho é no enorme coração que guarda dentro do peito. Tem um coração muito maior do que ela. Tem um sentido de justiça que por vezes até a atrapalha. Mas que é muito bonito. Tenho francamente orgulho destas qualidades. É uma menina que, quando quer uma coisa, vai à luta. Conquista, constrói com as próprias mãos. E isso também me deixa cheia de orgulho. E os 20 anos são maravilhosos, cheios de certezas, com o mundo a preto e branco, ou é ou não é, sem meios termos. Com ilusões e outras coisas próprias desta idade. Ser jovem é isto mesmo. E não vale a pena querer-se ser jovem com a maturidade de um quarentão. Cada idade tem as suas vantagens e as suas desvantagens. Não vale a pena querer-se queimar etapas ou acelerar-se processos. Esta minha filha enche-me o peito. Apesar de aparentar ser "desligada" (só por fora) é também muito sensível e preocupada. Às vezes não sabe o que fazer com o que sente...mas também existe muita gente mais velha que não sabe lidar com os sentimentos. A minha filhota vai aprender com o tempo e com a vida.
Um filhote também nos ensina muita coisa, se estivermos disponíveis para aprender. Já nem sei quantos coisa aprendi com a maternidade. Tornei-me muito melhor pessoa, não tenho dúvida. Tornei-me mais atenta, mais respeitadora da diferença, mais maleável e mais doce. Também eu fui crescendo e evoluindo. Os filhos dão-nos uma extraordinária força de viver. Dão-nos uma força de vida e uma vontade férrea, daquelas que nos saem da entranhas.
Ainda me lembro de dias difíceis em que me apetecia atirar a toalha ao chão, dias daqueles em que a vida nos coloca à prova. E, vindo do nada, aparecia um sorriso maroto desta filhota ou uma das suas perguntas desconcertantes e eu, naturalmente, mudava logo de humor, soltava uma gargalhada, apanhava a toalha e tocava a vida para a frente com força e alegria! Nada no mundo se compara ao sorriso desta minha filha! Nada no mundo! Ainda hoje, o seu sorriso tem sobre mim um efeito de doçura e de enorme tranquilidade. O sorriso dos filhos são bálsamos para qualquer espécie de dor.
Tenho comigo tesouros que são só meus. Que guardo no peito com todo o carinho e que são uma fonte inesgotável de alegria e de força de vida. Todas as trapalhices de gente pequenina, todos os sorrisos, todos os colos, todas as vezes que corriam para o meu colo como se este fosse uma fortaleza inexpugnável. E era. O meu colo era assim. Ainda hoje é. O colo desta mãe é à prova de bala. É um local seguro, fofo e quentinho. Ponto final. Até aos 100 anos será assim. Esta filha tem a certeza disto.
Também guardo nos 5 sentidos todas as sensações e todos os cheiros de uma filhota acordar de manhã, com as bochechas quentinhas. Guardo o cheiro a bebé, o cheiro a menina. O cheiro da minha menina. Guardo o toque da sua festinha e guardo a textura do seu cabelo. Guardo as palavras ditas de forma trapalhona e as asneirinhas próprias da idade. São memórias maravilhosas! As minhas filhas criaram-me memórias maravilhosas! As melhores que tenho. E desejo, profundamente, ter conseguido também retribuir no mesmo sentido. Recordar também é viver!
Faço votos de mãe (os melhores do mundo) para que esta filhota venha a fazer 20 anos muitas vezes e que a suas memórias sejam sempre boas. Desejo-lhe o melhor. Desejo-lhe um coração cheio de amor, um gesto cheio de doçura e um espírito cheio de paz. O resto compõe-se. Como mãe, é um descanso ter uma filha assim. Tenho um sentimento de missão cumprida. Agora as asinhas dela vão levá-la onde ela quiser. Onde ela souber construir. O sono descansado de uma mãe é qualquer coisa de precioso...tu, minha filha, é que és muito preciosa! Amo-te até cair para o lado! :)
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