Avançar para o conteúdo principal

O Lobo bom e o Lobo mau

Há uma história muito bonita, dos nativos americanos, os índios, que eu adoro. Adoro a história e adoro os índios, claro está. Desde pequenina, quando via filmes do faroeste, torcia sempre pelos índios e nunca pelos cowboys. Sempre entendi aquela ligação e aquele respeito maravilhoso que tinham pela natureza e pela criação. Lembro-me de pensar que respeitavam infinitamente o que a mãe terra lhes proporcionava. Tinham um amor imenso pelos cavalos e não precisavam de os selar nem de utilizar esporas. Tinham um respeito imenso aos búfalos que os alimentavam. Só caçavam exatamente o que necessitavam para se alimentar. Chamavam os animais de seus irmãos! Compreendiam e aceitavam os caprichos da natureza, honravam e prestavam homenagem ao ambiente que os rodeava. 
Com que então os índios eram bárbaros?! Os índios eram maravilhosos até serem dizimados pelos colonos. Esses sim, bárbaros até dizer chega. Eu adoro os índios. Adoro os índios de todo o mundo. Adoro todos os povos que respeitam a natureza. Também gostava de ser índia. De sofrer  dessa barbaridade que os caracteriza. E com esta conversa toda, já me estou a desviar da história que queria contar e que me parece ser de uma sabedoria imensa. Então, a história, é a seguinte: um avô índio está a contar ao seu  neto que cada homem tem dois lobos no seu coração: um lobo bom e um lobo mau. Contava ainda que estes lobos estão constantemente em luta até um deles vencer. Curioso, o menino pergunta qual dos lobos é que é o vencedor. E o avô, na sua ancestral calma e sabedoria, responde da seguinte forma: "Vence a luta o que for mais forte. E o mais forte é aquele que tu alimentares." 
É uma história brutal, ou não é?
Adoro esta história. Reflete cada um de nós. Cada ser humano, na sua dualidade. Entre o bom e o mau. Com pleno exercício no seu livre arbítrio. E nós somos o produto das nossas escolhas. Escolhemos o que queremos alimentar. Existem pessoas cujas escolhas de vida ainda estão nesta base do bem e do mal. De escolher o caminho da luz ou o caminho do seu contrário. E esta questão é bem mais complexa do que o que aparenta. Os lobos que vivem no nosso coração lutam muito porque estão esfomeados. Famintos. Cada um de seu alimento. Por outro lado, pensam que o caminho de um é a destruição do outro (lobo). Os lobos não sabem que ambos fazem parte do coração até decisão em contrário. Até que o livre arbítrio entre em ação. A história não conta que um lobo vive e o outro morre. A história fala na luta que é travada, num vencido e num vencedor. Nenhum dos lobos desaparece. Apenas um é muito mais forte do que o outro. Por escolha de quem tem coração. Quem não tem coração não tem lobos. É vazio. Não conta nesta equação. São uma espécie que eu não compreendo e sobre a qual não quero falar. Fica para outra ocasião. 

Esta dualidade que faz parte de cada um de nós representa, talvez, a grande questão da nossa passagem por esta vida. As escolhas, as aprendizagens, a evolução. O percurso da alma. Quem haveria de dizer que os lobos também contribuem para a evolução da alma! Afinal, tudo conta, não é? Os lobos esfomeados são fundamentais. A questão, está, de facto, no que decidimos dar de comer aos bichinhos. Na verdade, por vezes, nem decidimos nada e o alimento corre sem que tenhamos essa perceção. Por exemplo, o desespero é um excelente alimento para o lobo mau. Parece a cesta do capuchinho vermelho, recheadinha de guloseimas. Quando as pessoas estão desesperadas são capazes de tanta asneira...de tomar decisões em contra-luz. Socorrem-se da primeira tábua de salvação que lhes aparece pela frente sem análise, sem reflexão. O desespero é um banquete para o lobo mau. Tal como o orgulho, tal como o medo, tal como a arrogância. O rancor também conta. De igual forma, quando o ego é excessivo, derrama o excesso para a boca do lobo mau. E este cresce, cresce, fortalece e fere o lobo bom, torna-o pequenino e pouco combativo. Se o aniquilamento é em grande, o lobo bom desiste da luta. Só fica enfiado na sua toca e já está. A sorte é que o lobo bom é cheio de esperança e espera que um dia, um milagre possa acontecer e o livre arbítrio possa virar de feição e desatar a distribuir alimento do bom. Daquele que o pode nutrir e deixar forte outra vez. E talvez possa vir a ter uma hipótese na luta contra o lobo mau até porque, provavelmente, o vai apanhar distraído. Esta luta existe enquanto existir coração, de uma forma mais acesa, mais decisiva ou mais tranquila. Todos os dias convém pensar qual foi o lobo que alimentamos. Qual foi o que tornamos mais forte. Qual é aquele que está alargar o território. Se fizermos este exercício diariamente seremos capazes de fazer escolhas que nos tornam melhores pessoas e almas mais iluminadas. Não dá para escolher ambos os caminhos. Não dá para manter os dois lobos em igualdade de circunstâncias. Nem convém. Convém enfiar o lobo mau num buraco bem fundo, sem saída e tapar a entrada. Convém tornar o lobo bom em guardião do nosso coração e da nossa alma, sempre de olhar atento sobre o tal buraco. Sempre sem se esquecer que a dualidade está presente em cada um de nós mas que não podemos servir a dois senhores, ao bem e ao mal. Temos que fazer a escolha. E essa escolha vai-se fazendo todos os dias. Nas decisões que tomamos. Daí que não se devam tomar decisões em pico de desespero nem em pico de tristeza. Nem em pico de euforia, claro está. As decisões deverão ser tomadas com alguma serenidade, depois de assentar a poeira. Depois de se procurar ter uma visão a 360 graus. E, no fim do dia, se não há outra forma de se refletir, pergunta-se ao coração qual é o lobo que vai ser alimentado com esta ou com aquela decisão. Os nossos lobos são só nossos. As nossas decisões alimentam o que queremos fazer da nossa alma. Alimentam um ou outro lobo. Em nós, na nossa luta interna, somos o produto das nossas escolhas. A lei do retorno em toda a sua plenitude. A chatice é que, por vezes, a lei do retorno também tem influência sobre os que estão à nossa volta. A luta dos nossos lobos influencia a relação que temos com os outros. Os meus lobos não querem lutar com os lobos dos outros. Ou estão no mesmo comprimento de onda, na mesma sintonia e tudo bate certo ou não tenho alimento que chegue para manter o meu lobo mau bem pequenino e escondidinho e ainda lutar contra o lobo mau dos outros. Estas lutas são internas, não são para o espaço publico, e cada um tem que lutar sozinho. Consigo próprio. Também por isto é que o autoconhecimento é tão importante. Sem autoconhecimento, os lobos lutam sem rei nem roque. Conforme cai comida, de forma indiscriminada. O autoconhecimento é a primeiro e mais importante alimento do lobo bom. Tenho a certeza absoluta. Aprender a conhecer o lado solar e o lado lunar ajuda a preparar as refeições. Ajuda a conservar o que deve ser conservado e a purgar o que deve ser reduzido à sua insignificância.

A partir daqui é fazer correr o amor, a tolerância, a compaixão, o auto e hetero perdão. A serenidade e a paz também fazem parte da dieta do lobo bom. Toda a gotinha de luz entra no cardápio. Toda a lágrima bem chorada acompanha a refeição principal. Um boa dose de mimo é uma excelente escolha como sobremesa. Todos os dias peço a Deus que me ajude a fazer a escolhas em conformidade o meu lobo bom. Quero-o enorme. Quero-o imenso, agigantado. Quero que numa patada, reduza o lobo mau a um ser microscópico só possível de ser encontrado com ajuda da mais recente nanotecnologia. Isto cansa. Mas vale muito a pena. 

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos os outros, olhos nos olhos, de igual para igu

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus aos outros

A parvoíce de verão

Resolvi renovar a imagem deste blog. Os meus mundos necessitam de ser dinâmicos. Diz-se que as aquarianas são assim. Detestam rotinas e mais do mesmo. Assim, vou alterando o que posso alterar. Com tantas cores que a vida tem, não é necessário andar-se  sempre com os mesmos tons. Por outro lado, quando não se consegue mudar questões estruturais da nossa vida (embora nos apeteça) vamos mudando o que podemos mudar, o que está ao nosso alcance.  Resolvi então arejar um dos meus mundos mais queridos, o da escrita. Como sou eu própria, mantenho uma certa constância em termos cromáticos e de forma. Há coisas que aqui, tal como na vida, não abdico. São muito próprias, muito minhas. De resto, adoro experimentar tudo o que é diferente de mim. O que é meu eu já conheço. Interessa-me experimentar tudo o que é novo. Deve ser mesmo por ser aquariana de signo com ascendente em aquário. Muito aquário por metro quadrado! Não me safo do exotismo deste arquétipo. Falo disto como se percebesse alguma