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A tertúlia e eu

Sabem que esta coisa do escrever tem que ser com alma. Não se escreve como quem cozinha ou como quem arruma um armário. Escreve-se com o coração, com a essência. Com o sofrimento, com a alegria, com o amor profundo, com a emoção, com a contemplação, com a ferida, com a sangria desatada. Não se escreve com as palavras. Escreve-se com sangue, com aquele que jorra do coração. Ou escreve-se com a luz que sai da alma. Ponto final parágrafo. 

As palavras são apenas os pingos de tinta que fazem com que os outros vejam, oiçam, sintam ou percebam o que nos vai por dentro. A escrita faz com que eu própria consiga colocar ordem nas minhas emoções e nos meus sentimentos. Escrever faz com que eu consiga conhecer-me melhor. E quanto melhor eu me conheço, melhor sou para os outros. Mais compreensiva, mais tolerante, mais paciente. Com a escrita aprendi a escutar melhor o meu coração. Aprendi a desligar mais a cabeça. Quando escrevo só quero a cabeça a servir de dicionário. Só serve para encontrar as palavras que traduzam o que circula no meu sistema. Não serve para complicar. Quando usamos a racionalidade para escrever, estamos muito preocupados com o julgamento dos outros. Se ficou bem, se ficou mal, se isto ou se aquilo. O coração não precisa de razões nem de racionalidades. Só precisa de ser o que é. Só precisa de emoções. É tão interessante como passamos a vida a preocuparmo-nos com as tangibilidades. E o que é verdadeiramente importante é intangível. Andamos nisto ao contrário, somos educados ao contrário e sofremos por isso. Parece que somos definidos por aquilo que temos o por aquilo que somos capazes de produzir. Quando, na verdade, somos definidos por aquilo que somos. E somos tanto e há tanto tempo! Para mim, que só concebo a vida e o seu sentido acreditando na reencarnação da alma, só sei definir cada um de nós através da sua alma. Dos mundos que carrega por dentro, das experiências, das dores e da aprendizagem. Somos tão maiores e tão mais transbordantes do que as fronteiras do nosso corpo físico. Tão maiores, tão mais importantes e tão mais significativos! Daí que o caminho seja sempre, em primeiro lugar, explorar o universo interno. Olhar para dentro. Ouvir o coração. Sem ter medo. Ou indo com medo e tudo. Encontrar as feridas e buscar a cura como um sedento procura a água. 

Há feridas que vêm connosco de vidas passadas. Nada no universo se perde. Tudo se transforma. Se existe uma ferida, ela vai ter que ser curada de uma forma ou de outra. Mais cedo ou mais tarde. Tendo em conta a eternidade da alma, o factor tempo não é assim tão importante. Mas nós, que enquanto andamos num corpinho físico, temos sempre um relógio no pulso, não entendemos bem esta questão do tempo que não existe. Do tempo que não é importante. Isto é muito difícil de enfiar na pinha! Da mesma forma que é difícil perceber que não há amanhã. Só há o momento em causa. O momento do aqui e do agora. Que apenas temos o poder para decidir sobre o aqui e o agora utilizando a plenitude do nosso livre arbítrio. O resto não existe, ainda não aconteceu. Cruzando esta informação com a lei universal da causa e do efeito e com a lei do retorno, ficamos por vezes perdidos numa teia complexa sem sabermos como sair dela. Nós que precisamos de relógio, de caminho, de padrão, de referências, de rotinas, de disciplina, temos que lidar com esta questão de não haver amanhã mas, por outro lado, sabemos que o que decidirmos semear hoje vai dar a devida colheita na próxima época. E o que decidimos dar ao mundo vai-nos cair ao colo. Viver é assim como um bumerangue de trajetória bem refinada. Gerir isto tudo não é fácil. Mas, na verdade, nós não estamos na vida para passar umas fériazinhas lá do outro lado. Nós estamos na vida para aprendermos a sermos melhor. Para curarmos feridas antigas. Para limpar a alma. Para amealharmos amor e generosidade. Para aumentarmos a nossa fé. A chatice é que isto dói...podia ser mais simples mas tendencialmente, complicamos. A nossa cabeça complica. Está sempre a defender-se e a julgar. Está constantemente a tentar encontrar um sentido, uma razão. Muitas vezes marra para onde não deve. Insiste para onde lhe parece que é mais fácil. Espeta os chifres no sentido do caminho que parece ser mais direitinho. Deve ser por isso que os chifres nascem na cabeça. Deve ser para ajudar a marrar melhor. Mas nada vai às marradas... nada vai apenas com racionalizações e interpretações. A vida é muito mais leve se seguirmos o coração. Se sentirmos a vida. Se pensarmos sobre as emoções e os sentimentos. Se estabelecermos um circuito continuo entre o nosso coração e o nosso cérebro. Um não vive sem o outro. Têm que ser amiguinhos. Têm que se compreender. A cabeça tem que deixar de ser tão arrogante e aprender a ouvir, a escutar o coração. A cabeça tem que usar a sua preciosa massa cinzenta de forma produtiva para a alma. Se eu fosse uma boa cabeça, deveria pensar da seguinte forma: "Se parece que eu estou a pensar direitinho, com lógica, com toda a razão do mundo, porque é que o coração está tão desconfortável? Porque é que está tão triste? Ou tão alterado?" . Estas devem ser as interrogações de uma cabeça como deve de ser...não pode ignorar os impulsos do coração. O coração é um órgão completamente livre e autêntico. E é completamente transparente. Não tem segundos sentidos nem sequer parece uma coisa que não é, não sabe disfarçar. A cabeça tem que saber usar e processar a informação que o coração lhe dá. Tem que entrar em sintonia. Se existe discrepâncias, o seu papel é encontrá-las e entender o que se passa. Este entendimento é o segredo para buscarmos a paz e a cura. Para descobrirmos a nossa verdadeira missão. Para nos caírem as fichas que nos levam onde temos que chegar. E, a nossa missão não tem que ser salvar o mundo, ficar rico, ter muito sucesso, ser muito importante, etc, etc. Isso são tudo tretas da nossa e das outras cabeças. A nossa missão primeira é cuidarmos da nossa alma. Tratarmos de nós próprios enquanto entidade eterna, divina e em evolução. Ninguém pode ajudar os outros a crescer se não tiver igualmente essa ânsia. Ninguém pode dar o que não tem. Ninguém pode ajudar a curar o que tem ferido em si próprio. É bom que nos lembremos que o primeiro compromisso que estabelecemos é connosco próprios, com a nossa alma. 

Se a alma é o que fica depois de perdermos a fisicalidade, porque temos tanta preocupação com o que também é finito? Porque olhamos tanto para fora quando não sabemos o que temos dentro? Porque temos tanto medo do escuro de fora quando o problema está no escuro de dentro? Porque não pensamos sobre estas coisas com regularidade? Porque não refletimos? Porque não exploramos o maior universo que existe, o interno? Como podemos amar o que não conhecemos? Como podemos curar o que não sabemos que está ferido? Como podemos reparar o que não sabemos que está estragado? Parece evidente, não é? Simples. E é simples. Pode doer, mas é simples. O que complica e o que faz com que se feche os olhos internos é o medo. O medo é o maior bloqueador da cura, da descoberta, da evolução. Sempre o medo. O medo é uma raiz poderosa que se agarra nas nossas pernas e que não nos deixa avançar. E quanto mais força fazemos, mais ela se agarra. A nossa força de luta aumenta a força de luta do medo. Se pararmos de lutar, a raiz não cresce, não se fortalece, não se exercita e, consequentemente, não ganha músculo. Quando temos uma raiz enrolada nas pernas, não vale a pena fazer força. Vale a pena relaxar, olhar para ela, encontrar verdadeiramente o seu ponto de apoio, de força e cortá-la por aí. Não se corta uma raiz sem a conhecermos. Corta-se uma raiz pela sua própria raiz. Depois de a encontrarmos e compreendermos. Quando compreendemos a origem do medo ele torna-se muito mais pequeno. Muito menos pesado. Muito menos incomodativo. E já cabe numa mochila. Se cabe na mochila, vamos com ela às costas e pronto. Vamos para onde temos que ir e levamos o medo connosco. Vamos com medo e tudo. E garanto que o vamos perder a meio do caminho. Vamos largar esta mochila no meio do percurso. Querer é, de facto, poder. Aquele querer que vem do âmago, de dentro, das entranhas já é meio caminho andado. Se desejarmos muito a cura, Deus coloca-nos no caminho a possibilidade de nos curarmos. Dá-nos o que for possível para irmos no sentido do bem supremo da nossa alma. Por vezes abana-nos com força. Com muita, muita força. Mas se assim é foi porque não soubemos ouvir a brisa que nos passou pelos ouvidos. Não conseguimos lá chegar a bem, de forma macia. Por vezes temos que fazer uns pinos e dar umas cambalhotas. Mas foi porque não percebemos nada nem aprendemos nada no caminho a direito. Foi porque andamos só a ver passar os elétricos. Não percebemos ponta de nada. Se não vamos a bem, vamos a mal. Mas temos que ir. Não há alternativa. Temos que ir. Desistir não é uma opção. Se desistirmos temos que passar por tudo outra vez, nesta ou noutra vida. O nosso comprometimento enquanto alma é o de lapidarmos todas as faces do diamante bruto que trazemos na essência. Até se tornar numa jóia preciosa do universo, em perfeita comunhão com o Pai. É isto que combinamos com o Ele e é isto que Ele nos proporciona porque cumpre sempre, sem exceção a Sua palavra. Se calhar, faz-nos bem também cumprirmos a nossa. O Pai tem a eternidade toda para esperar por nós mas seria muito melhor lá chegarmos o quanto antes. 

Não dói tanto...

Comentários

  1. Até que enfim um texto, tem andado muito arredada destas lides de partilhar as suas gotas de alma. Já não corre em gotas mas ás torrentes? Sim porque desistir não é opção.

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