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O início e o fim

Tenho uma dúvida existencial daquelas do género “qual nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?” A minha dúvida tem a ver com o amor e a fé. Quem é mãe ou pai de quem?

O que é que está na origem do quê? Será que é mais um daqueles ciclos virtuosos em que não há princípio nem fim? Para mim, esta questão dos infinitos e de não haver início nem fim é difícil de abarcar na minha humana cabeça. Como tenho umas gavetinhas para arrumar as coisas, coisas sem princípio nem fim são muito difíceis de arrumar. Não cabem nas gavetas. Não se arrumam. Ficam para lá a pairar sem um lugar próprio onde as encaixar. São transversais a várias categorias e não pertencem apenas a uma gaveta do meu ficheiro. 

Que maçada! Eu que gosto tanto das coisas arrumadinhas por ordem alfabética…ajuda-me a perceber o mundo, as pessoas, os sentimentos, o que não é tangível. Ajuda-me a etiquetar a realidade. Ajuda-me a posicionar perante tudo o que não sou eu. As maravilhosas gavetas dos meus maravilhosos ficheiros ajudam-me a existir, a relacionar-me com o mundo e com os outros. E é uma grande vantagem saber-se onde as coisas começam, de onde vêm e para onde vão, onde acabam. Dão uma sensação de finitude comparável à nossa própria existência. Nascemos, desenvolvemos e morremos. E já está! Simples. Nascemos da barriga das nossas mães e morremos como uma simples alface. Não tem nada que saber!!! (Ai, se assim fosse…)

O pior é que o que não cabe nas gavetas é muito mais do que o que lá fica arrumadinho. O que há de mais precioso não cabe em lado nenhum. Não tem tamanho nem forma. Não se arruma. É maior do que o nosso pensamento, do que o nosso coração, do que o nosso corpo. Arrisco dizer que é talvez do tamanho da nossa alma. E alma é a conjugação de todas as nossas dimensões, acrescidas do sopro divino. E se a nossa alma cresce, as nossas preciosidades acompanham esse crescimento. Por outro lado, sempre que o mais precioso em nós cresce, a nossa alma cresce e evolui também. Mais um ciclo virtuoso sem princípio nem fim. Mais um mistério da criação…também não há gaveta nenhuma onde caiba a categoria da alma. Também é transversal que se farta. Mais do que transversal é abrangente. É o contorno e a essência do que somos. Não há gavetas para estas coisas tão magnânimas…

O amor e a fé são o que há de mais precioso em nós. São o fermento para que a nossa alma se expanda e se torne cada vez maior. São o que a nutre, o que a alimenta. O amor e a fé encerram em si próprios os mistérios da nossa alma. Daí que eu não consiga discernir onde começa um e acaba o outro. Ou qual é o que deu origem ao outro…são os dois pilares de uma mesma estrutura à qual não sei dar nome. De uma coisa eu tenho a certeza: um não existe sem o outro. Não pode haver amor sem fé nem fé sem amor. Estão intrinsecamente ligados, como os dois olhos de um mesmo rosto. Acreditar, entregar e confiar são condições comuns ao amor e à fé. São o denominador comum a estas duas graças. Fazendo um paralelismo muito simplista, quando eu amo alguém acredito nessa pessoa, entrego-me a ela sem reservas e confio no seu melhor. Se não fizer isto, então não amo verdadeiramente. Tenho fé nela. Se tenho fé numa pessoa também acredito, confio e entrego-me sem “ses”. Se sou capaz desta fé com alguém, será que não amo a pessoa em causa? 

Também o amor e a fé têm uma antítese comum: o medo. O medo é o que enfraquece o amor e o que põe condições na fé. Assim, o que tem o mesmo denominador comum e a mesma antítese, não serão quase a mesma coisa? Será que o amor e a fé se distinguem assim tanto? Será que são talvez duas designações diferentes para o mesmo imenso conceito?

Não sei. Também não é assim tão importante saber. O importante é sentir. O sentimento é sempre mais importante do que o conhecimento. O que sei é que na minha relação com Deus, amor e fé são a forma de comunicação. São a linguagem. São as bases da nossa conversa. Uma conversa que é recíproca embora com dimensões diferentes como será de calcular. O amor que eu dedico a Deus será com certeza muito mais pequeno do que aquele que Ele me dedica. E mesmo quando me faltam as forças, o Pai continua a acreditar em mim, incondicionalmente. Quando eu me julgo, Ele ama-me. Quando eu me culpo, Ele ama-me. Quando eu me sinto frágil, Ele acredita em mim. Ele confia na minha alma. No meu potencial. E também Se entrega a mim. De cada vez que é preciso fazer a diferença com alguém, ajudar o outro ou até a mim própria, é Deus que se entregou incondicionalmente ao meu cuidado e diz:” Eu sei que és capaz. Quando cuidas de ti e dos outros meus filhos, é de Mim que cuidas. E confio que fazes o teu melhor. E o teu melhor é o suficiente.”

E eu sinto o peso da responsabilidade. Sinto igualmente a imensa alegria que o amor e que fé nos traz. E entendo o sentido da vida, embora não o consiga abranger na totalidade. Nem tenho essa pretensão. Mas entendo-o o suficiente para saber qual é o caminho e qual é a luz que me ilumina a caminhada. Meia vida para descobrir isto…tão simples e tão complexo. Mais uma vez, nada existe sem o seu contrário. O verso e o reverso fazem parte da mesma entidade. Tão verdade que até aborrece…

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