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Palavra passe: coração

Pensava que por hoje tinha esgotado as palavras. Mas as dores nas minhas costas não abrandam e tenho que fazer alguma coisa que me pacifique. Só pensar não chega. Sou constantemente interrompida pela mal-educada da minha lombar e pelo insolente do meu nervo ciático. Falta de berço, foi o que eles tiveram. Não se atrapalha assim a vida de uma pessoa, principalmente sem se fazerem anunciar. Quando lhes dá na bolha, aparecem e já está! Atiram-me para a cama quando há tanta vida para viver. Sou mesmo obrigada a revisitar o meu interior. Um dos meus mundos, o que estiver mais à mão e o que não necessitar de tanta concentração.

Um dos meus mundos tem a ver com as pessoas que me são especiais. E elas passeiam por ele livremente. Até porque eu seria incapaz de prender alguém. Nenhum dos meus mundos tem amarras ou prisões, muito menos onde estão as minhas pessoas especiais. Também lá estão os meus anjos da guarda e ainda os anjos que eu guardo. Também lá estão pessoas que, não fazendo parte da minha vida, a influenciaram de alguma forma. Por exemplo: Aristides de Sousa Mendes, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, e outros menos conhecidos que de alguma forma me deram algum exemplo. Ou fizeram ou disseram coisas que ajudaram a mudar a minha vida. A ser melhor pessoa. Neste meu mundo passeiam os meus queridos avós maternos. Nenhum dia passa sem que me lembre deles. Tenho o mau génio da avó. Mas também herdei a sua generosidade e a sua capacidade de resolver os problemas de uma família inteira (das grandes). Na sua casa havia sempre espaço para mais alguém. Não interessava quem era nem de donde vinha. Se tinha fome, era alimentado. À mesa da família. Se precisava de guarida, havia sempre uma cama com lençóis lavadinhos e cobertores quentinhos. Com esta minha avó aprendi que não se faz a distinção de pessoas. Era uma pessoa tão simples mas tão fantástica. Nasceu na riqueza e, tendo sido deserdada, comeu o pão que o diabo amassou. Criou 4 filhos quase sozinha. Enterrou 3 maridos. No fim da vida dos seus pais, foi ela que esteve nas suas cabeceiras. Tinha um coração maior do que ela. Com uma facilidade enorme em perdoar, em seguir em frente. Ainda hoje me lembro de chegar da escola e ter sempre um miminho à minha espera. Arroz-doce ou outro petisco assim do género.
Com o meu avô (que não era biológico, casou com a minha avó, com 4 filhos, sendo a minha mãe a mais nova a quem criou como filha) aprendi o que é a força do amor. Aprendi que numa família, o que faz a diferença não é a força do sangue mas sim a força do amor. O meu avô amou a minha mãe melhor do que muitos pais amam os filhos. Amou-me muito melhor do que o meu avô paterno. Aliás, amou-me melhor do que a maior parte das pessoas. Ainda hoje me lembro da sensação do seu colo. De me abrir os braços e de eu me sentir protegida do mundo inteiro. O meu avô tinha um amor silencioso. Não sabia falar dele. Mas sabia demonstrá-lo pelos seus braços, pelos seus olhos, pela sua constância, estabilidade e serenidade. Foi talvez a pessoa mais serena que conheci. Falava pouco mas tudo o que dizia era precioso. Ensinou-me o que quer dizer honra e palavra. Coisas que hoje em dia estão fora de moda. Continuam comigo. A maior consolação que tive foi o facto de ter estado à cabeceira de cada um deles quando partiram para o Céu. E pude cuidar deles pela ultima vez. 

Neste mundo das pessoas, moram também as melhores amigas. Principalmente uma fadinha serena e fantástica. Minha irmã de coração. Tenho dito que a amizade é uma das maravilhosas formas de amor. Esta amiga é um membro a família. Escolhido por mim e que me escolheu também. É quem melhor, no mundo, me sabe amar. Ama-me mesmo quando não me compreende e mesmo quando estou a fazer asneira. Mesmo quando não concorda comigo. E diz-me o que preciso de ouvir. Não o quero ouvir, mas o que preciso de ouvir. Confio mais nela do que em mim própria. Ajuda-me a ser melhor pessoa. E está presente incondicionalmente na minha vida e na vida das minhas crias. É a pessoa que melhor me conhece e nunca se assusta. E tem muita paciência para me aturar...

Existem ainda outras pessoas. Amores ou pessoas especiais, as exóticas, as diferentes ou significantes de alguma forma. Passeia por lá, muito livremente (até porque não poderia ser de outra forma pela sua própria personalidade) um solzinho brilhante e radioso. Em inglês, poderia ser Sunshine. Definiria bem a personalidade desta pessoa em particular. Brilhante, iluminado, inteligente, indomável e com um coração enorme. Ainda não lhe consegui encontrar o tamanho todo porque procura esconde-lo. E um coração grande é tão bonito! Derrete outros corações. Tem em si a força do amor. Esta estrelinha já me fez muito bem. Não sabe de tudo, mas já me fez muito bem. Sem dar por isso, sem saber. Também já me fez chorar umas lágrimas. Penso que todas as pessoas que passeiam neste meu mundo, por uma razão ou por outra, já me fizeram chorar. Eu tenho uma lágrima fácil. Engraçado é que esta estrela não é muito antiga na minha vida mas parece que a conheço há anos. Há séculos. É-me fácil saber o que sente. Como se sente. Mesmo quando diz que está bem, eu sinto se está ou não. Parece que o meu coração fala tu cá tu lá com o coração deste solzinho brilhante. Parece que nos conhecemos de outros carnavais. Tem um presença confortável. Daquelas que parecem que são conhecidas desde o princípio dos séculos. Leio-lhe os olhos. E tenho sempre medo que este Sunshine se assuste com a facilidade com que o entendo. Esta minha mania de entender as pessoas, de as ler, causa sempre algum medo. Infelizmente para mim. É uma vertente que tenho tentado recatar. Para não assustar ninguém. Ainda no que diz respeito a esta estrelinha do céu do meu mundo, existe uma coisa fantástica: confiança. Confio tanto nela que até a mim me admira. Sem razão para, tendo em conta a minha idade, experiência de vida, o que conheço das pessoas em geral. E confiança é quase o que tenho de melhor para oferecer. Implica verdade, transparência, não ter medo. Implica fechar os olhos e deixar ir sem saber para onde. Ter confiança numa pessoa é o mesmo que ter fé em Deus. É a mesma lógica. É esperar o melhor dessa pessoa, sem se saber o que isso é. E o melhor é sempre o que é verdadeiro. E essa é a base da confiança. Do tamanho de uma formiguinha ou de um elefante, interessa apenas o que for verdadeiro. E na base desta confiança está também esta incrível sensação de conhecimento muito antigo. Talvez de outras vidas. Se tivermos mais do que uma vida, parece-me que conheço o Sunshine desde a primeirinha. Só pode!

Como se pode ver, o meu mundo de pessoas é muito especial. Há uma palavra passe para lá se passear: coração. Só quem tiver um grande, grande coração é que lá pode andar. E quando não se consegue pertencer a muitos mundos cá fora, coloca-se dentro do coração um mundo com as pessoas a quem pertencemos. Com quem conseguimos ser nós próprios. Com quem sentimos paz. Este mundo é maravilhoso. É o que me dá mais trabalho, mais alegrias e mais tristezas. Tem muito mar salgado de lágrimas. Tem muita luz e calor. Tem o paraíso e o purgatório. O inferno tem um mundo só para si próprio. Pequenino e ridículo. Não é para aqui chamado.

Que mundo fantástico este. Mesmo sendo meu, não pára de me surpreender...

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