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Dentro e fora

Profissionalmente, passo a vida a dizer que a aprendizagem é sempre um processo de relação. Aprende-se em relação com o outro ou em relação a determinada referência. Isto no que diz respeito à nossa face mais mundana e comum. No que diz respeito à nossa alma, e às nossas aprendizagens evolutivas, a coisa pia mais fininho. Aliás, a coisa pia que se farta, de uma forma agudíssima. Aprender dói. Pia fino e dói. Também nesta vertente evolutiva, nós aprendemos em relação e na relação. Existem dois vetores distintos que se complementam de forma extraordinária. Como tudo na vida, a dualidade também está presente nestes processos. Para se evoluir, é tão importante darmos um mergulho profundo para dentro, no nosso interior, como é importante ir navegando a vista, em relação ao que nos vai aparecendo no mundo exterior. É tão importante o mundo de dentro como é o mundo de fora. São as duas faces da mesma realidade, a nossa. A de cada um. Na minha relação com o outro eu entendo muita coisa em mim própria. Ao descobrir o outro, eu trabalho as minhas referências, eu vou descobrindo o "quem sou". Só tenho um "eu" porque existe o "outro". É em comparação com a referência que eu percebo se essa mesma referência me serve ou não. Reflito seriamente sobre ela (a referência). Integro-a, aceito-a e cresço. Ou recuso-a, afasto-a, contrario-a e cresço. Uma referência é sempre boa para crescer. Obriga-me a pensar sobre mim própria e sobre o que me define. E das duas uma: é boa para integrar ou é boa para contrariar. Em ambas as situações, evoluí. Tudo isto se resume com uma frase que eu, quando era adolescente ao rubro, dizia à minha mãe: "uma opinião é sempre boa nem que seja para contrariar". Claro que a minha mãe não achava piada nenhuma à coisa. Mas, verdadeiramente, esta frase encerrava o segredo do crescimento. Daí que as referências também sejam tão importantes para as crianças e para os adolescentes. A criança aprende muito através do jogo, da brincadeira, onde imita o mundo dos adultos. Neste caso, a imitação da referência, é uma das responsáveis pelo desenvolvimento infantil. Da mesma forma, na adolescência, a referência é tão importante como o pão para a boca. O adolescente tem que ter referências para as poder contrariar. Para poder testar limites. Para poder criar os seus próprios referenciais por imitação ou por antagonismo. Eu vou contra mas sei porquê. Este raciocínio é tão importante como o de ir a favor, desde que com fundamento. Também é verdade que a referência sem o exercício de reflexão sobre a mesma não interessa para nada. É ser-se do contra só porque sim ou seguir-se a manada. E as manadas não têm interesse nenhum. Têm dado cabo do mundo.Têm permitido que líderes monstruosos tenham mudado a face do mundo e rebentado completamente com determinados países. Ninguém no seu perfeito juízo se devia esquecer de algumas realidades tão recentes como o nazismo, as atrocidades no Cambodja e outras da mesma espécie. Deveria ser uma disciplina obrigatória na escola, conhecer o efeito de manada e o que determinadas manadas têm feito à espécie humana. Por outro lado, também deveriam ser mostrados aos meninos da escola, os melhores exemplos que a humanidade tem tido em termos de amor, de serviço ao próximo, de construção de valores universais. Penso que uma disciplina que os instruísse na dualidade do ser humano, seria muito útil. Se desde muito cedo e em função da idade - como é evidente - se começássemos a dar este tipo de exemplos às crianças, estas teriam as referências necessárias para poderem raciocinar, encontrar valores, encontrarem caminho. Começariam desde cedo a pensar pela sua própria cabeça e com o seu próprio coração. 

É tão importante entendermos que o mundo em grande e as suas dualidades é apenas o reflexo muitíssimo ampliado daquilo que se passa nas nossas vidinhas. É tão fácil entender isto...o que se passa em pequeno, na vida de cada um, é uma peça no puzzle do mundo que contribui para o bom ou para o mau. Quem diria que tudo conta. Quem diria que tudo o que se passa no crescimento, na evolução de cada indivíduo é o mesmo que acontece no evoluir do mundo e dos tempos, das eras. O evoluir das civilizações, como se costuma ouvir dizer. Gosto de pensar sobre estas coisas. Se tivermos um olhar atento sobre o mundo à nossa volta, conseguimos entender como este reflete as incoerências do ser humano e ainda a sua dualidade. O seu lado solar e o seu lado lunar. A luz e a sombra. E este olhar sobre o exterior permite olhar para dentro. 

Estou nessa fase mais introspetiva de olhar para dentro. De descobrir mais umas variantes da minha essência. Manda o momento que eu descubra quem efetivamente sou na minha relação com os outros. Manda o momento que eu saiba entender a forma como estabeleci relacionamentos com os outros em função das referências mais ou menos tóxicas que tive na vida. Entre polaridades. Agora é preciso estabelecer as minhas próprias métricas sem ser por imitação ou antagonismo. Extraordinário como esta aprendizagem se pode processar durante a vida toda! A descoberta de si próprio é um caminho que não tem fim. Estamos constantemente neste lapidar do diamante interno, com mil faces, com profundidades, grutas e galerias que desconhecemos. Como se diz na minha terra: "...e, de repente, debaixo de uma pedra sai um lagarto!". É o mesmo que se dizer que uma situação, uma determinada experiência, vai despoletar questões que nem estavam à vista. Parecia que se ia num sentido e, de repente, a história é outra. 

Parece que um coração partido pode trazer à tona uma quantidade de informação que é muito útil no sentido da evolução e da cura. Esta coisa de nós atrairmos fora o que nos está por dentro, aquilo que precisamos para evoluir, no sentido de nos confrontarmos connosco próprios, com as nossas sombras, com as nossas fragilidades e com os nossos medos, é um fenómeno extraordinário. Digo extraordinário porque, de momento, não consigo encontrar uma palavra mais forte ou mais expressiva que defina e sublinhe a sensacionalidade deste processo de aprendizagem. De facto, o universo a conspirar é qualquer coisa de sublime. A maçada é que normalmente traz muita dor associada a esta conspiração. Mas não culpo o universo. O problema está naquilo que tenho dentro. E, afinal, o que tenho dentro é transposto cá para fora e ampliado de forma a que me faça eco para que eu entenda, de uma vez por todas, quem sou, como sou e para onde quero ir. A lógica é francamente simples. O processo é que é um osso duro de roer. Estou nessa fase de trituração do osso. Já não vai lá só roendo. Tem que ser a triturar. A doer, a descer às minhas próprias catacumbas e encontrar um entendimento que me permita desconstruir e voltar a construir, inteira, espinha dorsal direita e peituda para a vida. Para a minha vida. Esqueço-me muitas vezes da minha obrigação primordial: cuidar do meu ser, da minha alma, da minha evolução. Resolver sim, mas não demais. Os outros precisam do seu tempo para resolverem as suas próprias vidas. Os outros precisam que os deixem resolver as suas próprias coisas, no tempo e nas condições que lhes são próprias. Nem sempre dar todo o colo que nos parece necessário é uma coisa boa. Damos colo aos outros e não damos a nós próprios. Damos tanto colo que o outro fica habituadinho a isso  e não procura as suas próprias soluções. Por outro lado, em vez de sermos vistos como pessoas, inteiras e com todas as dualidades, luzes, cores e sombras, somos vistos como sofás fofos onde se descansa a alma e o corpo. Já pensei em mim como sendo um sofá daqueles cheios de conforto com muitas almofadas e cobertores quentinhos. Daqueles fantásticos onde a gente se aninha, desliga-se do mundo, liga-se a televisão e entra-se numa história à parte. Só que, verdadeiramente, eu não quero ser um sofá. Eu quero ser o que sou embora ainda não saiba exatamente o que isto quer dizer. Sei que não quero ser procurada por ser muito confortável, quentinha e aconchegante. Eu sou arraçada de sofá mas também sou arraçada de muitas outras coisas. E essas coisas todas integradas é que me constituem e eu não posso dissociar-me de esta ou de outra caraterística para sobreviver numa relação. Uma relação, seja ela qual for, tem que ser leve, sem peso. E é verdade que só amor não basta. É bem verdade. Existem outras condicionantes que devem estar presentes mesmo que as circunstâncias sejam difíceis. Só amor não basta mas este é condição sine qua non para uma relação. Não é suficiente mas é fundamental. Sem este ingrediente não há volta a dar. E aquela coisa de amar pelos dois é muito bonita na poesia mas na vida real é muito difícil de carregar. Traz muito peso e muita lágrima. Eu continuo a ter a certeza, cada vez maior, de que o amor é a maior força do universo. Tenho a certeza absoluta. Mas tem que estar alinhado com o contexto envolvente. Mais uma vez, só amor não basta. 

Só para colocar mais um bocadinho de entropia, há pessoas que não entendem a linguagem do amor. Têm uma linguagem diferente. Confundem amor com dependência. Ou confundem amor com posse, com poder. Pensam que amar o outro é tê-lo para si no momento em precisam ou querem. Há muitas distorções a este sentimento tão bonito e tão pleno. Deve ser por isso que as pessoas têm um medo que se pelam de amar. Pensam que ficam vulneráveis, que perdem a sua força. E é exatamente o contrário. Mas isto é um mistério de se explicar e fica para outra altura. Há um teste de algibeira que podemos fazer para saber se amamos alguém ou se é outro tipo de sentimento. Ou até se é uma forma distorcida de amar. Aqui vai: o que é que eu penso relativamente àquela pessoa que penso amar: espero que ela me faça feliz - hipótese 1. Ou, como é que eu a posso fazer feliz - hipótese 2. 

Este testezinho de literatura de cordel, é lixado, não é? Pois é. Claro que já sabemos que as relações vivem do dar e do receber e da reciprocidade. Mas no momento da verdade, no momento do questionamento, o que é que vem ao de cima? Qual é o primeiro pensamento que temos, o de dar ou o de receber? No amor de verdade, o primeiro instinto que se tem é o de se fazer o outro feliz. De lhe dar alegria, bem-estar, atenção. De se ir ao encontro. É um sentimento de entrega e não um sentimento de utilidade, de recolha. Num amor de verdade, inventa-se tempo quando ele quase não existe. Não se gerem agendas. Não se encaixam disponibilidades. É como aquela máxima que diz que quando se quer, encontram-se soluções e quando não se quer, procuram-se desculpas. No amor é igual. Tão bonito mas tão difícil de se conseguir. Tão livre.  É tão simples se soubermos olhar para ele de frente. Mas para sabermos lidar com ele de frente, temos que saber lidar connosco próprios de frente. Olhar para nós e sabermos exatamente o que nos move. A simplicidade parece ser uma ciência do outro mundo. Ando a tentar treinar cada vez mais esta coisa da simplicidade. Olhar para as coisas como elas são. Procurar não racionalizar o que não tem razões. O amor não se racionaliza. Não há razões para se amar ou para não se amar. Sente-se, ponto. É da esfera do coração, não é da esfera da razão. Não se sabe porque é que se ama e não se sabe porque é que não se ama. Podemos elencar um conjunto de caraterísticas no outro que são maravilhosas e que, aparentemente, são as responsáveis pelo nosso amor. Mas isso é tudo treta. Existem muitas pessoas maravilhosas a quem reconhecemos um conjunto de caraterísticas iguais e nem por isso as amamos. Admiramos, gostamos, etc., etc. Mas o amor é uma história diferente. Vem da alma. Também já amamos pessoas que, à partida, não tinham nada de potencialmente "amável", se é que me faço entender. O amor não se explica e pronto. Sente-se. E quando dois amores se encontram, é uma coisa para lá do fim do mundo. Tão raro e tão bonito. Conheço tantos casais que estão juntos por comodidade (de qualquer espécie), por medo de estarem sozinhos, por hábito, por benefícios fiscais, pelos filhos e outras razões que não as que verdadeiramente deveriam manter as pessoas juntas: o amor e a vontade de estarem juntas. Às vezes, continua-se num determinado registo só porque nos falta a coragem de mudar. Às vezes prefere-se o mal que se conhece ao bem que não se conhece. O desconhecido dá um medo desgraçado. Mesmo que o desconhecido pareça ser uma coisa muito boa. O medo é a desgraça das pessoas. Quando se deixa que seja o medo a governar a nossa vida, é uma chatice. O medo é altamente castrador e não permite que se utilize o livre arbítrio de forma reta. Escolhe-se em função do medo. E, se este medo não é consciente, se é qualquer coisa mais escondida, pior ainda. Uma das grandes vantagens de apostarmos no autoconhecimento é a descoberta dos nossos medos. Dos mais à superfície e dos mais em profundidade. Esta descoberta é tramada. É assim como uma viagem de Júlio Verne, aquela ao centro da terra. Não se sabe o que se vai encontrar e não dá para desistir. E não dá para voltar para trás da mesma maneira. Vai-se um e vem-se outro. Transformado e, de preferência, em bom. 

Enfim. Evoluir é mesmo difícil. Às vezes é mais fácil colocar a cabeça debaixo da areia, como a avestruz. É mais fácil não ser lúcido, não ver nem ouvir com outros olhos. É mais fácil lidar só com o que as pessoas dizem ou parecem. Mais fácil é embora muito menos verdadeiro. E quando se tem ganas de se ser inteiro, com tudo o que se é e com tudo o que se tem, só o que parece não chega. Quando se quer ser verdadeiro consigo próprio, não só se procura descobrir quem se é como também se procura o mesmo comprimento de onda nos outros. E o mesmo comprimento de onda quer dizer: basta que se seja verdadeiro. Autêntico. Não lido bem com o que não é. Lido lindamente com a diferença. Aliás, adoro diferenças. Para igual a mim já chego e sobro eu. Não tenho problemas com situações que saem da caixa, que me tiram da minha zona de conforto. Gosto muito do conhecimento e da diversidade. Procuro, do fundo do coração, aceitar os outros como eles são e com as suas circunstâncias. Por mais difíceis que sejam. Esforço-me até à exaustão. Vou até onde consigo. Penso que as dificuldades também são questões de referência e de relação. O que é difícil na relação comigo, pode ser muito fácil na relação com outra pessoa qualquer. Procuro levar isto em linha de conta. Mas estas são cartas só podem ir a jogo se o outro lado souber jogar da mesma forma, com o mesmo fair play. Quando as linguagens são diferentes ou quando não se é verdadeiro que chegue, não vale a pena. Atira-se a toalha ao chão. E a vida continua até ao dia em que se acerta e em que o dentro e o fora conseguem conviver em harmonia.



 

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