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Jururu

Hoje estou jururu. Tenho andado por aqui a pensar num assunto que me custa a entender. Mas que é perfeitamente real, possível e se calhar mais comum do que me possa parecer. E tem a ver com aquelas diferenças que existem entre as pessoas. E com os medos e com o amor. Os temas que afinal regem a nossa existência. O amor e o medo, como tantas vezes tenho escrito, são os dois principais propulsores dos nossos impulsos. Eu gostaria que nesta dualidade ganhasse sempre o amor. Mas, infelizmente, o medo tem uma expressão muito significativa nas escolhas que as pessoas fazem. Parece mais imediato escolher jogar à defesa, contornar o medo, evitar o sofrimento. Por vezes até acontecem coisas caricatas como tomar decisões que fazem sofrer que se fartam só para evitar o sofrimento. Contraproducente, não é? E, se observar um bocadinho o que me rodeia, é o que vejo acontecer. E bem perto de mim. A queimar de tão perto que estou dos acontecimentos.

Vejo o medo que as pessoas têm em abrir o coração. De amarem. De se envolverem afetivamente. Parece que é o fim do mundo. Parece que se fragilizam. Eu não entendo. Sofrem que nem uns desgraçados para controlarem o que sentem, magoam os outros, não vivem, não partilham, não usufruem, só pelo medo de serem magoados e de sofrerem. Nem dão o benefício da dúvida à situação que se apresenta. À pessoa que se apresenta. Sofrem e fazem sofrer por uma hipótese de qualquer coisa que pode vir a acontecer. Fazem com que a pessoa de quem gostam pague pelo sofrimento que outras já causaram. E isso não é justo. E as injustiças também magoam muito. Todas as pessoas são diferentes e não existe um amor igual ao outro tal como não existem duas pessoas iguais. Isto é tudo tão óbvio mas quando se tem medo, não se vê o óbvio. Só se vê a possibilidade de as coisas darem para o torto. E não se considera a hipótese de as coisas darem para o direito. Tenta-se defender o coração que, por sua vez, não serve para nada se não se deixar o amor entrar. Para que é que serve ter coração se não for usado? Só para bater? Então é apenas um músculo, com uma função fisiológica, e não é um coração. Podemos chamar-lhe o que quisermos mas não é um coração digno desse nome.

Parece que para algumas pessoas vale tudo até ao momento em que se começam a envolver emocionalmente de forma intensa. Aqui é a altura de travar, de desligar botões e mais tudo o resto que tiverem à mão desde que fiquem bem defendidos e com menos hipóteses de se magoarem. De preferência com uma probabilidade a tender para zero de isso acontecer. Parece-lhes que o amor traça relações de dependência. Ainda não aprenderam como o amor é libertador e como fortalece ao invés de enfraquecer, como julgam. Vêem as coisas todas ao contrário. E vivem ao contrário. E magoam os outros, mesmo que não queiram. Não é porque sejam maus. É porque não sabem fazer melhor. E quanto melhores são, do ponto de vista do carácter e do coração, maior é a trapalhada que fazem. Asneira atrás de asneira. E as asneiras têm sempre consequências. Uma das leis universais, como se sabe, é a da total liberdade nas escolhas que fazemos. E a total escravidão na receção das suas consequências. Nunca falha. Somos livres de semear mas apenas colhemos o que plantamos. Nem mais nem menos. Da forma que for e doa a quem doer. Principalmente dói ao próprio apesar de outros sofrerem por tabela.

Por vezes tudo isto é tão tristonho. Apetecia-me pegar em algumas pessoas e abaná-las tanto que os seus medos ficavam todos diluídos no resto das emoções e ficavam todos trocados. Talvez ajudasse a ver a vida com outros olhos. A olhar para os outros com olhos de amor e não com olhos de medo. A querer viver em vez de apenas sobreviver, bem defendidos no seus castelos. Se estas pessoas soubessem que as muralhas que nós construímos são sempre de areia, não perdiam tempo com isso. De um momento para o outro vem uma brisazinha (nem é preciso ser um grande vendaval) e lá se vão as muralhas todas. E fica-se ainda mais vulnerável do que quem não tem tanta defesa como ponto de partida. Quem gasta muita energia a defender-se não sabe o que é dar e receber. Nem entende esta troca. Tem medo dela. Não se dá ao luxo de sentir a energia que o amor produz. A energia mais bonita e mais forte que existe. Por si só. Não precisa de embrulhos nem de enfeites de espécie nenhuma. O amor é energia pura.

Cada vez me sinto mais extraterrestre. Mais fora deste planeta. E isso deixa-me jururu. Eu que gosto tanto de cá viver e de pessoas. Mas cada vez mais sinto uma distância abismal entre a minha forma de ver a vida e a forma das outras pessoas. E volto ao mesmo. Cada vez pertenço menos. Cada vez me identifico menos. Quanto mais afinidade encontro por dentro, com o mundo espiritual, menos afinidades encontro à minha volta. Diz que é um dos preços que se paga por se escolher este caminho. Por se querer evoluir espiritualmente. Mais uma vez, as consequências das nossas escolhas. Eu escolhi um caminho que também me traz muita tristeza e desgosto. Mas o que de bom me proporciona é sempre mais forte, mais bonito. Assim tem sido até ao dia de hoje. E tenho-me recusado a deixar que as tristezas sejam mais fortes e que ocupem mais espaço que as alegrias. E recuso dar mais importância ao que é mau do que ao que é bom. Até ao momento tenho conseguido, sabe Deus como. Com muito sal na almofada, com muito sangue no coração e com muitas feridas nos joelhos. Mas sei qual é o objetivo da minha caminhada embora possa desconhecer o caminho. Mas o que não conheço não me dá medo. E isto faz toda a diferença na forma como levo a vida e na forma como me relaciono com os outros. Mesmo que na maior parte do tempo me custe muito a aceitar as escolhas que as outras pessoas fazem embora as entenda. Há uma lógica divina em tudo o que nos acontece. Há uma lógica divina na forma como a vida se nos apresenta. Em algumas situações é tão fácil perceber o porquê das coisas, o porquê das situações. A chatice é que não posso fazer nada com isso. Tudo o que consigo ver e saber tem que ficar para mim. Tenho que guardar. Não ajuda ninguém. Porque tudo precisa do seu tempo. E quando as pessoas estão preparadas, o entendimento aparece de alguma forma. Não posso ser eu o elemento precipitador. Poderá ter o efeito contrário, o de revolta, de desânimo, de descrença, de dúvida.

Para quem tem muitos bichos-carpinteiros, como é o meu caso, ver os navios a passarem ser fazer nada com isso, é um bocadinho difícil. Mas também o ficar a observar na margem é uma das minhas aprendizagens. Só vou ao navio quando ele atraca e abre o porão. Em mais nenhuma circunstância. Tenho que aprender a conviver com a impotência e a aprimorar a paciência e a serenidade. Tenho que aprender a gerir o tempo dos ciclos da vida e das pessoas que é diferente do tempo que corre nos relógios. Tenho estas aprendizagens todas para fazer e a vida tem sido muito generosa em oferecer-me situações onde tenho podido aprender estas coisas. Numas vezes sou melhor aluna do que noutras. Mas o erro também faz parte da aprendizagem.

E continuo jururu apesar de estar aqui a destilar o que me queima. A mim parece-me tão fácil escolher o caminho do amor. Não conheço nenhum melhor. Pode doer. Mas não amar ainda dói mais. Uma vida vazia causa mais buracos no coração do que umas rachadelas de vez em quando. Mas, o pior de tudo, no meu ponto de vista, é uma vida de faz de conta, de conveniência, de contrato. São aquelas vidas cheias, cheias, cheias de parecer o que não são. E este vazio é um vazio corrosivo. É um ácido que durante um tempo fica quietinho, a fingir-se de morto. Mas, um dia, quando Deus manda, uma partícula de qualquer coisa junta-se a esse vazio e pumba! Desata a corroer, a queimar, a destruir. E esse vazio, quando se acorda para a vida, destrói o coração e a alma. A tomada de consciência de que a vida tem sido uma ilusão e um faz de conta dá um trambolhão muito grande. Mas a tomada de consciência é o primeiro passo para a mudança e para a evolução. A tomada de consciência do medo é o que permite andar em frente. Saber do que se tem medo é uma grande bênção! Podemos aceitá-lo, trabalhá-lo e ultrapassá-lo. E passar a viver na outra ponta da corda: na dimensão do amor. Os medos gostam de andar escondidos exatamente porque quando se escondem não afloram à consciência e mantêm o seu poder. E quando o medo tem poder, está tudo estragado. Eu gostava tanto que se olhasse para o medo com olhos de amor. Esta é que é cura! O medo foge a sete pés do amor, nada pode contra ele. A partir do momento em que somos capazes de olhar para os nossos medos com olhos de amor, de compaixão, aceitamos que não somos perfeitos, que falhamos, que sofremos, que caímos, que choramos e que tudo isso faz parte da vida. Isso e o seu contrário. E quando se tem em visão global do que é andar por aqui no planeta azul, tudo toma o seu devido lugar e é relativizado. E o medo perde o seu protagonismo. E a curiosidade para se olhar para o que está para além do que nos assusta permite-nos espreitar o amor. E quando o espreitamos, temos logo imensa vontade de o deixar entrar. E a cura começa. E não há nada, mesmo nada, que o amor não cure. Desde que se queira. 

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