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Decidir no Natal

Em plena época natalícia, em que as preocupações deverão ter a ver com as boas energias de partilha e de união, como sou quase sempre ao contrário, tenho outros pensamentos. Quase que me apetece rosnar ao Natal que vou vendo. Aquele das compras desenfreadas, sem rei nem roque, sem lógica, só consumo e sem amor. Claro que nem tudo é assim. Também há aspetos muito bonitos. Por exemplo, o Natal das ruas. As ruas de Lisboa ficam magníficas. Cheias de luzes. E vi uma maravilhosa árvore de Natal cheia de corações. A minha cara! Eu que adoro corações, até na minha casa enfeito a árvore de Natal com corações. Quando vi esta linda árvore numa bonita praça de Lisboa, fiquei tão contente! Uma árvore enorme, com corações também enormes que mudam de cor. Uma maravilha! E enquanto a cidade está iluminada e enfeitada, parece que as pessoas sorriem mais e melhor. Parece que são mais felizes. Parece que tudo o resto não interessa nada. E tenho a esperança que estas luzes que iluminam a cidade, consigam iluminar a alma de quem as contempla. Será esse o objetivo, não é verdade? A luz e a beleza são alimento para a alma. 

Perante tanta beleza, as outras coisas ficam pequeninas. As tristezas ficam menos acentuadas e o frio, que por vezes teima em entrar no coração, fica proibido de espreitar. E continuo a pensar que a contemplação é sempre uma ajuda para o pensamento. Para a descoberta. Para a tomada de decisão. E penso em quem nesta época de frenesim tem decisões para tomar. Talvez seja a melhor das alturas. As alturas de extremos ajudam-nos a colocar as coisas em perspetiva. O Natal é uma altura de extremos. De excessos. De maior solidão para quem já é solitário e de maior partilha e companhia para quem já a tem naturalmente. De mais comida para quem já tem a mesa farta. E de maior fome para quem nada tem. De facto, o Natal cria em mim muita ambivalência. Tem tanto de bonito como de feio. Mas as épocas de ambivalência podem ser proveitosas para quando se precisa de tomar decisões que mudam completamente o rumo das nossas vidas. 

Muitas vezes as decisões são tomadas sem se ter a noção exata das premissas que estão na sua origem. Camuflamos o problema. Não nos conseguimos focar naquilo que efetivamente nos faz considerar a possibilidade de decisão. E temos mil e uma razões para considerar duas possibilidades diferentes. E não conseguimos ver a razão na nossa necessidade de alterar alguma coisa ou de escolhermos um de dois caminhos possíveis. Numa tomada de decisão, em primeiro lugar, teremos que focalizar o verdadeiro problema. Carece de muita honestidade da nossa parte. É necessário olhar para dentro. Sem medo do que se possa encontrar. E com coragem, encarar a coisa de frente, olhos nos olhos. Seguidamente, teremos que analisar o que nos move. O que nos dá o impulso. É o amor ou o medo? Não me sinto muito confortável a usar a palavra impulso quando se está a falar da tomada decisão, particularmente daquelas que mudam o rumo da vida. Uma decisão de leme, como lhes costumo chamar, nunca deve ser tomada por impulso. Deve ser bem medida, bem pensada, com cabeça, mas principalmente com o coração. E voltamos ao suporte da tomada de decisão: suporta-se no amor ou no medo? Esta é a grande questão! Sendo o medo a antítese do amor, por vezes ficamos num impasse. Para se escolher o amor, é preciso ter-se coragem. É preciso ser-se feito de uma massa especial, da rija e iluminada. Não é para qualquer um, infelizmente. Escolher tendo por base o amor, implica que se busque a nossa própria felicidade, independentemente do caminho parecer assustador. Escolher o amor implica manter perto de nós todos quantos nos amam e nos fazem bem. Implica afastar o que nos causa verdadeiro sofrimento. Implica saber dar a importância certa às coisas. Implica ser capaz de não valorizar mais o que é mau em detrimento do que é bom. Implica amar-se a si próprio e amar os outros, respeitando também o amor que os outros nos têm. Implica saber que o amor é o bem mais valioso do universo. Não é para qualquer um saber isto. Sentir isto. Fala-se muito de amor em todos os conceitos mas poucos o valorizam verdadeiramente. Poucos são capazes de terem a coragem de se regerem por ele independentemente das consequências. E esquecem-se que com o amor vem a fé. Não há nada mais esperançoso do que o amor. Se se seguir este caminho, as soluções aparecem. Disto tenho a certeza absoluta. Tal como tenho a certeza da minha existência.

Por vezes, ainda não evoluímos enquanto pessoas, enquanto almas, o suficiente para escolher este caminho. O tal do amor. É fácil desistir. E com a nossa desistência arrastamos outros que não queriam desistir nem de partilhar o caminho connosco nem de nós. Mas não lhes perguntamos nada. Desistimos e pronto. Não consideramos os seus corações. Só consideramos o nosso medo. Escolhemos “do mal o menos” ou aquele caminho onde somos capazes de ver qualquer coisa que seja aparentemente mais certa e segura e que nos afasta dos verdadeiros problemas. Escolhemos em função do medo. “Prefiro o mal que conheço ao bem que não conheço”. Mais uma pérola de sabedoria do povo. Escolho em função do medo. E quando se tem medo, não se tem fé. E no Natal, a fé e o amor são fundamentais. Daí que talvez esta época ajude quem necessita de tomar decisões. Talvez se consiga perceber onde mora o amor verdadeiro. O que fundamentalmente importa. O que é acessório. O que é só embrulho com fitas e laços. Talvez se consiga deixar que Jesus Cristo renasça no nosso coração, se lhe fizermos um berço de amor e de fé. Porque não somos capazes de nos amarmos e de acreditarmos que somos capazes de amar os outros? Porque não damos o salto para uma dimensão verdadeiramente iluminada? Com dores, dúvidas, hesitações, tristezas e outras coisinhas que nos vão mordiscar o coração e a alma, mas também com tanto amor e com tanta alegria! Há pequenos nadas que valem um império inteiro! O beijo na bochecha quente da nossa cria que acabou de acordar, um bilhetinho com um simples coração, uma lambidela do nosso animal de estimação, um sorriso rasgado, um olhar brilhante, um piscar de olhos, tudo o que nos faz fechar os olhos, inspirar e pensar em como é bom estar vivo. Eu que sou uma chorona, emociono-me por tudo e por nada (e já deixo sair a lágrima, quero lá saber) retiro muito prazer, muita alegria e muito calor destes pequenos nadas simples e quase invisíveis. O contrário do tal império…o medo cria coisas muito grandes e por vezes até magnânimas. O amor pode ser apenas um conjunto de coisas pequeninas e simples na aparência. Mas, muitas vezes, o que é pequenino tem um reflexo imenso na nossa alma e na nossa existência. Uma velinha pequenina, na noite escura, é capaz de iluminar uma casa inteira…também sei que não é para qualquer um escolher entre uma vela pequenina e um império. Na verdade, por vezes construímos impérios inabaláveis, intransponíveis e à prova de bala só para nos sentirmos seguros. Para tentarmos encerrar os nossos medos. No fundo, para não termos medo do medo. Mas o medo só tem medo do amor e da fé. E esta tem sempre que ser a escolha. Mesmo que não se saiba o que está do outro lado. Mesmo que não se tenha nada de palpável. Mesmo que não se veja. O segredo está no que se sente, com serenidade. A escolha dá-nos paz? Então é uma boa escolha. Que raio de fé é a nossa quando não confiamos naquilo que o nosso coração nos dita?! É onde Deus nos fala…e no Natal, parece que falará ainda mais suavemente, ainda mais serenamente para ver se de uma vez por todas, somos capazes de ouvir a voz do amor. A que, no final de tudo, é a que importa.

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