Avançar para o conteúdo principal

Quando o corpo apita

Quando começamos a trocar receitas e mezinhas para as maleitas do corpo com os nossos amigos, mal vai a história. Digo sempre que a idade é uma coisa maravilhosa. É maravilhosa para a cabeça, para o coração e para a alma. Mas para o corpo…é uma maçada. Estou naquela fase em que o caruncho está a entrar por todo o lado, principalmente nas articulações e nos ossos. E dei por mim a trocar sacos de água quente, com almofadas anatómicas e massagens de nem sei do quê. Quando começamos a trocar este tipo de informações em vez de ser onde é que se janta muito bem e que espetáculos é que andam em cartaz, o caso já vai feio. Para nós e para os nossos amigos.


Pois é. Estou outra vez em ponto de rebuçado só pelas dores que vou tendo. É que eu não tenho paciência para isto. Fico impertinente. Desassossegada e irritadiça. Por vezes, o desassossego vem no corpo e na alma ao mesmo tempo. Ainda bem não dei conta das dores do coração, lá me fica o corpo também cheio de não presta. Também é verdade que tudo isto está mais ligado do que o que se julga. Como tenho a mania de resistir e de dar luta às dores de alma e de coração, penso que desato também a somatizar e o meu corpo fica desorientado. Uma lei universal diz que o que é emocionalmente forte tem que ser trabalhado ou expelido de qualquer forma. Quando não dou expressão à tristeza que sinto, quando não consigo trabalhar as emoções que me assolam, o meu físico ressente-se. Tenho a certeza disto embora não saiba muito bem o que fazer depois da coisa instalada. E depois, forma-se um ciclo vicioso, e viscoso, do qual é difícil sair. Quanto mais o corpo dói, mais fragilizada fico. E quando mais fragilizada, mais a tristeza tem espaço para entrar. Este visco tem que me ser arrancado da pele. Ando a ver como é que me livro deste estado. Este mal-estar geral rouba-me a alegria. Consome-me esta energia que deve ser gasta em sorrisos e gargalhadas e a bem dizer a vida. E tenho que mais uma vez andar em guerra comigo própria para não me entregar ao que o corpo pede: choco do bom e do quentinho. Era o que me apetecia, ficar o dia inteirinho enfiada debaixo dos cobertores. Descansava o corpo e aproveitava para colocar os pensamentos e as reflexões em ordem e em dia. Ou então, talvez não - dependia - poderia apenas desligar a cabeça e já está. Às vezes também me apetecia carregar num botão (que não tenho e se tenho não o encontro) e desligar tudo o que penso e, principalmente o que sinto. Sabia-me tão bem!!!

Mas como não pode ser, porque a vida está aí para ser vivida e não existe a tal tecla para se desistir, lá continuo a lutar contra mim própria. Esta luta, estes choques entre o apetecer hibernar e o dever prosseguir, nunca dão lá muita saúde. Tudo se ressente. Mais cabelos brancos, a pele fica endoidecida e as articulações desatam a apitar por todo o lado. O nosso ser é muito mais interligado do que aquilo que se julga. O nosso subconsciente que se manifesta essencialmente no nosso corpo sabe sempre muito mais do que nós. E é muito mais inteligente do que o nosso consciente. O nosso consciente é um preguiçoso que só pretende poupar energia e não ter chatices. O nosso subconsciente é um maravilhoso elfo cheio de talentos mágicos que nos consegue perceber antes de nós termos tempo de dizer “pio”. E sabe muito bem o que nos deixa felizes e tranquilos. Quando estes dois malvados (o consciente e o subconsciente) se zangam e desatam a discutir, não há saúde que resista. São sismos e terramotos no nosso corpo. Até parece mentira, não é? Mas é verdade. Em todas as manifestações físicas existem pressupostos emocionais e/ou espirituais. Ando a ver se começo a perceber um bocadinho mais destes assuntos. Interessam-me imenso. Desde sempre. Começamos a perceber estas coisas quando as nossas crianças, que são muito mais puras e transparentes do que nós, têm febre, diarreias, e outros sinais e sintomas que são de evitamento perante situações de medo ou de sofrimento. Os adultos não são mais nem menos do que crianças crescidas, mais refinadas e recônditas. Mas os princípios básicos de funcionamento são exatamente os mesmos.

Quando me sinto adoentada procuro pensar um bocadinho nestas coisas. Vale a pena. Nem que seja para tentar libertar emoções e energias que me molestam. E mesmo doendo tudo, lá vou fazendo umas caminhadas, tentando apanhar o sol possível e observando o Natal a nascer nas ruas de Lisboa. É tão bonito! E tenho sempre a profunda esperança que as luzes e as brilhantezas nasçam também no interior das pessoas e que as iluminem verdadeiramente. Nunca perco a esperança…somos capazes de coisas tão bonitas e temos medo delas. Esta é que é esta! Mas hoje não vou por aqui ou começam as lágrimas a querer saltitar num momento inapropriado. 

Para além das caminhadas, das contemplações e das minhas outras esquisitices em geral, lá vou também, teimosamente, cantando no meu coro. É verdade. Deu-me para aqui. Sempre adorei cantar e nunca lhe liguei nenhuma. Agora é a melhor das terapias. Aquela coisa do quem canta seus males espanta, é mais uma verdade universal. Maravilhoso! Como me correm uns dó, ré mis e umas semicolcheias pela corrente sanguínea, bate tudo certo! E, apesar de doer, a dor é embalada e encantada pela força da música. A música tem uma força parecida com a força do amor. É uma linguagem universal que sai e entra no coração com toda a facilidade. Com livre transito. E tudo o que faz bem ao coração, faz bem ao corpo. Tudo o que acalma a dor do coração, acalma a dor do corpo.

Pronto. Já carpi uma parte das minhas mágoas. Também ajuda. Falar sobre o que nos faz mal retira poder à sua causa. Coloca as coisas no devido lugar. Aquilo que cá dentro parece tão avassalador quando se sente sozinho e sem deixar sair, torna-se mais pequenino e impotente quando lhe abrimos a porta ao mundo. Quando nos obrigamos a sair do nosso ciclo de ruminação, a digestão torna-se mais facilitada. As coisas ganham uma dimensão diferente, podem ser relativizadas e a pressão aliviada. Resumindo: o que está cá dentro que causa pressão, tem que sair ou rebenta por qualquer lado. Até pelas articulações, se for necessário…

Às vezes, fazemos tanta força para gerir emocionalmente o que sentimos, e gastamos tanta energia nisso que os nossos sistemas físicos, nomeadamente o imunitário, ficam fragilizados. E ficamos mais propensos a apanhar alguma bicharada. Outras vezes, o corpo quase que se vira contra nós próprios e entramos em processos inflamatórios. Quase que oiço o meu corpo dizer: -“Ouve lá, tu és a minha pior inimiga. Que inferno!”.

E eu, do alto das minha dores, digo com toda a propriedade: “É a vidinha! Aguenta-te à bronca!”

Deito uma lágrima, contorço-me na cadeira e sigo em frente. Torço, vergo, mas não quebro.

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos os outros, olhos nos olhos, de igual para igu

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus aos outros

A parvoíce de verão

Resolvi renovar a imagem deste blog. Os meus mundos necessitam de ser dinâmicos. Diz-se que as aquarianas são assim. Detestam rotinas e mais do mesmo. Assim, vou alterando o que posso alterar. Com tantas cores que a vida tem, não é necessário andar-se  sempre com os mesmos tons. Por outro lado, quando não se consegue mudar questões estruturais da nossa vida (embora nos apeteça) vamos mudando o que podemos mudar, o que está ao nosso alcance.  Resolvi então arejar um dos meus mundos mais queridos, o da escrita. Como sou eu própria, mantenho uma certa constância em termos cromáticos e de forma. Há coisas que aqui, tal como na vida, não abdico. São muito próprias, muito minhas. De resto, adoro experimentar tudo o que é diferente de mim. O que é meu eu já conheço. Interessa-me experimentar tudo o que é novo. Deve ser mesmo por ser aquariana de signo com ascendente em aquário. Muito aquário por metro quadrado! Não me safo do exotismo deste arquétipo. Falo disto como se percebesse alguma