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Fado em Pequim

Hoje quero escrever sobre um dos meus temas favoritos: a música. Não é que eu seja especialista do assunto ou que para lá caminhe. Apenas gosto muito. Não sei gostar pouco de nada. E de música, gosto particularmente. Gosto com uma profundidade que me chega à alma. Tenho uma música, uma cantiga para quase tudo. Há sempre um paralelismo ou uma associação que posso estabelecer entre um episódio da minha vida, uma situação, uma pessoa, um sentimento, seja o que for, e uma música, uma melodia. Também sou daquelas que pensa que cantar é rezar duas vezes. Gosto de rezar a cantar. Parece que sai com mais furor, com mais fé, com mais sentimento. O talento para a música, é, no meu ver, mais uma das graças da criação. Se pensarmos e observarmos um bocadinho podemos verificar que a própria natureza está cheia de música, cheia de maravilhosos sons que nos transportam para qualquer coisa de diferente. Para mim é a um nível de paz, de alegria e de pertença. De consciência coletiva. O som das águas, do vento, do canto dos pássaros, da chuva, das folhas e mais uma infinidade de coisas são sons de Deus. Basta termos ouvidos para escutarmos. E, se soubermos escutar como deve de ser, conseguimos entrar no som, fazer parte dos acordes da natureza. Fazer parte, pertencer. Ser tão autêntico e natural como a própria natureza. Esta é uma experiência que recomendo vivamente. 

Muitas vezes penso que deverão existir, na natureza, uma outra infinidade de sons e de melodias que não estão acessíveis aos nossos ouvidos. Uns por uma questão de volume, são inaudíveis. Outros mesmo por comprimento de onda. Se tivéssemos a capacidade de ouvir tudo o que é produzido pela natureza, ficaríamos admiradíssimos e maravilhados! Seria muito bem feita só para não acharmos que somos donos do conhecimento e, já agora, também das notas e compassos musicais. Não somos donos de nada. Apenas podemos utilizar e usufruir. Com respeito, com honra, com amor.

Para mim, a música sob qualquer forma, é a maneira mais rápida de se chegar à minha alma. É um atalho daqueles bem rapidinhos. Faz-me destilar tristezas, aumentar alegrias, amar amores, aguentar saudades e entender mais um montão de coisas. Também a ouvir ou a cantar sou capaz de exprimir muito melhor o que sinto. Sou capaz de digerir o que é de difícil digestão. Sou capaz de esperar melhor se o fizer acompanhada da minha música. É altamente terapêutica e pacificadora. E dou graças a Deus por me ter mostrado algumas estratégias que me fazem lidar melhor com a vida e comigo própria. Com as palavras, com a música, com a natureza e de outras formas sobre as quais vou escrevendo. Até meditar gosto de o fazer com música. Embala-me o ser. Faz-me chegar mais longe e mais fundo. 

A música alarga-me os horizontes. Em profundidade, para dentro de mim própria e em extensão, na compreensão do próprio mundo. Muito se fica a saber sobre um povo ou sobre uma comunidade através da música e dos cantares que produzem. Se cantam de forma mais enérgica ou mais dolente. Se mais alegre ou mais triste. Se mais elaborada ou mais brejeira, etc. Sou muito atenta aos cantares populares. Como forma de expressão cultural ou de maneira de encarar e estar na vida, são reflexos de uma identidade coletiva que vale a pena conhecer. Tal como os pássaros cantam de forma diferente conforme a espécie, também cada povo, com identidade própria, tem uma musicalidade específica. Esta forma de expressão sempre me interessou muito.Talvez seja a forma cultural que mais me interessa. A forma de arte que mais me entusiasma.

Adoro a calma, a pureza e a simplicidade dos cantares alentejanos. São os meus preferidos. Choro a ouvi-los. Emocionam-me de verdade. Entram-me por cada poro da pele e vão a correr até à alma e iluminam para lá uma secção que me faz chorar de bem. De alegria. Faz chorar porque também faz transbordar um pote qualquer que eu tenho por dentro e que tem a ver com as emoções empáticas. Com o entender o que outros, individuais ou colectivos, são capazes de sentir. Isto é uma carga de trabalhos pois, meia volta, as lágrimas caem sem ninguém entender porquê. Desatam a rolar cara abaixo sem explicação aparente. Mas, mesmo quando eu não sei a razão pela qual me emociono, a minha alma sabe. E sempre que qualquer coisa me emociona, como costumo dizer, é porque tem a voz de Deus. E a minha alma sabe escutar a voz de Deus. Eu ainda não sei, mas minha alma sabe. E aqui vai disto, toca a verter lágrimas, que é como quem diz, verter gotinhas de alma. Já não me importo. Faço estas figuras por onde vou ou por onde estou a ouvir as musicas e os cantares que me encantam.

Todas as vozes dos povos me emocionam. Claro que o fado é uma das que me faz ir ao céu. A voz de Lisboa, a voz do nosso país. Do outro mundo. Então aqui é que a choradeira é pegada. Há sempre um fadinho que faz destilar a dor. A melancolia. Mas também nunca vi a fé tão bem expressa. Nem o amor. E não é qualquer um que canta o fado. O fado não é só cantado. Tem que ser interpretado, sentido, amado. Tem que ser com alma pois é um cantar de alma. Talvez seja o cantar da alma. Não haverá outro tipo de música que tão bem expresse emoções. Às vezes, há pessoas de outros países que não entendem uma palavra do que se está a cantar mas que entendem na perfeição as emoções que se estão a expressar. Maravilhoso, não é? O fado é talvez a orquestra metropolitana da alma de cada um. E como as almas estão todas conectadas entre si, fazendo parte de um Uno indivisível, entendem esta linguagem comum e universal. Em Lisboa ou em Pequim. Parece-me que com mais ou menos olhos em bico, somos todos iguais.

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