Olá! Tenho andado em hibernação em relação à escrita. Quando se quer acalmar e serenar o sangue, por vezes, tem que se hibernar mesmo. Mastigar os sentimentos e as emoções. Ruminar tudo aquilo que precisamos curar, resolver e deixar ir para podermos seguir em frente. Andei a visitar alguns dos meus textos antigos e fiquei de boca aberta a pensar que o tempo é, efetivamente, como o azeite. Revela sempre a verdade. Agora, já tenho uma distância razoável para poder olhar para mim própria de uma outra forma. Do mesmo modo, já passou tempo suficiente também para pensar nos outros com a frieza ou a imparcialidade necessária. E o tempo tem sempre razão. É uma grande aprendizagem saber esperar o necessário para que as coisas tomem o seu devido lugar. Esta tem sido uma das minhas grandes aprendizagens. Eu tenho a mania de deitar logo fogo aquilo que eu sei que vai arder, poupando tempo. É para se fazer? Então faz-se. É para desfazer? Então desfaz-se.
A vida tem-me ensinado a contrariar estes impulsos. Já aprendi que - embora por vezes me custe a engolir - o tempo é uma dimensão muito importante na nossa vida. Tudo tem o seu momento certo e, numa linha cronológica, as coisas fazem sentido em determinado momento. Não vale a pena querer antecipar ou empurrar com a barriga. O tempo também nos traz muito discernimento. Deixa a poeira assentar. Deixa as emoções serenarem. No meu caso tem sido assim. Tenho feito um luto longo, prolongado mas muito importante. Consegui deixar o tempo fluir sem pressões, sem dramas. Consegui deixar que o meu luto convivesse comigo sempre que lhe desse na bolha. Não fiz daquelas manobras tentadoras de fuga para a frente nem fazer de conta que nada existe. Nem tenho muito jeito para isso. Assim, andei de braço dado com o meu luto. A passeá-lo. A olhar para ele de frente. E assim, calmamente, foi-se dissipando como acontece ao nevoeiro denso quando apanha uns valentes raios de sol. O nevoeiro que se tinha instalado no meu coração foi à vidinha dele. Aborreceu-se e foi mudar de paisagens. Fez bem. Eu também já estava farta dele. Mas não o mandei embora. Deixei-o estar até que se fartasse. Dei-lhe o que ele precisava: tempo. Um luto só precisa de tempo. O pior erro que se pode cometer com um qualquer luto, é não lhe dar o tempo de que ele necessita. Um luto precisa de tempo para ser bem sentido, bem chorado e bem aceite. Já fiz alguns lutos ao longo da vida. Uns mais difíceis em profundidade pela dor que acarretaram, outros mais difíceis pela extensão e outros por tudo. Já tive a minha dose de lutaria. Já os trato de uma forma mais informal. Só não os trato por "tu" porque não lhes quero dar muita confiança, não vão eles recomendar-me como um bom local para pousada. Respeito-os e dou-lhes o que precisam: tempo. Apesar de tudo, os lutos não deixam de ser agradecidos pela forma como os tratamos. Se os respeitamos, eles também nos respeitam. E, quando vão embora, deixam as questões resolvidas. Processos fechados e terreno fértil. Os lutos são assim. Amargam que se fartam mas no fim deixam uma sensação de paz. São um agridoce na evolução da pessoa. Quando se vão embora deixam um fantástico espaço, arranjado e reconstruído, para acolher coisinhas boas.
Esta coisa de dar tempo ao tempo também é fundamental para olharmos para os nossos episódios de vida com olhos de espetador. Olhar para as coisas tal e qual como elas aconteceram. Com o desapego necessário para podermos fazer uma avaliação crítica em condições. Quando não somos intervenientes na história, é muito mais fácil observar as coisas e as pessoas tal como se apresentam. Quando estamos do lado de fora, percebemos muito melhor os enredos, não é verdade?
Pois para refletirmos sobre a nossa própria vida e sobre os nossos episódios e acontecimentos, é preciso dar o tempo suficiente para sermos capazes de nos posicionarmos do lado de fora. Como se a nossa vida estivesse a passar num filme. Ou só um bocadinho da nossa vida a passar num ecrã. Quando conseguimos olhar assim, o mais desapegadamente possível, percebemos o porquê das coisas. Percebemos quem é quem. Conseguimos ver todos os sinais que nos passaram à frente dos olhos e que nós não vimos. Conseguimos avaliar se fizemos burrada ou se fizemos o que devíamos.
Apesar do meu luto ter sido grande e comprido, deixou-me um terreno muito fértil. Evolui muito enquanto pessoa. E, principalmente, validei as decisões que tomei. Consegui ver aquilo que já sentia e que já sabia de outras formas. Consegui perceber que estava cheia de razão. E, apesar da tormenta, percebi que fui capaz de me escolher a mim. De me respeitar enquanto mulher e de encontrar o meu amor próprio. Consegui encontrar a minha medida, o meu limite. Consegui encontrar o meu merecimento. Doeu que se fartou. Mas consegui vencer as migalhas. Consegui querer o melhor para mim. Consegui escolher o que era melhor para mim, sem certezas de nada. Evoluir na nossa própria direção também é um ato de fé. Conseguir sistematizar o que queremos e o que não queremos, é um trabalho hercúleo. Mas vale a pena. Quando consigo enfiar na pinha que mereço melhor, vale a pena. Quando consigo enfiar na pinha que a reciprocidade é um valor inquestionável numa relação, vale a pena. Quando consigo enfiar na pinha de que mereço ser amada pelo que sou e apesar do que sou, vale a pena. Tudo isto é um processo. Viver é um processo e evoluir também é um processo. Penso que os degraus mais difíceis nesta coisa de olhar para dentro e de me amar a mim própria, já estão ultrapassados. E estou feliz porque fui capaz. Fui capaz de apanhar os cacos, fui capaz de pedir ajuda, fui capaz de procurar a cura e fui capaz de me reconstruir com os cacos que apanhei. E penso que fiz uma construção mais bonita do que aquela que existia.
Neste momento estou a trabalhar no sentimento de gratidão. Ainda só está na minha cabeça. Estou a procurar a descida ao coração e a subida à alma. Estou a refletir sobre tudo o que me aconteceu, sobre o que se passou, sobre as questões cármicas e evolutivas, sobre a cenário global. E estou a procurar os fios para poder tecer gratidão. Este é o próximo passo. Refletir para conseguir agradecer os amores e as dores. para conseguir sentir gratidão pelo tsunami que se atravessou na minha vida. Na cabeça já o consigo fazer. Já consigo compreender a importância de tudo para a minha evolução enquanto entidade eterna, enquanto alma. Entendo as questões cármicas. Entendo as questões espirituais da coisa. Já tenho a compreensão. Falta-me a aceitação das dores. Sou melhor pessoa comigo própria, hoje em dia. Mas falta sentir de verdade, a gratidão ao Céu e à Terra, por todo o processo. Ainda falta este "por maior" mas estou verdadeiramente no caminho. O tempo, como sempre, vai trazer-me o que necessito. Quem procura, encontra. E tudo começa na nossa cabeça. Quando desejamos muito, cocriamos. O conceito de gratidão está na minha psique. Vai expandir-se. Tenho a certeza.
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