Pessoas a serem pessoas. Preferia as pessoas a serem animais. E não é de forma depreciativa, como se deve calcular. As pessoas a serem pessoas causam-nos muitas desilusões, muitas dores e dão-nos muito trabalho. As pessoas a serem pessoas são muito complexas, cheias de densidade e muito mais primitivas do que têm a pretensão de ser. Funcionam a toque de medo, de orgulho, de quem vence quem, de quem é o mais poderoso, de quem é o mais qualquer coisa. Funcionam e fazem funcionar a toque de caixa. As pessoas a serem pessoas largam setas em todas as direções, são invejosas, insatisfeitas e dissimuladas. Esta é parte que me aborrece mais ainda. As pessoas a serem pessoas são capazes de fingir o que não são e o que não sentem. Pensam uma coisa e dizem outra. Sentem uma coisa e fazem de conta que sentem outra. As serpentes são meninas de coro comparadas com as pessoas a serem pessoas.
A arte da dissimulação é uma arte que não domino e que tenho muita dificuldade em compreender. Tira-me do sério. Prefiro os animais. São o que são. Coerentes, consistentes, previsíveis no seu comportamento. Sabemos exatamente com o que podemos contar. Os animais são puros de essência e não fazem mal gratuito, nem magoam por prazer. Não subjugam só porque sim. Não aniquilam porque precisam de se achar a ultima batata frita do pacote. Os animais a serem animais são maravilhosos. Autênticos. Sem subtilezas. Sem maldade. A maldade é cheia de subtilezas, cheia de mansidão, parece uma maré negra que se vai espalhando sem se dar por isso. Quando a malta de apercebe já não respira, já não voa, está intoxicado e prestes a assinar a guia de marcha. Uma maré negra ou uma maldade dissimulada e subtil são exatamente a mesma coisa. Estou desencantada com as pessoas a serem pessoas. Encanto-me cada vez mais com os elementos naturais e com os animais. Cada vez mais gosto de bichos. Qualquer bicho já serve só para não me desiludir mais. Só para sentir que há ser vivos que mexem e são verdadeiros. Com as pessoas a serem pessoas, nunca se sabe. Estou fartinha, a transbordar, de pessoas a serem pessoas. Daquelas que se acham mais inteligentes e mais espertas do que os outros. Daquelas que não contam com a inteligência dos outros, daquelas que menosprezam os dons e capacidades dos outros. Fartinha, fartinha, fartinha. Fartinha das pessoas que a serem pessoas se sentem ameaçadas por quem é diferente. Por quem é esquisito ou arraçado de outra espécie qualquer.
Parece que a vida me anda a confrontar muito com pessoas as serem pessoas quando eu quero ser bicho e viver em paz, no meu mato. Parece que uma das minhas aprendizagens é aprender a lidar com as pessoas a serem pessoas, aceitá-las como elas são e continuar a ser o mesmo bicho, no meu mato, sem desgaste, sem desilusão, sem dor. E mais ainda, tenho que aprender a linguagem das pessoas a serem pessoas para entender tudo o que fazem e o que dizem, para que me possa mover no seu mundo sem que isso me belisque. Para que elas não percebam que tipo de bicho é que eu sou. Sem que me façam mal. O mal combate-se com as suas próprias armas, só que ao contrário, noutra direção. Tenho que conhecer profundamente as pessoas a serem pessoas para verdadeiramente aceitar e poder viver em paz como bicho. E talvez encontrar outros bichos como eu. Devem haver por ai....ainda só encontrei alguns exemplares muito raros...pessoas a serem pessoas existem às paletes. Resmas delas.
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