Avançar para o conteúdo principal

A solidão e o monstro das bolachas

Ontem tive uma conversa que me deixou a pensar. Foi sobre solidão. Entre a solidão por se viver sozinho e a solidão acompanhada. Estas conversas são sempre interessantes. Permitem-nos pensar melhor sobre os sentimentos, as emoções, sobre nós próprios e sobre quem nos rodeia. Estar-se sozinho é completamente diferente de se ser solitário e de se viver em solidão. Olhando para mim própria e para a minha experiência pessoal, posso afirmar que hoje em dia estou muito mais sozinha e mas muito menos solitária. Eu já vivi a experiência de sentir uma solidão imensa, embora estivessem muitas pessoas à minha volta. Esta foi a solidão que mais me doeu, a solidão acompanhada. Parece-me que sempre sofri um bocadinho disto. De qualquer forma, desde sempre que necessito de momentos em que tenho que ficar sozinha para pensar, refletir, construir cenários, fazer planeamento e tomar decisões. Adoro caminhar sozinha e adoro conduzir sozinha. Estes movimentos comigo mesma são os que me fazem pensar na vida. São estes os momentos em que mais facilmente consigo retirar a moral das histórias. Também nestes momentos consigo falar com o Céu de uma forma direta e cristalina. 

Quando se consegue estar sozinho consigo próprio e sentir-se acompanhado, é porque a alma está evoluída. Não faço a mínima ideia em que patamar de evolução, mas lá que está evoluída, está! Um dos principais sentidos na nossa existência parece-me ser o profundo conhecimento do “Eu”. Do âmago de cada um, das suas essências primordiais. E isto é francamente difícil. Mas é muito importante. Só podemos gostar da companhia do que conhecemos. Se soubermos estar bem na nossa própria companhia, nunca sentimos solidão. Poderíamos preferir ter ali alguém ao lado, ou estar em festa, ou outra coisa qualquer, mas não sentimos solidão. Gostar de si próprio, aprender a conviver com o seu próprio silêncio e com as suas próprias palavras, não é para qualquer um. Implica a vontade de querer saber, sem medo, do que paira por dentro. Ouvir os nossos próprios pensamentos e sentimentos pode ser uma tarefa dolorosa. Mas também pode ser muito gratificante. E só podemos amar o que conhecemos. Sentindo gratidão pelas qualidades e pelas coisas boas que encontramos dentro de nós. E sentido compaixão pelos nossos próprios defeitos e aspetos a melhorar. Se formos capazes de aceitar e de conviver com o nosso lado mais pardacento, somos capazes de rir de nós próprios e, mais importante do que tudo, de nos amarmos. Devemos ser os nossos melhores companheiros em vez de sermos os nossos juízes e carrascos. Se conseguirmos ter esta benevolência, esta capacidade de autoconhecimento e um sentido de aprendizagem apurado, a solidão não entra. 

A solidão é como o monstro das bolachas. Devora tudo o que lhe aparece à frente. Todas as boas memórias, todas as saudades, todos os bons sentimentos e emoções. A solidão faz cegar e ensurdecer. Torna-nos vazios, ocos e opacos. A solidão é irmã gémea da angústia e se as deixamos à solta, chamam o desespero e constitui-se um trio difícil de separar. Nascem todos da mesma barriga. Uma barriga cinzenta, sem luz e sem esperança. O que sai desta barriga não vê para além da opacidade do nevoeiro que se instala entre nós e o nosso interior. E busca-se fora, em correria, em falsa alegria, em má companhia, o aconchego que deveria estar dentro. Tantas vezes se prefere viver mal acompanhado só para não se ser solitário. Só para que a solidão não nos devore as réstias de qualquer coisa. E passa-se pela vida em vez de a vivermos à séria. E não há vida à séria se não formos capazes de convivermos em paz connosco próprios e se não formos capazes de encontrar recursos internos para suprir as nossas necessidades de afiliação e de afeto. Claro que nada disto se faz na perfeição. E claro que somos feitos para convivermos uns com os outros. O que quero verdadeiramente dizer é que, em primeiro lugar, temos que ser capazes de conviver bem, saudavelmente, connosco próprios. E de encontrarmos dentro de nós os caminhos para o bem-estar e para a felicidade. E que não adianta procurar fora aquilo que deve estar dentro. Não vale a pena refletir nos outros aquilo que não aceitamos em nós. Não vale a pena exigir dos outros o afeto que não somos capazes de dedicar à nossa pessoa. A solidão invade quando lhe damos espaço para isso. Se formos bem cheiinhos de alma e de coração, existem momentos em que nos sentimos sós, em que preferíamos estar em companhia de alguém em especial, mas não nos sentimos solitários. Nem tristes. Nem abandonados. Se estivermos bem na nossa própria companhia, não vale tudo para não estarmos sozinhos. E não pode valer tudo. A companhia não pode ser de qualquer maneira desde que seja companhia. Conheço quem preferira estar mal acompanhado do que sozinho. E isto nem é um juízo de valor. É apenas a constatação de um facto. Muitas vezes somos movidos a medo em vez de sermos movidos a amor. Neste caso, alguém é movido pelo medo (ou terror) de estar sozinho em vez de ser movido pelo amor a si próprio. Por vezes as pessoas preferem uma companhia maltratante à paz de estarem sós. Na verdade, para se ter paz é preciso saber-se que ela existe por dentro. O bem-estar interior é um tesouro preciosíssimo. Mas como tesouro que é, precisa de ser encontrado. E só nós próprios podemos encontrar e vale muito a pena. A nossa felicidade depende essencialmente de nós e do preenchimento interior que temos. E esta descoberta também é um dos sentidos da vida. Por vezes procuramos sentidos onde existe o caos. Procuramos fora o que temos ao nosso dispor cá dentro. A solidão odeia vidas cheias de sentido. Odeia a paz e o bem-estar interiores. Por mais que abra a boca, não consegue devorar nada. E isso é muito bom!

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos os outros, olhos nos olhos, de igual para igu

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus aos outros

A parvoíce de verão

Resolvi renovar a imagem deste blog. Os meus mundos necessitam de ser dinâmicos. Diz-se que as aquarianas são assim. Detestam rotinas e mais do mesmo. Assim, vou alterando o que posso alterar. Com tantas cores que a vida tem, não é necessário andar-se  sempre com os mesmos tons. Por outro lado, quando não se consegue mudar questões estruturais da nossa vida (embora nos apeteça) vamos mudando o que podemos mudar, o que está ao nosso alcance.  Resolvi então arejar um dos meus mundos mais queridos, o da escrita. Como sou eu própria, mantenho uma certa constância em termos cromáticos e de forma. Há coisas que aqui, tal como na vida, não abdico. São muito próprias, muito minhas. De resto, adoro experimentar tudo o que é diferente de mim. O que é meu eu já conheço. Interessa-me experimentar tudo o que é novo. Deve ser mesmo por ser aquariana de signo com ascendente em aquário. Muito aquário por metro quadrado! Não me safo do exotismo deste arquétipo. Falo disto como se percebesse alguma