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A parte de Deus

Existem uns dias em que não consigo vislumbrar o plano de Deus. Apenas posso confiar que tudo correrá da forma que for melhor para mim. Tudo correrá da forma que me trouxer felicidade ou aprendizagem. Porque tenho a consciência plena que ando por cá a endireitar a alma. A chatice toda é lidar com aquilo que Deus faz depender do meu livre arbítrio. Ou que faz depender do livre arbítrio dos outros. E quando são as nossas escolhas que traçam os rumos, nunca se sabe o que pode acontecer. Por isso passo a vida a pedir a graça de ser capaz de escolher sempre, em todas as circunstâncias, a vontade de Deus e o caminho que ele para mim traçou. É sempre o mais fácil, o que implica o menor sofrimento. Mas tenho medo de nem sempre ser capaz de o fazer. 

Quando me pergunto do que é que tenho mais medo, costumo responder que tenho muito pouco medo, graças a Deus. Mas de tudo, o que tenho mais medo, é de mim própria. Embora possa parecer esquisito, tenho medo de mim própria. Tenho medo de esfrangalhar os caminhos que Deus traçou para mim. Tenho medo de não conseguir entender os planos divinos. Tenho medo de sucumbir à minha ira e à minha impaciência. Tenho medo de ter vontade de desistir daquilo que faz parte do meu caminho mas que me faz doer o coração. Tenho medo de não ser capaz de aprender todas as lições que me estão reservadas. Disto tudo, verdadeiramente, tenho medo. Gostaria de ter sempre a coragem de encarar a vida, por mais dura que por vezes se apresente, com um sorriso nos lábios. Com serenidade sabendo que existe uma razão subjacente a tudo. Com a sabedoria de retirar a essência das coisas e das situações. Gostaria de ter sempre instaladas no meu coração, a esperança e a fé. Como duas flores delicadas que têm umas raízes que vão daqui à China e que nada nem ninguém as arranca. Uma flor delicada tem sempre por detrás um fortíssimo código genético, daquele à prova de bala. A delicadeza é uma virtude cheia de força. Cheia de consequências. A delicadeza é muitas vezes invencível. É a melhor forma de lidar com situações conflituosas, dolorosas e com outras coisas menos amorosas. Parece-me que sim. Como sou pouco delicada, aprecio muito a delicadeza. Como sou um bocadinho explosiva e de levar tudo à frente, a delicadeza parece-me a oitava maravilha do mundo. Não existe delicadeza sem serenidade e a serenidade é a melhor das companheiras para a vida. Deverá ser aquela que nos aconselha, que nos embala, que nos sossega, que nos ajuda a ver todas as perspetivas possíveis e imaginárias. A serenidade é mãe da paz e da concórdia. Passo a vidinha a tentar ser serena já que delicada não é possível. Sempre que consigo serenar o coração, consigo ouvi-lo. E quando o consigo ouvir, consigo decidir pelo melhor caminho e pela melhor forma de lidar com as situações. Sempre que escuto o meu coração consigo ser melhor pessoa e isso é o que verdadeiramente me interessa. Escutar o coração não é nada fácil. É muito fácil de dizer mas difícil de colocar em prática. É necessário treino. É necessário tempo para serenar. Escutar o coração implica que se liberte a cabeça daqueles pensamentos que chegam em catadupa e em remoinho. É imprescindível descansar-se o corpo e libertar-se a mente. É preciso meditar um bocadinho. É preciso sair-se da esfera da racionalidade pura e dura e aprender a sentir. Em primeiro lugar temos que ser capazes de sentir, sem filtros e sem desligar botões emocionais. É necessário sentir, sentir e sentir. E dói. Por vezes até dói muito. É preciso deixar que as emoções venham à flor da pele. Também misturadas e em remoinho, se for esse o caso. Deixar rebentar e abrir as comportas emocionais. Sem filtros, sem censuras internas nem externas. Sentir e pronto. Depois de nos habituarmos a sentir, a assumirmos o nosso ser emocional, que é tão ou mais importante que o nosso ser racional, já estamos em condições de ordenar as nossas emoções. De as interpretar e de as entender. Nunca se consegue entender o que não assumimos. Não vale fazer de conta que não sentimos ou que não existe determinada dor, determinado amor, determinado medo. Fazer de conta que não existe só torna maior, engrandece as dores e as emoções. Até o banho-maria chega à fervura. Depois de conseguirmos lidar com o nosso lado emocional, conseguimos ouvir o coração. Conseguimos levar a sério os nossos pressentimentos. Conseguimos ler os sinais. Claro que pode ser de forma imperfeita. Sem se ter a certeza de nada. Sem rede e sem controlo. Mas essa é a ideia. O que é que controlamos na vida? Nada. Do que é que temos a certeza? Só de uma coisa: tarde, cedo, amanhã ou agora, vamos partir para o outro lado. E todos os outros também. É verdadeiramente a única certeza que temos na vida. Mais nenhuma. Tudo é muito mais efémero e mais emocional do que material. Aprendi a viver muito melhor a partir do momento em que encaixei esta questão. E é mais fácil ouvir o coração. E é mais fácil confiar na Providência Divina.

A minha estrelinha, a tal que me ilumina, está sempre a dizer que temos que fazer a nossa parte no que diz respeito ao confiar na Providência Divina. Que não podemos esperar que as coisas nos caiam ao colo. E é verdade, temos que fazer a nossa parte e o Pai do Céu fará a Sua. Mas o que é fazer a nossa parte? Claro que não é sentarmo-nos ao sol à espera que tudo caia do céu. Não é ficar imóvel. Mas também não é correr desalmadamente à frente do medo. Se temos medo, então não confiamos verdadeiramente na Providência Divina. E temos que trabalhar esta confiança. Quantas situações acontecem na nossa vida só para aprendermos a confiar plenamente no Pai. Para aprendermos a entregar tudo nas suas mãos sem "ses", sem "mas" e sem negócios. Só para sermos capazes de materializar a fé que dizemos ter no coração. Temos fé mas não fazemos nada com ela. Temos pressentimentos mas não fazemos nada com eles. Vemos os sinais mas não lhes ligamos nenhuma. E a vida tomba-nos para acordarmos. Que pena não acordarmos a bem, com a luz a entrar devagarinho pela nossa alma a dentro. Parece que só acordamos com as marteladas do despertador...

Na minha forma de ver estas coisas (com a plena consciência da dificuldade que é ouvirmos o nosso coração), a nossa parte, relativamente ao plano divino, começa com a serenidade e com a confiança. Com o afastar do medo e do desespero. E tem que se parar para se ser capaz de ouvir o coração. Tem que se dar o tempo necessário à situação para a podermos ler com clareza. Por vezes, uma tomada de decisão, depende não só dos factos reais mas também daquilo que o nosso coração nos diz. Como tenho escrito tantas vezes, a paz que se sente é um otimo indicador. Se sinto paz com determinada situação, independentemente do pouco que sei dela, então poderá ser um caminho a considerar. Claro que não se consegue ouvir o coração se se estiver a subir paredes ou a arrancar cabelos. Por isso é que é tão importante serenar-se o espírito antes de se tomarem decisões. Para mim, que sou intempestiva, esta tem sido uma grande aprendizagem. Não se tomam decisões em desespero, tocadas a medo ou como forma de fuga para a frente ou para outro lado qualquer. Decisões importantes, tomam-se em serenidade. A ouvir todos os fatores. Os racionais e os do coração. Quando a escolha de um determinado caminho implica muito sofrimento e causa também sofrimento aos que nos estão próximos, então deveremos pensar melhor sobre esta escolha. Também com serenidade. E esta deverá ser a nossa parte. Pensar e sentir de forma ativa mas serena sobre o que fazer a seguir. Ou como fazer a seguir. Conseguindo-se ir à raiz das coisas. Conseguindo-se pensar na causalidades e nas consequências. Conseguindo-se alinhar a nossa racionalidade com o nosso coração. Quando conseguimos fazer a nossa parte deixamos a porta escancarada para que Deus possa ter espaço para fazer a Sua. Quantas vezes nem lhe damos espaço nenhum para que Ele entre na nossa vida. Só na missa de domingo, se se for assíduo, e na culpa que sentimos por isto ou por aquilo que fazemos ou não fazemos. E tornamos Deus um ser que nos faz sentir culpados. E isso é verdadeiramente triste. A culpa é uma invenção dos homens, não de Deus. Se a essência de Deus é um amor infinito e incondicional, não há espaço para culpas nem para castigos. Se não formos capazes de entender esta premissa é porque não somos capazes de compreender o que incondicional quer dizer. Incondicional quer dizer sem condições de espécie nenhuma. Sem "ses". Amar, de forma infinitamente grande, sem condições, independentemente de tudo. Do melhor ou do pior que somos capazes de fazer. Claro que as nossas vistas são curtas demais para conseguirmos entender a plenitude deste amor de Deus. Mas podemos tentar ir aliviando a carga negativa que colocamos na nossa relação com Deus. Parece que a culpa, o pecado, o sofrimento, a mortificação e a subserviência são as formas preferidas de interagirmos com o Pai. E estabelecemos uma relação de poder, castradora e baseada no medo. Mesmo que se diga o contrário, parece-me que estas sombras assombram a consciência dos crentes. Porque nos relacionamos com Deus e pensamos que ele se relaciona connosco tal como os homens se relacionam entre si. Nem sequer Lhe damos o benefício da dúvida...

Como dizia, parece-me que podemos ir aliviando estas sombras se formos capazes de pensar no amor como a essência de tudo e não querer saber do resto. Se nos centrarmos no amor por nós próprios, pela criação, pelos outros e por tudo em geral, deixamos de ser tão miudinhos. Aprendemos a destrinçar o que é fruto dos nossos medos e não das "regras" de Deus. Aprendemos que o sofrimento e a mortificação não são presentes que se ofereça a ninguém, quanto mais a Deus! Se à nossa dimensão, não há pai ou mãe dignos desse nome que suportem ver os seus filhos sofrerem ou mortificarem-se, como podemos pensar que Deus ficará contente com este tipo de oferendas? Não compreendo. Para mim, o que de melhor podemos oferecer a Deus é o amor. Ao amarmos, o melhor que formos capazes, somos capazes de devolver uma ínfima parte daquilo que Deus nos dá de forma gratuita e incondicional. Estamos a compreender e a disseminar a Sua essência. Haverá forma mais bonita de prestar homenagem ao Criador? Se há, ainda não descobri. Por outro lado, a subserviência não faz nenhum sentido. Deus criou-nos livres. Com a liberdade suprema de podermos escolher tudo. Até se O queremos ou não na nossa vida. Portanto, não será uma relação de servilismo nem de obediência que deverá pautar a nossa relação com Deus. Relações de obediência são estabelecidas pela Igreja, não por Deus. São estabelecidas pelos homens. A relação que estabelecemos com Deus tem que ser uma relação livre, centrada, mais uma vez, no amor. Como é que uma relação que é livre e que tem por base o nosso livre arbítrio, pode ser uma relação de servilismo? Não pode. Confunde-se muitas vezes servilismos e obediência com humildade. A humildade é muito bonita. É espelho da nobreza de coração. Nunca se pode amar bem se não se for humilde. Estas sim, serão oferendas bonitas para oferecermos a quem nos ama tão incondicionalmente.

Se formos capazes de pensar na nossa relação com divino na verdadeira base do amor, os milagres acontecem. É que apesar de todas as agruras e de todas as dificuldades, devagarinho, o amor começa a dar conta das nossas vidas. Começa a invadir todos os nossos espaços livres e a transformar o que já existe. Mais uma vez, se nós fizermos a nossa parte, o Senhor vem fazer a Sua. De forma simples e eficaz. Mas precisamos de querer, de deixar que Ele invada a nossa vida. Convém pedir. Convém escolher. Convém usar a nossa liberdade de ação para abrir todas as portas e janelas da nossa alma para que Deus possa entrar. Para que não aconteça chamarmos por Ele, normalmente num momento de aflição, e termos tudo trancado, sem brecha por onde deixar entrar. E a mim parece-me que Deus está sempre desejoso que O escolham. Que O deixem entrar. Deve estar desejoso que N'ele se confie sem "ses", também incondicionalmente e sem medos. Que bonita maneira de retribuir o amor que Ele nos dedica, não é? Não somos perfeitos. Não conseguimos muito. Mas conseguimos alguma coisa, se tentarmos. E quanto mais tentamos, mais conseguimos. E vamos amealhando coisas bonitas no nosso coração.

E, apesar de tudo, imperfeita como sou, vou tentando fazer melhor cada dia que passa. Mesmo nos dias em que não entendo nada. Em que o cansaço quase leva a melhor. Mesmo nos dias em que me apetece desistir por doer tanto. Mesmo nos dias mais difíceis de todos em que sinto a solidão a querer invadir-me. Mesmo nos dias em que me sinto um perfeito extra terrestre com antenas verdes e apitos por todo o lado. Mesmo nesses dias penso na essência das coisas. Penso em como Jesus Cristo poderia ter desistido do amor e não desistiu. E peço-lhe coragem para conseguir levar este dia para a frente. Para conseguir sorrir em vez de sucumbir às lágrimas. Para conseguir ver a beleza do mundo em vez de ver a sua fealdade. Só hoje. Peço força para hoje. Amanhã posso acordar invadida de amor e de paz e sentir-me a pessoa mais alegre e feliz do universo. A esperança alimenta-me a vida. E a vida é maravilhosa!

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