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Desespero e paz de espírito

Esta tem sido uma semana emocionalmente muito difícil. Lidei de perto com o desespero de alguém que eu adoro. Mais uma vez fui confrontada com o facto de todas as palavras do mundo e que todo o amor, podem não ser suficientes para salvar uma pessoa. Mais uma vez confrontada com a impotência. Mais uma vez experiencio uma situação próxima em que aquilo que são as preocupações, os medos e as angústias são mais fortes que as coisas boas, que as razões para viver, que o amor, que a própria vida. Quando esta balança interna se desequilibra para o lado negativo, o perigo aparece. Quando nos deixamos avassalar pelos problemas, damos-lhe força. Quando pensamos sozinhos, colocamo-nos sempre do lado do problema em vez de estarmos ao lado da solução. A partilha é meio caminho andado para a solução. O desespero instala-se no peito quando os gritos ficam encravados na garganta e não desencravam. Voltam para dentro, com mais fúria e com mais força. O desespero instala-se quando alimentamos os papões e os monstros que habitam a nossa cabeça. Porque, na verdade, estes personagens não estão fora de nós. Estão dentro. Nem sequer os encontramos debaixo da nossa cama. Ou no interior dos nossos armários. Os papões existem onde os deixamos papar. Só existe um opressor se nos predispusermos a ser o oprimido. E quanto mais alimentamos estas coisas cá por dentro, mais pequeninos nos sentimos perante aquilo que somos capazes de ver da realidade. E quanto mais pequeninos nos sentimos, maiores são os papões. E quanto maiores são os papões, maior o medo e o desespero. E o desespero é o pior estado emocional que se pode ter. É exatamente a antítese da paz de espírito e da paz do coração. O medo e o desespero são altamente tóxicos. Envenenam tudo, cabeça, coração e alma. E julgam-se detentores da razão. O medo e o desespero têm sempre um argumento para tudo, daqueles quase irrefutáveis, à prova de bala. O medo faz-nos ver uma realidade que pode não existir. Pode inventar situações que nem sequer estão no horizonte. Planta pensamentos e atitudes nos outros sem que os outros tenham dado conta de nada. O medo é tramado. É tramado porque tece tramas que nem sequer existem. Apenas são construídas dentro de nós. O nosso medo pode ser muito injusto para os outros. Faz-nos julgar sem concedermos o direito de defesa. E quando o medo constrói uma tese, chama o desespero para colocar as conclusões em prática. E o desespero toma decisões de fim de linha, sem apelo nem agravo. Sem considerar os direitos do próprio nem os direitos dos outros. E o desespero é um ditador cruel e desprovido de humanidade. Atua a rasgar, a direito, doa o que doer e a quem doer. Decide os rumos que cada um deve tomar sem olhar a meios. Decide o que fazer ao próprio e decide o caminho dos outros. O desespero não é democrata nem humanista. Só quer aliviar a pressão a todo o custo, levando tudo à frente. E leva tudo à frente porque é cego e porque é um racionalista do mais primário que há: só funciona pela relação causa/ efeito. E quando marra, está marrado. O desespero tem uns chifres retorcidos que quando marram, encaixam-se e não largam a troco de nada. E o medo dá-lhe a força que ele necessita para não olhar para trás e continuar a marrar. O desespero é obtuso. Só vê naquela direção e a paisagem é horrível. E não entende que, se virar a cabeça para o outro lado, a paisagem muda de figura. Torna-se bonita e suave. E, se virar ainda mais um bocadinho, o que se apresenta pode ser ainda mais bonito e pacificador. Mas virar a cabeça quando o desespero se instala é o cabo dos trabalhos. No desespero impera a rigidez de movimentos. Principalmente daqueles que nos podem fazer observar outras perspetivas e descobrir ângulos nos quais nunca tínhamos reparado.

Quando o medo é crónico e o desespero agudo, a vida está em perigo. Literalmente em perigo pois os ecos internos são de morte, de vazio, de não querer saber de mais nada senão de desistir. Parece não haver solução. Desiste o próprio e quase desistem os outros à sua volta, por impotência. Nestes momentos é preciso manter a cabeça fria e o coração muito, mas muito quente. É preciso muito amor para dar a volta a isto. Só o amor dá cabo do desespero. Só o amor cria uma janela de oportunidade que pode deixar o medo sair. No momento crítico em que já não há nada a perder senão a própria vida (que já nem interessa) só o amor pode voltar a acender a centelha de vida e de esperança. Nestes momentos, com quem se desespera à nossa beira, parece-me que a única solução é a de abrir a goela com todo o amor que vem do nosso coração. Dizer tudo o que nos vai na alma. Escancarar os sentimentos e as emoções. Virar as nossas entranhas do avesso para mostrarmos ao que se desespera, o amor que lhe temos e como isso é importante. E mostrar, por A + B, que existe solução para tudo. Acredito piamente que tudo tem solução. Para um desesperado, estas demonstrações têm que ser a toque de amor para que as razões que tem na cabeça enfraqueçam. E para que veja as brechas nas suas teorias. Para que uns fiozinhos de luz consigam furar aquela escuridão e aquela densidade toda. Também se sabe que uma luzinha pequenina, de uma vela minúscula, tem o poder de iluminar um salão inteiro. Nunca se pode duvidar do poder e do alcance da luz. Eu não duvido. E os milagres acontecem.

De qualquer forma, o melhor de tudo é evitar o desespero. Esta é a primeira cura. E o desespero pode evitar-se, pedindo-se ajuda. Não se pode sentir tudo para dentro, sofrer sozinho, nem tentar resolver os problemas todos sem ajuda. A partilha alivia tudo. Pode não encontrar soluções imediatamente mas deixa que estas se apresentem. Pedir ajuda alivia a pressão e faz com os papões se tornem bonequinhos de brincar, desenhos animados. Pedindo-se ajuda tem-se sempre mais força e mais coragem. E consegue-se, desde logo, manter os movimentos da cabeça para se conseguir olhar os problemas de todas as perspetivas. Em vez de se gastar energia a tentar resolver os problemas completamente sozinhos, deve-se gastar energia a procurar a melhor ajuda possível. Ajudam-nos os que nos querem muito bem, os que nos amam e os que têm a cabeça fria. Ajudam-nos os que têm o coração quente para afastar o frio que nos vai na alma. Ou procurar ajuda profissional, da espécie que for necessária. Ou estas ajudas todas ao mesmo tempo. Para evitar o desespero, vale tudo. Até tirar olhos se os olhos não conseguirem ver nada de jeito e só atrapalharem. Mais vale perder os olhos do que perder a vida. É deste nível de prioridade que falamos, apesar destas palavras serem muito duras. Mas é assim mesmo. O meu confronto, ao longo dos tempos, com várias pessoas que atentaram contra a sua própria vida, dá-me a propriedade de dizer o que me parece ser a verdade nua e crua. Dura e fria. Só o saber das coisas tal e qual como elas são nos permite vislumbrar o seu combate e a sua cura. E isso eu já aprendi: a única forma de se combater e curar o medo e o desespero é com amor. Muito amor. Também daquele que nasce dentro do peito do próprio e que lá deve ficar. O amor por si próprio é a mais importante vacina contra todos os males. Se a este amor juntarmos a fé e a esperança na providência divina, o medo e o desespero deixam de representar um perigo. Fogem a sete pés como o fogo foge da água e o diabo da cruz. Tal e qual. E o mais interessante de tudo é que esse poder reside em nós próprios, cá dentro dos nossos mundos. Se gastássemos tempo a conhecer os nossos mundos por dentro, descobriríamos tesouros, poderes, capacidades, graças e talentos que dariam para nós e para o mundo inteiro, o cá de fora. A melhor coisa que aprendi na vida foi a olhar para dentro. A conhecer-me e a descobrir as minhas forças e as minhas fraquezas. E a dar graças a Deus por toda ajuda que me é concedia. Sem ajuda, sem os outros e sem Deus, pode sobreviver-se mas não se vive. Pode-se andar e até correr mas não se chega a lado nenhum. Para se evoluir, para se curar a alma, a primeirinha coisa a fazer-se é parar. Parar e parar. Em paragem, em serenidade, usar-se a cabeça. Usar-se o coração. Pedir-se ajuda. E quando se faz o que está certo, as soluções aparecem. Sempre. 

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