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Perspetivas

Há uma estrada que vamos seguindo e onde se encontram todos os cruzamentos e todos os caminhos alternativos. Parece-me que quando nascemos trazemos este caminho original que nos vai fazer passar por determinados pontos onde se recolhem determinadas aprendizagens. Assim como quem acumula pontuação para o evoluir da alma. Sei que é assim. Combinamos estas coisinhas todas com o Céu antes de virmos cá para este lado. A maçada é que não nos lembramos de nada…E então, muitas vezes, desviamo-nos do caminho original. Em vez de seguirmos pelo melhor e menos tortuoso, escolhemos caminhos alternativos, sinuosos, com muitas curvas e precipícios e que nos causam muito sofrimento. Usamos a nossa cabeça, a tal que é formatada apenas pela vida, pela racionalidade, pela causalidade, pela sociedade e pelos instintos de sobrevivência e de pertença. Esquecemos que a bagagem divina que trazemos do Céu, quando nascemos, vem toda no nosso coração. E é nele que guardamos as memórias do nosso caminho original. É lá que os nossos guias e guardiões nos vão dando pistas para seguirmos os nossos propósitos. E para sermos felizes. E para aprendermos e experienciarmos tudo o que temos para experienciar com o mínimo de sofrimento possível. Com poucas lágrimas e muitas alegrias. Mas nós teimamos em deixarmo-nos levar pela racionalidade e pelo medo. Medo de não ser, de não ter, medo de perder, medo de sermos julgados e medo de sermos rejeitados. Estes são os medos principais que por vezes nos comandam a vida. E, de forma mais ou menos camuflada, são estes os medos que nos impelem a escolher determinados caminhos, determinadas situações. Na verdade, a vergonha também é uma outra forma de medo. A vergonha e o embaraço. Não são mais nem menos do que o medo de parecermos pequeninos ou medíocres aos olhos dos outros. O medo do julgamento. E, ao contrário do que se pensa, Deus não julga. Nós é que tecemos julgamentos. Deus só ama, incondicionalmente. E tem a eternidade toda para saber que havemos de aprender e que havemos de cumprir o nosso caminho original, mais tarde ou mais cedo. Nesta ou noutra vida. Sim, acredito que temos diversas vidas. Com experiências diferentes em vidas diferentes. Só assim tudo isto faz sentido. Só assim consigo explicar a familiaridade que tenho com determinadas pessoas. Aquela sensação de conhecermos aquela pessoa à mais de mil anos. De reagirmos de forma diferente a diferentes ambientes, às sensações de já termos estado num determinado local onde nunca fomos. De conhecer cheiros e ambientes pelos quais nunca passarmos. Explica também medos irracionais e paixões inexplicáveis. Por isso, eu que não ligava nenhuma ao dia de aniversário, passei a considera-lo muito. É o dia em que o Céu deixou que voltássemos a uma vida que nos vai permitir acumular créditos na evolução da nossa alma. Tem que ser festejado. Com alegria. Com felicidade. 

Acredito que todas as nossas desditas, para além de serem as consequências dos nossos atos, são também fantásticas oportunidades de aprendizagem. Daí que tenha sempre tanta preocupação em aprender com o que me acontece e com o que acontece aos outros à minha volta. Só tenho pena de ainda não conseguir encarar tudo com a serenidade que se devia impor. Com a noção de que isto tudo é maior do que nós. De que o objetivo é muito mais amplo e profundo. Se olharmos para as coisas nesta perspetiva, corremos atrás da felicidade. Do amor. De tudo aquilo que nos pode encher o coração. Não gastamos tanta energia com os desgostos. Não procuramos manter as aparências. Não olhamos para Deus como uma entidade castigadora e castradora. Não controlamos em seu nome. Não enchemos as pessoas de pecados e de culpas. Não se faz apologia do sofrimento e do sacrifício. O Deus que vem no nosso coração é tão cheio de amor, de paz e de bondade que é incompatível com aquilo que muitas vezes dizemos e fazemos em seu nome. Lembro-me sempre da frase “ama e faz o que quiseres”. Esta pequena frase encerra toda a essência da coisa. Eu sou católica por educação. Mas sou essencialmente cristã por fé e mais uma data de coisas desde que que sejam do bem, do amor e da paz. Acredito que cada povo aprendeu uma forma diferente de se relacionar com Deus. E que todas valem desde que sejam em bem, em amor e em paz. Acredito que tudo isto é muito maior e mais integrado. As religiões separadas por ritos e por conveniências dos homens ao longo da nossa história, não me fazem nenhum sentido. É tudo muito maior, muito mais universal e mais amplo do que a maneira de cada povo ou de cada comunidade se relacionar. Deus é universal, o amor é universal e daqui decorrem todas as coisas boas. As diferenças de relacionamento com o divino não podem dividir pessoas, julgá-las ou colocá-las em gavetinhas diferentes: a dos bons que sabem tudo e a dos maus que não sabem nada e que são a desgraça do mundo. Ou a dos coitadinhos, os tais que não sabem nada e que tem que ser convertidos, à força, à nossa maneira de ver as coisas. Se nos lembrássemos que tudo isto tem a ver com o sentir e com o acreditar, não estávamos tão interessados em descobrir os saberes as verdades inquestionáveis. Não seríamos os donos da razão e salvação. 

Se fossemos menos centrados no nosso umbigo e se olhássemos para o mundo, para a natureza e para a criação com outros olhos, com olhos mais generosos e mais amplos, conseguiríamos com toda a certeza mudar os objetivos da nossa vida. Se tivermos uns olhos mais universais deixamos de nos ralar com coisinhas pequeninas que nos tiram o sossego. Deixamos de correr atrás do prejuízo e conseguimos correr atrás do amor, da paz e da felicidade. Começamos a dar importância ao que realmente tem. Cuidamos das pessoas que amamos. Deixamos de fazer opções em função do medo. Deixamos de fugir das chatices e dos problemas e encaramo-los também como oportunidades de aprendizagem. O que é bom na nossa vida passa a ter mais poder do que aquilo que é mau.  Passamos também a perceber que as coisas são muito efémeras. São passageiras. Que num sopro tudo pode mudar. Podemos partir a qualquer momento. Se pensarmos sobre isto, se tivermos esta noção, vivemos de forma mais desapegada mas mais intensa. Procuramos viver o presente e o aqui e agora. Procuramos dizer que amamos quem amamos. Aproveitamos todos os momentos de alegria, de felicidade, de partilha. Sentimos profundamente cada abraço, cada palavra bonita, cada sorriso que nos dedicam. Se encaixarmos nas nossas cabeças que um segundo é o suficiente para virar as nossas vidas de pernas para o ar, seremos muito mais gratos. Vivemos sem fazer tantos planos. Sem tantas programações. Sem tanta futuralidade. E teremos tempo para tudo. Principalmente para fazer o que nos dá alegria e o que nos ajuda a manter a saúde, física, psicológica e espiritual. Por outro lado, cuidaremos, por amor, sem obrigação nem sentido de dever, de todas as pessoas que amamos e que nos amam. Procuramos dedicar-lhes um bocadinho do nosso tempo. E não só para dentro de nós próprios. Faremos com que o outro perceba como é amado, como é querido, como lhe temos afeto. Sempre que damos um bocadinho de felicidade aos outros, estamos amealhar créditos dos bons. Ficamos também mais alegres e mais felizes. 

Se se tiver esta noção um bocadinho mais da ampla da nossa existência, deixamos de passar a vida a correr sem saber para quê. Às vezes talvez para não pensar na vida. Ou para não ouvir os próprios pensamentos. Para se fazer de conta que não se passa nada. Ou para ver se os problemas se resolvem sozinhos. Outras vezes andamos cheios de stress, de ansiedade, cheios de pressa. O problema é que um dia, a bem ou a mal, o stress acaba. A vida, algures vai ter uma paragem, por opção nossa ou porque nos resolve parar. E, de repente, colocamos a cabeça de fora, e não está lá ninguém. Todas as pessoas de quem não cuidámos enquanto andávamos nas correrias, foram à sua vidinha. Cansaram-se de esperar. Cansaram-se de dar sem receber em troca. Cansaram-se de dizer que existiam e que eram importantes. Cansaram-se de tentar furar a corrida e de ter alguns momentos de amor, de sossego e de partilha. Cansaram-se e desistiram. E quem corre fica sozinho, em solidão, sabendo ainda menos sobre porque é que corria. A questionar o sentido das coisas e até da própria vida. Olhando para trás e vendo as mãos vazias do que interessa. O coração sem pertencer a lado nenhum. Não digo para vivermos cada dia como se morrêssemos amanhã. Mas deveríamos pensar que se calhar podemos desaparecer na próxima semana ou no mês que vem. E deveríamos cuidar de deixar boas recordações aos nossos queridos todos. Deveríamos ir fechando processos, não deixar rancores e desgostos em aberto, sem estarem resolvidos. Cuidando da nossa alma e do nosso coração. 

Sempre que tenho coisas entaladas para dizer a alguém ou sempre que me sinto magoada por alguma coisa, sofro duas vezes. Uma, porque estão entaladas. Outra porque gosto de as deixar tratadas não vá o bilhete de ida já estar marcado para breve. Isto é autêntico. Tenho esta noção clara de que a qualquer momento as coisas podem mudar para qualquer lado. Até tento educar as minhas crias para a autonomia no sentido de serem o menos dependentes de mim possível. E, no meu íntimo, procuro ir vivendo como se pudesse partir a qualquer hora. Daí que as coisas, as palavras e os sentimentos que me ficam atravessados me façam tanta mossa. Prefiro resolver, tratar e fechar. Infelizmente nem sempre isto é possível de ser feito. Desatravessar o que está entalado por vezes não depende só de mim. As outras pessoas não têm culpa que eu tenha esta perspetiva de vida. E aquilo que são as minhas referências, as minhas crenças e as minhas necessidades não são as dos outros. Aquilo que para mim pode ser a verdade ou a forma de libertar uma emoção menos boa, pode entristecer ou até ofender a outra pessoa. Este equilíbrio é sempre difícil de encontrar. Tal como o equilíbrio entre a efemeridade das coisas e o dar tempo ao tempo. Ou ao aguardar que o tempo traga calmamente a verdade e que se encarregue de colocar as coisas na sua devida ordem. Esta gestão pessoal que faço do tempo não é fácil. Com esta noção de que a qualquer momento aquilo que conheço se pode acabar e, em simultâneo, que a paciência e que o tempo são excelentes a resolver problemas, a retirar dúvidas e a trazer sabedoria. E a mudar formas de viver. E a ajudar a evoluir enquanto alma. E a mostrar caminhos, os originais e os outros. Gerir o tempo é muito difícil. Gerir a noção de tempo na nossa vida é uma arte.

Procuro ter tempo para tudo. Tenho um relógio e um calendário na cabeça. Não posso deixar que umas coisas atropelem as outras. Que a agenda me cilindre e que não me deixe cuidar de quem para mim é importante. Procuro cuidar de mim (uma aprendizagem relativamente recente) e cuidar dos outros. Tem que haver tempo para tudo. Tenho que saber estabelecer prioridades - outra arte. Temos que saber o que verdadeiramente importa. O que nos deve consumir mais tempo. E não pensem que falo de barriguinha cheia. Não falo. Feliz ou infelizmente dou conta da minha vida praticamente sozinha. Não tenho família perto de mim que me ajude a cuidar da vida. Às vezes ainda é a família que me pede para ajudar a cuidar dela. Tenho emprego, tenho duas crias, tenho a vida toda para resolver. Não tenho quem me resolva quase nada. É assim. A minha vida é o produto das minhas escolhas. Claro que por vezes me apetecia ter quem cuidasse de mim em vez de ser eu a cuidar habitualmente dos outros. Às vezes apetecia-me hibernar e não querer saber de nada. Apetecia-me que alguém me trouxesse um leitinho quente à cama e me aconchegasse os lençóis. Mas não tenho e não vale a pena gastar energias com o que não se tem. Vale a pena darmos graças a Deus pelo que temos e olhar para nós e para a vida com olhos de ver. Vale a pena descobrir o que se pode fazer, no meio das nossa vidas, para sermos mais felizes. Vale a pena estabelecer prioridades. Vale a pena focalizar no importante. Para isto é preciso que se pare de vez em quando para nos ouvirmos. Para verificarmos o rumo. Para olharmos para as estrelas com contemplação. Para vivermos com intensidade em vez de vivermos anestesiados. Costumo dizer que a idade é uma coisa maravilhosa. E é! Hoje sou capaz de tirar alegria e felicidade de coisas e situações que aos vinte anos não ligava nenhuma. Alguém escreveu que a juventude é mal empregue nos jovens. E é verdade! Mas para termos maturidade e sabedoria temos que passar pela ordem natural da vida. E se mantivermos a frescura e a irreverência no coração, a maturidade traz tanta paz e tanta serenidade. Procuro também lembrar-me de que não sou dona de nada. Não tenho nada e nem a mim própria me pertenço. Apenas tenho o usufruto de algumas coisas e que apenas sou de quem me guarda no coração. E que, na verdade, no fim do dia e expurgado tudo o que não tem valor, é isso mesmo que interessa. Pertencer ao coração das pessoas e ter amor, paz e alegria no meu próprio coração. Este é o objetivo da minha vida. Só quero ser feliz. Na minha forma própria de ser. Gostando do que gosto e gostando de quem gosto. Com as minhas diferenças e com as minhas teclas. Com o meu mau génio que tento corrigir sistematicamente (nem sempre com sucesso). E no meio desta salganhada toda, estabeleço prioridades. E uma amiga não pode ser menos importante do que a as gavetas que estão por arrumar. Um amor não pode ser menos importante que um pensamento ou que um afazer. E ao contrário do que aprendi e ao contrário da forma como fui educada, as devoções devem vir primeiro do que as obrigações. Primeiro tem que vir o amor e as pessoas e depois os deveres. Ponto final parágrafo! E isto não quer nada dizer que não se deva fazer bem feitas as nossas tarefas, o nosso trabalho, os nossos afazeres. Tudo deve ser feito com rigor. Mas a cada coisa a sua verdadeira importância e o seu próprio tempo. E no estabelecimento de prioridades, é necessário ter-se uma balança que nos ajude a decidir. Em todas as escolhas existem vantagens e desvantagens. Mais dinheiro ou mais tempo com os filhos? Tudo por ordem alfabética ou a alegria de uma boa partilha e de uma boa conversa? Meditar ou ver as notícias? Descansar ou caminhar? Em verdade não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. Mas tem que haver tempo para tudo, em particular para o que é mais importante. Este tema interessa-me muito pois tenho à minha volta pessoas que me são muito queridas e que correm o tempo todo como se andassem sempre em urgência, a apagar fogos e a salvar vidas. Mas estão a perder a sua própria vida. Não usufruem dela. Dão cabo da saúde e sentem-se sozinhas. E não há nada que eu possa fazer. É assistir e pronto. E ir-me deixando estar para daqui a nada ajudar a apanhar os cacos e a colar os pedacinhos. Se sobrar algum para colar. Enfim! Porque será que estas pessoas, de quem gosto tanto, não conseguem olhar verdadeiramente para elas e estabelecerem a suas próprias prioridades, para o lado certo?! Seres humanos com tantos talentos, com tanta bondade e com um coração tão grande e tão perdidos. Sem conseguirem encontrar rumo para a vida. Sem encontrarem um sentido para as coisas. Sempre em esforço, em cumprimento do dever e fazendo a apologia do sofrimento. Outra vez enfim! Se olhassem para vida com os tais olhos generosos, seriam capaz de olhar para dentro de si também com generosidade e perdiam o medo de encarar a vida de frente. Tal como ela se apresenta, em função da evolução da alma de cada um. Em função do bem supremo da mesma, por muito esquisito que isto possa parecer. 

Na verdade, certas coisas não se podem explicar nem ensinar. Cada um tem que as descobrir. Tem que as sentir. A sabedoria tem que vir de dentro para fora. O conhecimento vem de fora para dentro mas a sabedoria vem de dentro para fora. A forma de olhar a vida, de nos posicionarmos, de encontrarmos um sentido para tudo o que nos acontece tem que vir de dentro. Daí que por vezes sofra tanto por impotência e de frustração. Porque consigo vislumbrar os desacertos das pessoas que adoro e não posso fazer nada com isso. Não consigo ajudar. Não consigo transformar as vidas dos que amo em vidas melhores. Mais calmas, mais cheias, mais plenas. E isso dói-me. É uma das tais situações em que só amor não chega. Porque apenas cada um de nós pode e deve fazer as suas escolhas em pleno exercício do livre arbítrio, o tal que é sagrado. Eu sei e respeito isto. Mas que me dói, dói. Ver a malta a bater com a cabeça na parede e continuar a bater até sangrar, dói-me. Ver os meus queridos a entristecerem de dia para dia, dói-me. Vê-los a fecharem-se à vida, dói-me. Sentir o desespero de quem gosto tanto, dói-me. Sentir a vontade de desistir da vida a quem ilumina tanto a minha, dói-me. E a única coisa que posso fazer é deixar doer. E ir pairando. Conforme me deixam. E pedir a Deus para eu própria não desistir por cansaço. Por impotência. Tenho esta cruz de ao longo da minha vida amar gente que não se sabe deixar amar. Que às vezes não se ama ou que não acredita na força do amor. Eu que amo tanto a vida e as coisas boas que ela coloca ao nosso dispor, tenho convivido e amado pessoas que não a apreciam, que neste ou naquele momento querem acabar com ela. Parece que todo o meu amor não chega para as agarrar. Para lhes dar alento. E sofro com isso. Sempre sofri desde que me lembro de ser gente. E por aqui continuo. 

É bem verdade que a vida nos faz conviver com o nosso reflexo (para provarmos do nosso próprio veneno, como costumo dizer) e com a nossa antítese para podermos ver o outro lado das coisas. Para não ficarmos agarrados apenas às nossas perspetivas e referências. É muito importante sabermos aceitar as diferenças. A diversidade. Com humildade e sem arrogância. Sem o juízo de valor a julgar se o outro que é diferente de mim é melhor ou pior do que eu. Aceitar que é apenas diferente. Que vê diferente. Que sente diferente. Que faz de forma diferente. Que é capaz de coisas diferentes. Que lhe doem coisas diferentes. E aquilo que a mim me pode destroçar, pode dar ânimo ao outro. Estas lições que a vida nos proporciona são preciosas do ponto de vista da nossa alma. Agora..., lá doer que se fartam, doem! Integrar as experiências, as vivências, as emoções e todas as parcelas do mundo e das outras pessoas que nos são dadas a ver, é um processo difícil. É um processo que rebenta costuras. Que abre feridas. Que sangra. Que faz deitar muita lágrima. Eu que sou uma chorona, choro que me farto. Por tudo e por nada. Mas não me importo. Por vezes lá tenho que chorar para dentro, sorrindo por fora. Faz parte da minha própria natureza emocionar-me muito com as coisas. Reparar nas pessoas, nas suas emoções, no seu não-verbal, nas suas feridas, no seu coração. Faço estas coisas automaticamente sem pensar. Faz parte de mim. Eu adoro pessoas. Embora cada vez saiba menos sobre elas. E cada vez me reserve mais. Também tenho que me defender um bocadinho. Não gosto de o fazer, mas tem que ser para conseguir manter a minha própria integridade. Para não sofrer tanto. Para não passar a vida a trancar e a destrancar o coração. A dar e a recolher em alternância. A ser e não ser, a ter e a não ter ao mesmo tempo, mesmo que isto desafie as mais elementares leis da física. Tenho procurado não ter o coração tão perto da boca. Desloquei-o um bocadinho para a ponta dos dedos com os quais escrevo. E vou deixando que ele se extravase por aqui, nas minhas escrituras, nos meus textos. Não é por acaso que começo um texto com um tema, com um propósito e a meio a coisa inflete para outro lado qualquer. Conforme dá ao meu coração ou ainda conforme a força que as palavras fazem para serem escritas. Pelos vistos, na minha vida tudo tem uma vida própria, cheia de vontades bem vincadas! A chatice é que eu também sou torrona e com uma cabeça muito dura, obstinada. E ando sempre à pega com o meu coração e com as veias que derramam palavras. Se isto fosse em sangue, diria que a hemorragia poderia ser fatal. Quando estes impulsos me dão, tenho que os deixar sair. Na verdade, eu sou daquelas pessoas que facilmente deixa adoecer o coração. Se não der conta de mim, fico doente pelo que sinto. Tenho que estar muito atenta e cuidar do meu interior. E este adoecer é uma coisa muito minha, que quase só eu compreendo. No entanto, fui aprendendo a viver com esta minha característica e fui encontrando estratégias de cura. Desde menina pequena que o sofrimento me faz companhia. Tem a ver com a minha vida e os meus contextos. Com as minhas raízes. Na graça de Deus, este sofrimento anda a par com todo o amor que carrego e com toda a alegria sinto, que me está na essência. Como o amor cura tudo (eu acredito que sim, desde que se queira) procuro ir encontrando formas do amor ser sempre mais importante e mais poderoso do que a dor e do que o sofrimento. Escrever ajuda-me tanto! Liberto do sistema o que causa a dor. É como quem tira um espinho cravado no coração. Fica lá a ferida mas em processo de cicatrização. Pelo menos deixa de sangrar tanto. E ajuda-me. Depois de deixar sair o que me invade, fico mais em paz. E, como se sabe, a paz no coração é a melhor das emoções. O mundo pode ruir que nós não ruímos com ele. Permanecemos em paz. E a paz faz o suporte da sabedoria e do amor. Não existem uns sem os outros. Como disse antes, o meu único objetivo de vida é ser feliz. Sei, no entanto, que a felicidade não se alcança sem a paz, sem a sabedoria e sem amor. Tudo a conviver em harmonia.
 
E este é que é o busílis: harmonizar o nosso ser, a nossa alma, o nosso pensamento e o nosso coração com a nossa vida, com as nossas experiências e vivências. 

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