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Caminhadas e carpas

Ontem fiz uma das minhas caminhadas. Daquelas que me fazem bem ao corpo e à alma. Enquanto caminho, aprecio a paisagem e vou colocando os pensamentos em ordem. Vou arquivando ideias, trabalhando emoções e destilando as saudades. Como se sabe, sou muito atreita a saudades. Quando me falta o que me faz falta, as saudades aparecem fazendo um ruído que quase dá conta de mim. Procuro mobilizar todos os recursos possíveis e imaginários para me ir contendo. Para não me desorganizar, para chorar só por dentro. Ando a ficar perita em chorar sem ninguém dar por isso. Um choro a sério com soluços e tudo. E lá vou caminhar e apreciar a criação. Ontem vi um monte de peixes, carpas, penso eu, a irem ao sabor da corrente da ribeira. Apenas se deixavam ir pela ribeira abaixo, sem esforço. Sem gastarem energia a contrariar a força das águas. E pensei em como uns bichinhos de sangue frio sabem tão bem o que fazer. Como aproveitam o que está ao seu dispor e como têm a sabedoria de não contrariar a força da natureza por razão nenhuma. Apenas se deixam ir, calmamente, sem medo, sem esforço, sem sofrimento. Até as carpas são verdadeiros exemplos para a nossa vida. Porque não seguimos o curso que o nosso coração manda? Porque teimamos em usar (e estragar tudo) com a cabeça? Impressionante como o facto de termos sangue quente nos dá muito mais medo e nos faz hesitar sobre para que lado havemos de ir. A carpa usa o seu instinto. Nós usamos toda a nossa capacidade de processamento. E processamos tudo, até as situações e as pessoas se transformarem naquilo que queremos que elas sejam para legitimar as nossas escolhas. A maioria das vezes as nossas escolhas não aproveitam a força da corrente nem a direção do vento. Não seguem o correr das águas. Isto porque não somos capazes de ler os sinais, de ouvir o coração, de perder o medo do desconhecido. Acham que uma carpa com cérebro pequenino sabe o que está no fim da ribeira? Não sabe. Apenas se deixa ir com a confiança de que é o caminho que tem que seguir. Porque o contexto a leva. Porque sente que é o melhor para si. Mesmo sem saber projetar nada no seu futuro. Sem saber o que a espera. Quem haveria de dizer que as carpas são peixinhos com fé?! Pois são. Pelo menos foi o que me pareceu ao ver um cardume enorme a simplesmente aproveitar o que a vida, naquele momento, lhe proporcionava. E para isso é preciso ter-se fé. Da boa. Da rija. Daquela que confia, entrega e acredita sem "mas" nem "ses". Se observarmos a natureza com atenção, conseguiremos aprender muito sobre o mundo e sobre nós próprios. A observação e a contemplação são atividades que me organizam. Que me serenam. Sem as quais não sou capaz de viver. Este meu lado contemplativo apazigua o meu lado mobilizador e resolutivo. Trava-me os ímpetos. Para além deste respirar o ar da criação, a beleza natural das coisas emociona-me profundamente. Esta vossa amiga é capaz de se emocionar com uns patitos atrás uns dos outros ou com umas rãs estrelicadinhas a apanharem sol. E se uma tartaruga colocar a cabecita de fora da água também merece um sorriso rasgado. É tão fácil sentir-se o sopro de Deus em todas as criaturas. Basta um olhar atento, com olhos de ver. Se olharmos com atenção, Deus manifesta-se em todos os seres vivos. Para mim isto é evidente. Basta apreciar-se a especificidade de cada ser vivo. A unicidade de cada espécie. O instinto inexplicável de cada bichinho, por mais insignificante que seja. O estar na natureza apazigua-me. Sinto-me pertencer. Sinto-me inteira. Com o cheiro da terra e o correr das águas. A ouvir o grasnar dos patos e som dos insetos. A receber a energia do sol e ao sentir a brisa no rosto. Todos os meus sentidos se apuram e se entregam. Esta entrega ao que me ultrapassa é sublime. Este bem estar exterior ajuda-me a organizar por dentro. A arrumar os meus mundos e a colocar ordem nas minhas entranhas. Ajuda-me a meditar. A encontrar explicações, soluções e sabedoria. Ajuda-me a tratar das saudades. Ajuda-me a secar as lágrimas que correm por dentro. No fundo, o que importa é o que nos faz bem. Em todos os contextos da nossa vida. Devemos lutar por manter tudo o que nos faz bem. E, neste momento, o que está ao meu alcance é umas valentes caminhadas, preferencialmente com natureza à mistura. Fazem-me muito bem. Vou manter. 

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