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A questão dos palavrões

Estive a ler um delicioso texto sobre a importância dos palavrões. Isto nem parece literatura para uma senhora. Mas na verdade uma senhora também diz uns libertadores palavrões. Pode dizer para dentro. Pode dizer às escondidas onde ninguém a oiça. Mas diz. Se não disser, terá que ter outras estratégias libertadoras que mobiliza imediatamente em qualquer situação de urgência. Eu gosto de pensar que sou uma senhora mas digo palavrões. Como tenho uma têmpera um bocadinho insuflada, zango-me com muita facilidade e emociono-me com igual facilidade, tenho sempre um palavrão à mão para libertar a tensão. Alguns deles ainda me dou ao luxo de dizer na companhia de algumas pessoas, mais íntimas ou mais especiais. Por vezes, mea culpa, também me saem uns palavrões (pouco cabeludos) em situações de trabalho em que o caldo se entorna. Outras vezes digo para dentro, escondidinha do mundo. Mas lá que é libertador, é! Por outro lado, um palavrão bem aplicado resolve logo o problema. Ou resume a situação em, no máximo, 3 palavras. São só vantagens em termos de economia de tempo e de energia. Outra vantagem é que o nosso interlocutor percebe a coisa também tal e qual como a expressamos. Normalmente não há margem para erro. Que pena esta coisa da educação distinguir as palavras que podemos ou não dizer. Sendo-se uma senhora ainda o caso se coloca com mais rigor. Uma senhora não diz palavrões e ponto! Pois, socialmente, não diz. Na intimidade, pode dizer o que lhe apetecer sem perder a compostura. 

Este assunto faz-me sempre lembrar uma história real que se passou entre mim e a minha cria adolescente. Também uma menina que eu quero à força que se transforme numa senhora. Impingimos as regras de compostura para que se saibam comportar como deve de ser em todas as situações e contextos. É assim mesmo. Moemos a cabeça das adolescentes com estas regras de comportamento e de etiqueta. Não nos podemos é esquecer de as moer com as coisas que verdadeiramente interessam, nomeadamente as questões emocionais, o respeito ao próximo e à natureza, a compaixão, a solidariedade e etc. Mas isto é outro assunto. Vou continuar com minha história dos palavrões. Um dia, a minha cria estava a contar-me um episódio qualquer de umas raparigas a dizerem um monte de palavrões no autocarro. Encurtando a história e os pormenores desnecessários, eu respondi-lhe que não gostaria nada que a minha filha dissesse palavrões. Que é muito degradante ouvir-se uma menina a abrir a boca e aqui vai disto. E disse-lhe ainda, na minha palermice maternal (sim, as mães às vezes são palermas todos os dias, para não dizer uma coisa pior) para ela nunca dizer palavrões. Esta minha cria, que tem para aí 50 costelas das minhas, embora ainda sem filtros e sem a serenidade própria da idade, responde-me como sempre, com o coração ao pé da boca e com as suas verdades tão vincadas. E diz-me assim qualquer coisa do género: “ Ó mãe, eu sou uma pessoa normal, não é verdade? É claro que eu digo palavrões como todas as pessoas normais! Não os digo é assim em frente às pessoas, nem no autocarro!!!”. E eu, mãe com a mania da perfeição, lá enfiei a viola no saco e fui à minha vida. É que ela tem razão. Toda a pessoa normal, diz uns palavrões. Mais do que tudo, o importante é termos um recurso mesmo ali ao dispor para libertarmos o que nos causa impacto. Pode ser outra coisa qualquer. Podemos partir um prato. Alivia que se farta! Mas para além de não termos sempre um prato à mão, faz muito barulho, muita bagunça e pode sair um pouco dispendioso. Um bom palavrão tem o volume sonoro que nós lhe dermos, não deixa cacos nem rasto, nem sai nada caro. É até gratuito. Só vantagens! (Até agora ainda não consegui encontrar nenhuma desvantagem no dizer de palavrões…para além do parecer mal e de não ser socialmente muito bonito. Na verdade só tem a ver com as aparências e não com as essências).

O que importa no meio desta conversa toda é que não somos perfeitos e temos que desabafar, retirar do peito o que nos incomoda. De uma forma ou de outra, devemos fazê-lo. Por vezes somos como uma chaleira que tem que libertar o vapor naquele exato momento ou rebenta. Salta-lhe a tampa. E nós devemos evitar que as tampas nos saltem e que os vapores que não saem para a atmosfera se vão refletir no nosso corpo sob a forma de mal-estar ou até de doença. São estes vapores maléficos que passamos a vida a transformar em maleitas físicas. Pomposamente, de forma mais moderna, dizemos que é do stress. Ninguém se dá ao luxo de dizer que é da dor emocional, do sofrimento, da mágoa, da tristeza, da falta de amor, da rejeição, da solidão e etc. Parece que diminui a malta. Fica-se mais pequenino e indefeso aos olhos do mundo. O stress sempre é socialmente melhor aceite. Todos fazem de conta que entendem mas ninguém percebe verdadeiramente qual é o problema. E fica tudo na paz do Senhor. Eu que tenho esta mania de chamar as coisas pelos nomes e que também somatizo as dores que me aparecem (às vezes não há palavrão que chegue para resolver o assunto) sou o mais apologista possível de qualquer estratégia (que não prejudique ninguém, claro está) que sirva para libertar a tensão. É imperativo olharmos para as nossas dores e trata-las. Aceitá-las, saber que existem, saber a razão pela qual existem e fazer-se alguma coisa com isso. Isto é muito importante para não rebentarmos fisicamente e até psicologicamente. Tantos problemas de pele, de alergias, de dores articulares, musculares, problemas de coração e de fígado que surgem com origem emocional. Para não falar em problemas cardíacos ou vasculares, daqueles bem graves. Parece-me muito importante que se tenha esta consciência. Sofremos todos do mesmo mas precisamos ter a consciência de que sofremos. E que precisamos de aliviar o sofrimento de qualquer forma. Temos que ter a consciência de que temos que poupar o nosso corpo e a nossa mente, o mais que nos for possível. É imperativo não esticarmos tanto os limites. Este casulinho que Deus nos deu para abrigar o nosso coração e a nossa alma não tem recursos infinitos. Nem uma resistência à prova de bala. É muito complexo e de muito boa qualidade mas não é eterno nem muralhado. E somos nós que temos que cuidar desta casquinha que nos permite viver a nossa vida com melhor ou com pior qualidade. 

Quem haveria de dizer que chutar uns palavrões no momento certo é altamente benéfico para a saúde? Realmente…

No mesmo comprimento de onda poderemos reparar que nem tudo o que é socialmente aceite e até desejável nos faz bem. Por vezes até nos é altamente prejudicial. A sociedade sempre padroniza, uniformiza, encontra médias, medianas e desvios padrão. E tudo o que é uniformizado e padronizado pode retirar a unicidade de cada pessoa. Pode retirar a criatividade, a liberdade e até a sua própria intimidade. Todos desejamos ser aceites mas ninguém deseja ser igualzinho ao vizinho do lado. Este equilíbrio tem que ser gerido. E só se gere se soubermos estabelecer a nossas próprias prioridades. A nossa hierarquia de classificação da importância das coisas. Na minha opinião, o primeiro passo para tudo é sempre olhar para dentro. Descobrir dentro. Encontrar o rumo, o caminho, os valores dentro de si próprio. Quando se tem boas estruturas internas, o exterior não assusta. E já podemos ter um comportamento adaptado sem nos misturarmos nas águas, sem entrarmos em processos de osmose onde podemos perder a nossa própria identidade em função dos conjuntos, dos grupos e das médias estabelecidas sabe Deus por quem e com que propósito. 

Vale a pena retirar uns minutinhos dos nossos dias para pensarmos no porquê das coisas. Porque fazemos isto ou aquilo. Porque seguimos por este caminho ou por aquele. Para meditarmos sobre os nossos sonhos, os nossos desejos, as nossas vontades. Para refletirmos sobre as nossas dores, sobre as nossas escolhas. Todos os dias devemos tirar um bocadinho para nos encontrarmos connosco próprios. Para olharmos para dentro. Se todos os dias nos olhamos ao espelho para ver o alinhamento do nosso aspeto e para o melhorarmos, porque não perdemos um bocadinho a olhar para dentro? A alinhar a nossa vida interior? Também devemos andar bem asseadinhos e penteadinhos por dentro…E nada de lavar a correr nem de pentear a correr. Não pode ser. O nosso interior vale o universo inteiro. É preciso dedicar-lhe tempo. Todo o necessário. É esse que levamos para Deus quando o exterior que conhecemos se acabar…e a pergunta que se impõe é: o que queremos entregar a Deus? É que esta escolha é exclusivamente nossa. E podemos entregar-lhe o melhor de nós próprios. E o melhor de nós próprios é bom que se farta se o soubermos descobrir. E, se lhe regarmos os pezinhos, como se faz às plantas, é só dar-lhe luz e o florescimento faz-se por si próprio. Os milagres acontecem. Afinal parece-me que a escolha do que temos no peito também passa pela nossa atitude: podemos ter flores a perder de vista ou patas de elefante pesadas e imobilizadoras. Mais uma vez, a escolha é nossa. (Diz que os palavrões podem servir de adubo às florinhas e que espantam elefantes inteiros com patas e tudo…quem sabe, diz que sim.)

Resumindo: dizer ou não dizer um palavrão, eis a questão!

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