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O outro lado do medo

“Tudo o que queremos está do outro lado do medo.”


Mais uma leitura e mais uns pensamentos. Já me fartei de refletir sobre esta frase. E já escrevi muitas vezes que o medo é a antítese do amor. Que o medo é que nos tolhe a ação. E que muitas vezes tomamos decisões em função do medo (mais ou menos disfarçado) e não em função do amor. E que lhe damos muita importância. Gastamos mais energia com o que nos faz mal em vez de a gastarmos com o que nos faz bem. Gastamos mais recursos a fugir do medo do que a enfrentá-lo. Gastamos mais energia a esconde-lo ou a atafulhá-lo nos nossos baús internos do que a fazer desabrochar o amor. Parece ser a natureza humana…eu não acredito nisto. Parece-me que a nossa natureza, a nossa essência é divina, faz parte de Deus e, logo, tem que ser de amor e não de medo. Mas como ainda somos aprendizes nestas coisas do ser divino, ainda nos moemos e prendemos ao medo em vez de nos entregarmos ao amor. 

A primeira pergunta que se impõe é a seguinte: o que queremos realmente? O que buscamos? O que nos move? Esta pergunta é muito importante e a resposta deve ser muito honesta. Não vale aquela coisa do ter muitos bens, dinheiro, segurança, o sucesso e afins. Porque os bens , o dinheiro, a segurança e os afins que desejamos dão-nos a ilusão de assim termos paz. Sossego. Felicidade. Alegria. Coração cheio. Mas não é verdade. Podemos ter tudo materialmente e sentirmo-nos em total vazio. Em total solidão. Em tristeza. Parece-me que no fim de tudo expurgado, se formos capazes de fazer este exercício, de colocarmos a nossa alma e o nosso coração a nu, descobrimos que todos desejamos coisas bem simples: paz no coração acima de tudo, amor partilhado, sentir-se amado, serenidade, alegria, e dormir em repouso absoluto, com a consciência tranquila. Resumindo: coração cheio e paz abundante. Se existir paz é porque tudo está no seu devido lugar. Mais uma vez, estas coisas não se adquirem de qualquer maneira. E, ao contrário do que se pensa, conquistam-se de dentro para fora. Do nosso interior para a vida. Bem sei que isto é difícil de entender ou de fazer. É uma busca contínua, é um desafio e um esforço diário, de todas as horas. Se não tivermos medo de enfrentar o que nos dói, o que nos faz mal, conseguimos encontrar a paz. Por isso, o coração cheio e a paz abundante estão do outro lado do medo. E estão mesmo. Só enfrentando os nossos medos é que conseguimos conquistar estes bens tão preciosos. E devemo-nos lembrar que o medo não existe em si mesmo ou associado a alguma coisa em particular. O medo existe em nós. Cá dentro. No nosso âmago. Um exemplo muito simplista: há quem tenha medo de andar de avião. O avião não tem o medo em si, nem mete medo nenhum. Há pessoas que adoram, outras têm um medo que se pelam ou até fobia. Então, vamos colocar o medo onde ele efetivamente existe: dentro de nós. Não há volta a dar. Claro que existem coisas e situações que podem ser mais assustadoras. Pois um tufão é bastante assustador e causa-nos medo. Se for em cima da nossa cabeça. Se for no deserto não fará mal a ninguém. Tudo tem que ser uma questão de perspetiva. E medo cá dentro temos todos os dias. Tufões e coisas parecidas acontecem uma vez em cada década. E, mesmo assim, na presença do tufão, temos que gastar energia a encontrar soluções para sobrevivermos sem um arranhão em vez de gastarmos energia a tremer e a maldizer a vida. Também a beleza da vida está no nosso interior. Tal como o medo. Depende da nossa maturidade pessoal e espiritual escolher o que queremos fazer com toda a bagagem que carregamos. Depende igualmente de nós, escolhermos o peso que esta bagagem interna tem. É uma coisa muito densa e pesada, como o medo, a solidão, a tristeza, que nos verga a coluna e nos prende ao chão ou será uma bagagem leve de paz, de liberdade, de amor? Porque não escolhemos a bagagem que nos dá asas nos pés e nos ajuda a levitar livremente pela vida? 

O engraçado é que é muito fácil concordar-se com tudo o que por aqui fui dizendo. Toda a gente diz que é assim mesmo e blá, blá, blá. Mas e que tal fazer? E que tal tomar as decisões que nos trazem paz e alegria e confiar-se na providência divina? Aquela que sempre nos acompanha, e que nos mostra as soluções quando tomamos as decisões certas? E que tal ter confiança no céu? E que tal não ter medo de nada? E que tal olhar para a vida como um presente diário que amanhã pode não estar cá? Que tal olhar para dentro e ser capaz de tomar as decisões em função da paz e do amor e não em função do medo? O medo de sofrer ou a fuga do próprio medo? Que tal não tomarmos as decisões fazendo de conta que o medo não existe? Que tal não termos medo de sermos julgados? Que tal não termos medo de perder agora para ganharmos a paz um bocadinho mais à frente? Que tal não termos medo de dizermos que tomamos péssimas decisões no passado? E depois? Não estamos a ter as consequências dessas decisões? Não estamos a aprender? E depois? Não é isso que andamos cá a fazer? 

Porque temos tanto medo da sua própria antítese? Porque o amor nos assusta tanto? Porque não procuramos o que nos faz verdadeiramente feliz? É que nós sabemos o que nos dá paz e o que nos faz feliz…porque nos prendemos ao medo? A liberdade também é tão nossa e tão interna que nada na vida a pode tolher…porque não temos esta noção? E porque não nos sentimos livres apesar dos pesares? 

Porque precisamos de competir com os outros para nos sentirmos bem connosco próprios? Porque precisamos de agredir para nos sentirmos fortes? Porque precisamos de humilhar para nos sentirmos importantes? Porque precisamos de mandar para sentirmos que fazemos a diferença? Porque precisamos de atacar para nos defendermos? Porque temos tanto medo, Deus nos valha?! Medo de nós próprios, principalmente. Falta de amor. Amamo-nos muito mal. Muito mal a sério. Se não conseguirmos pensar sobre nós, não nos conseguimos amar e não conseguimos amar ninguém decentemente.

Talvez esta seja a maior conquista de uma pessoa. Amar-se e encontrar a paz no coração. Tudo do outro lado do medo. O que me faz pensar que se encontrarmos todos os nossos medos, e descobrirmos os lados todos que têm, conseguimos conquistar tudo o queremos, lá do outro lado. Está verdadeiramente ao nosso alcance. 

Tudo pode ser como é, apenas depende da nossa atitude e dos olhos com que olhamos para o mundo. Um exemplo ilustrativo que faz toda a diferença na forma de encarar a vida: o que prendeu Jesus Cristo à cruz não foram os pregos, foi o amor que Ele nos tinha. E foi uma escolha própria, cheia de coragem, enfrentando o medo e deixando vencer o amor. E é suposto os seus discípulos serem reconhecidos pela forma como se amam uns aos outros, e não pelo medo do inferno, dos pecados, culpas, regras e grilhões. Faz toda a diferença, não é? Para mim fez um mundo de diferença.

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