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Tristezas de outono

O dia hoje está sem sol. Os dias sem sol fazem parte da vida mas não são tão bonitos como os dias iluminados. Quando o sol brilha, mesmo que o nosso coração esteja triste, a alegria volta mais depressa.

Hoje o dia está cinzento por fora e triste por dentro. Assim, um não consegue compensar o outro. Sempre que estou triste procuro uma fonte de alegria para poder contrariar essa tristeza. Por vezes basta-me uma boa caminhada ao ar livre para me colocar os pensamentos em ordem e o coração em sossego. Hoje não me parece que a caminhada ajude. O tempo está sisudo e choramingão. Só ajuda a somar nostalgia à tristeza. Não é que esteja com uma tristeza profunda e dilacerante, daquela que só se cura a toque de lágrima. Hoje estou com uma tristeza miudinha, daquela que mói devagarinho mas com compasso, com ritmo. Com a aparente mansidão de um dia nebulado de outono, que não anda nem para a frente nem para trás. Claro que estas tristezas miudinhas e mansas, de um momento para o outro, tal como um dia nebulado de outono, pode transformar-se numa tristeza profunda, numa daquelas que destroça ou ir-se embora como quem não quer a coisa. Um dia nebulado de outono pode dar em tempestade. Ou então, se lhe aprouver, pode deixar o sol abrir as nuvens e dourar as folhas que ainda restam nas árvores. 

Estou tal e qual um dia de outono. Para quem não é muito apreciadora do outono, o meu estado interno também não me deixa lá muito orgulhosa de mim mesma. Como tenho uma essência alegre, a tristeza, de qualquer espécie é contranatura. A tristeza maça-me, aborrece-me. Então esta tristeza mansa, que se instala e teima em residir, mói-me o juízo.

Claro que esta emoção tem sempre uma causa. Ou causas. E olho para elas e reflito e volto a olhar e a refletir. Tento incessantemente trabalhar o desapego. As causas da minha tristeza normalmente têm a ver com pessoas. Pessoas muito significantes para mim. Melhor, as causas da minha tristeza têm a ver com a forma como eu me relaciono com pessoas que são muito significantes para mim. Nem sempre consigo aceitar de forma desapegada o outro, as suas circunstâncias e forma como se relaciona comigo. 

Existem pessoas que fazem parte da nossa raiz e de quem nós pressentimos a perda. A perda é sempre muito dolorosa apesar de fazer parte da nossa existência. A vivência da perda é das mais ricas em termos de aprendizagem e de evolução da alma. Mas também das mais dolorosas. Ensina-nos o desapego, o desprendimento. A noção de que o que é agora, pode deixar de ser em 5 segundos. 

Esta perda pode ser uma perda em vida, não necessariamente aquela que tem a ver com a finitude física do corpo. É verdade, às vezes vamos perdendo as pessoas ainda em vida sem que ninguém seja responsável por isso. E não é afastamento por livre arbítrio. É mesmo um perder do que se tem e da forma como se conhece. É uma raiz que se corta, devagar, bem devagarinho, deixando sangrar, extraindo a seiva até que só reste a casca, enrugada, oca, sem alma.

O desapego estará então na ordem do dia. Amar-se quem se ama o melhor que se é capaz. Ao momento, no presente, aceitante e com muita paz. Com aquilo que o outro é capaz de fazer e sendo isso maravilhoso. Em simultâneo, na eternidade e plenitude do nosso coração. Sem que o nosso amor e a nossa paz dependa da atuação do outro. Sem que nada em nós dependa do outro. Sem se esperar nada embora com esperança. A esperança de que tudo aconteça sempre pelo bem supremo das nossas almas. Difícil, não é? Muito difícil. Um desafio dos grandes. Talvez um dos maiores com que me tenho confrontado. Como perder uma raiz sem que isso debilite a planta? Sem que essa amputação lhe retire identidade? Esse é um do busílis da vida. Amar incondicionalmente, isto é, sem condições, aceitando as perdas com muito desapego e com muita paz.

Como sempre digo, a paz no coração é o maior dos tesouros. É a minha busca constante. Apesar dos pesares, com dores, sofrimentos, tristezas, o que for, sempre busco a paz no coração. Quando experiencio a impotência a toda a prova, em que nada está na minha mão, peço a Deus, com todas a forças que restam, a paz no coração. O sossego. Este sossego emocional e espiritual permite-me usar a cabeça e o coração de uma forma serena, justa e disponível. Permite-me observar outros prismas. Nomeadamente o dos outros. E não ficar agarrada só à minha maneira de ver e de julgar as coisas e as situações. A paz no coração permite-me ouvi-lo (ao meu coração), decifrá-lo sem entropia, sem ventania nos canais de comunicação.

Sempre que alguma coisa me tira a paz, também me tira a alegria e vice-versa. É que a paz e a alegria costumam andar de mãos dadas. Claro que eu sendo uma pessoa tão intensa em termos emocionais, não consigo encontrar o tal estado “ZEN” tão desejado. Eu posso estar em paz mas sempre em alegria. A tristeza rouba-me a paz. Não tanto como antigamente à conta de tanto trabalho interior e espiritual. Estou muito melhor. Estou cada vez mais em paz e cada vez a tristeza é menos dilacerante. Talvez esteja no caminho do equilíbrio, da compreensão das coisas e da vida. Talvez alguma sabedoria comece a espreitar à minha porta. Talvez esteja melhor pessoa e a conseguir compreender e a amar melhor os outros. Talvez o facto de me ter tornado mais solitária tenha sido uma pescadinha de rabo na boca. Sinto-me muito melhor comigo própria e muito melhor com os outros. E sei identificar quando estou triste e quais são as causas dessa tristeza. E sei ler melhor alguns dos meus próprios sinais. E sei ficar quieta quando não posso fazer nada. Ou quando não sei o que fazer. Consigo ter alguma calma no juízo de valor e na forma como abordo os problemas. Consigo, por exemplo, escrever sobre o que me molesta, sobre o que sinto, destilando a maior parte desta energia menos boa. Assim, acalmando o espírito, consigo alinhar melhor os pensamentos, as emoções e as ações. 

Por vezes, escrever também me ajuda a destilar as saudades. Como se sabe, sou muito atreita a saudades. Sinto muitas saudades. Apesar de serem boas porque mantêm vivo tudo o que sente, o que se viveu, o que experienciou em bem e em amor, doem que se fartam. As saudades preservam e fermentam sentimentos e emoções. São boas, portanto. Mas também podem ser uma das causas da tal tristezazinha mansa e latente. Como o tal dia nebulado de outono. Para mim, que sou esdrúxula, as saudades partilhadas são sempre mais fáceis de levar. Quando têm eco e fazem ressonância do coração de quem nos falta. Por quem sentimos saudades. As saudades quando são bem alimentadas, bem nutridas, tornam-se nossas companheiras de jornada. Fazem-nos companhia na vez da companhia de quem nos faz falta. Caminham connosco na esperança dos reencontros. Aligeiram distâncias e encurtam os tempos. Ajudam a superar obstáculos e circunstâncias. As saudades quando têm reciprocidade são cor-de-rosa.

As saudades que se sentem de forma solitária são as mais dolorosas. São aquelas que provocam tristeza. São as que magoam. São fruto da ausência e não da distância. São provocadas pela ausência e isolamento do outro. Às vezes as pessoas sentem tudo para dentro. Gostam para dentro, vivem para dentro e até cuidam para dentro. Esquecem-se de partilhar um bocadinho mais (ou não o sabem fazer). E até fazem o melhor que são capazes de fazer. Ou o que precisam fazer. Ou o que lhes é possível. Enfim, pode haver um conjunto de razões que levam a algum desligamento ou ao virar para dentro. Entendo embora me entristeça. É mais forte do que eu. A ausência torna as saudades cinzentas como as nuvens que estão carregadas de chuva. Assim como o coração fica carregado de tristeza e os olhos de lágrimas. É tal e qual. São as saudades de outono. Como não gosto do outono também não gosto destas saudades que fazem doer. São de um tipo que me tira a paz. Que me isola, que me fecha sobre mim própria e me dá vontade de afastar. E eu começo logo a tentar livrar-me delas. A sacudi-las. Mas como é evidente elas não saem. São também as que são cruzadas de lapa, agarram que se fartam. Cravam as ventosas. E eu, que sofro do mal da ira, lá tenho que sossegar à força e chamar toda a doçura que conseguir reunir para me ajudar a apaziguar e não desistir de as sentir. Para não desistir e pronto. O que, na verdade e apesar de tudo, é o que o meu coração me manda fazer. E para além de paz no coração, também peço sempre a Deus a coragem de ser capaz de fazer e de seguir o que o meu coração dita. Contra seja o que for e apesar de tudo. 



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