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Máquina do tempo

Às vezes sinto-me um bocadinho esquisita. Na verdade, na maior parte do tempo, sinto-me esquisita e diferente. Sem pertença, sem afiliação específica. Apenas sinto que pertenço a alguns universos distintos. Sinto que pertenço no mar, no campo, na natureza em geral. Também em alguns locais, em alguns sítios que transbordam história. Adoro coisas antigas. Mas não sou agarrada ao passado. Apenas me fascina. Ajuda-me a compreender o presente e, mais ainda, a pensar sobre o futuro, no meu, no das comunidades e no mundo em geral, na sua evolução. Fascinam-me as sabedorias antigas, o conhecimento, as diferenças. Por exemplo, adoraria enfiar-me um mês no Louvre, outro mês na biblioteca do Vaticano e outro mês na Torre do Tombo. E que me deixassem ver tudo à minha vontade. Que alegria. Seriam 3 meses muitíssimo bem passados. A descobrir como verdadeiramente as coisas aconteceram. Ou pelo menos como ficaram registadas. Entender a nossa evolução enquanto seres sociais e do mundo enquanto nosso habitat, ajuda-nos a compreender as desgraças que acontecem. Também nos ajudaria a evitar tantas calamidades, guerras, desavenças e outras maleitas dos povos. Mas ninguém gosta de pensar para trás e para a frente em simultâneo. Pelos vistos, os decisores do mundo, pensam e atuam em função do seu próprio umbigo e orgulho e não sobre a história passada, o contexto presente e projectando o futuro em função de um bem maior. Que tristeza pensar sobre estes assuntos…enfim… não há século em que não existam uma data de desgraças. Parece que os humanos ainda são muito adolescentes. E como espécie adolescente, é muito temperamental, impulsiva, primária, pouco serena, sem capacidade efectiva para colocar a causalidade das coisas onde ela efetivamente está. Há sempre uma culpa a atribuir a qualquer coisa que está fora de nós. A culpa é sempre dos outros, do sistema (esse tal que tem a culpa de tudo e que nós não sabemos onde se encontra para, pelo menos, lhe podermos dar umas boas palmadas pelo mal que tem causado!), das circunstâncias, do contexto, etc. Adolescentes. A culpa é sempre do professor, do pai ou da mãe. Só os adultos sabem atribuir o locus de causalidade como deve de ser. Os que sabem, claro está. 

Pois o mundo continua adolescente. Enriquecer agora e já em vez ir enriquecendo de forma sustentável, deixando legado às gerações vindouras. Os adolescentes, quando querem uma coisa, é agora, imediatamente. Neste momento. Em contraponto, para as coisas fundamentais e estruturantes, temos muito tempo! E o mundo, tal como os adolescentes, também tem explosões de raiva. Também lhe apetece, por vezes, rebentar com tudo! Às vezes, o mundo faz isso. Algumas partes do mundo fazem. Alguns países fazem. E não lhes podemos dar um par de berros, colocar de castigo, negociar ou outra coisa qualquer que resulte para os fazer cair em si mesmos. E, mesmo assim, quando tal acontece, já muito mal foi feito. Já morreram muitas pessoas. Já muitas desgraças aconteceram. 

Eu nunca senti a guerra e as suas consequências na pele ou próxima de mim. Mas estou atenta e horroriza-me. Pensar que de repente tudo pode deixar de ser, da forma mais cruel e desumana possível, deixa-me destroçada. Como é possível tanta destruição, tanta fome, tanta sede, tanto frio. Frio e abandono. Frio e solidão. Frio e desespero. Penso nos povos, nos homens, mulheres, crianças, velhinhos, os desprotegidos e doentes que ficam com menos do que nada. Apenas a tentar sobreviver. Só sobreviver. E penso nos soldados, quantas vezes recrutados à força, contra vontade, contra natura, contra a essência de vida. E são transformados em máquinas picadoras, frias, torturantes e vazias. Esvaziam a alma. Também eles só tentam sobreviver. Tanta desgraça em nome não se sabe do quê. Cada um de nós poderia estar de um lado ou outro da guerra. Temos a sorte de estar aqui em conforto. Eu a escrever e o leitor a ler. Confortáveis. Sempre que vejo um cenário de guerra, de batalha, de refugiados, seja do que for, faço sempre o exercício de me tentar colocar lá dentro. Mal, claro, pois só se sabe verdadeiramente o que é se lá se estiver. Mas tento fazer esse exercício de humildade. E tenho a certeza que nunca ninguém vence coisa nenhuma. Só tentam não se deixar morrer. E, se tal não for possível, procuram apenas morrer com um bocadinho ínfimo de dignidade. E o que mais me dói é que estes cenários de guerra que faz mal a milhares e milhares de pessoas, normalmente parte apenas de 2 cabeças. Que injustiça, não é? Enfim…tem sido o pão nosso que cada dia no que diz respeito à nossa história. E não há maneira de aprendermos com os erros. Por este andar, nunca saímos da adolescência enquanto seres humanos. Evoluímos a toque de hormona…

A conversa descambou para a guerra mas na verdade não era minha intenção. Tinha vontade apenas de falar em como a história, as coisas antigas, os monumentos, as pedras, o que quer que seja que já tenha existido muito tempo, é maravilhoso. Ensina-nos tanto! E os livros antigos? Esses então são os meus preferidos. Tanto livro no mundo e tão pouco tempo para os ler…precisava de ter uma vida paralela só para dedicar a estas coisas. ..e o que se deve ter perdido na biblioteca de Alexandria quando ardeu?! Meu Deus! O que será que estaria lá dentro? Tanto conhecimento transformado em cinzas e fumo…que pecado!

O conhecimento ancestral sempre me fascina. Conseguimos chegar a este século, com séculos e séculos para trás onde se geria a vida em função do que a natureza dava. Conheciam-se as propriedades naturais e de cura das plantas. Respeitava-se o equilíbrio natural das coisas. Agradecia-se, cada povo de sua forma, a criação e as dádivas da natureza. Sobrevivemos milhares de anos com conhecimento natural. Agora parece que tudo isso se esqueceu. Evolui-se tanto para um lado e perdeu-se tanto da sabedoria antiga. Perdeu-se de tal forma que existem tantas coisas que ainda se consideram um mistério. Se calhar não são mistério nenhum. Apenas se perdeu o conhecimento. Deixou-se de passar os ensinamentos por via da tradição, de geração em geração. Que pena. 

Adoro uma bela pedra num edifício antigo. Não pela pedra em si mas pela energia que ela encerra. Deve estar cheinha de conhecimento. Em séculos, viu tantas coisas, tantas pessoas, ouviu tantas conversas, tanto disparate e tanta sabedoria. E resistiu a opiniões, tempos, vontades, intempéries, indiferenças e admirações. E a pedra lá continua no seu lugar, altiva e imóvel. Num nível acima. Talvez um bocadinho gasta pela erosão. Mas faz parte. O que se vê e o que se ouve pode não matar mas lá moer, mói. Também com as pedras é assim. Por isso, gosto muito delas. Acho-as lindas. Já cá estavam antes de eu chegar e vão continuar depois de eu partir. São muito mais magnânimas do que eu. Que por vezes não tenho a paciência de saber apenas ser e estar. De saber ouvir e ver com paciência. Não fazendo nada, apenas aprendendo e ganhando experiência. O nosso Criador, quando fez as pedras e as rochas deve-lhes ter dado esta grande missão de serem a estrutura do mundo e da natureza. Deve ter-lhes dito para ensinarem os humanos a serem fortes, contemplativos e pacientes. A saberem resistir às tempestades e aos caprichos da natureza com toda a dignidade. Disse-lhes que a sua especialidade seria a dar altura ao mundo, berço aos rios, abrigo a plantas e animais, oferecer monumentos e locais de oração aos homens, segurar raízes e acolher as neves. E, muito de vez em quando, se não aguentassem mais, e resolvessem rebentar, também poderiam mudar a face da própria crosta terrestre e criar assim umas ilhotas engraçadas no meio do mar. Poderiam rebentar de ardor mas, de seguida, seria uma explosão de vida. Assim deve ter dito o Criador. Porque nada existe sem o seu oposto, sem a dualidade. E como podemos verificar, as rochas aceitaram a sua missão e aí estão. Imponentes. Experientes. Contemplativas e sábias. Para mim, também enciclopédias de história. Se elas pudessem falar…Se as pedras pudessem falar, escolheria uma ou duas e ficaria mais um mês a ouvi-las. Quantas histórias. Mas principalmente, quanta sabedoria. Só o tempo dá sabedoria. E as pedras sabem esperar. Está-lhes nos genes.

Quanto mais antigas são as coisas, mais me impressionam. Mais me puxam pela cabeça, pelos sentidos e pela imaginação. Um dos locais que visitei e que mais me impressionou foi Istambul. Cidade turca da maior importância. Basta dizer que é a antiga Constantinopla! Fascinante. Tanto monumento, tanta pedra, tanta história por metro quadrado! Fui tão feliz! Senti de facto um sentimento de pertença naqueles sítios todos. Uma envolvência inexplicável. Um dos berços da nossa civilização tal como a conhecemos hoje. Tão interessante a fazer as pontes entre nós, como diria o fantástico Pedro Abrunhosa. 

Tal como cada um de nós, individualmente, é o produto da sua história pessoal, também cada povo é o produto da sua história enquanto povo. Nada se pode compreender hoje se não entendermos o que aconteceu no passado. Esta é uma das minhas poucas certezas. Mas isto não implica nada viver no passado ou ser muito saudosista ou coisa assim. Nada disso. Não se pode é olhar para a frente, aceitar ou traçar uma direcção sem se saber a origem do caminho. O passado não se pode mudar. O futuro também não (ainda não aconteceu) só se pode mudar o aqui e o agora. No momento presente. A importância do momento, ancorado no passado e no contexto.

Desde muito pequena costumo dizer que se houvesse uma máquina de viajar no tempo, eu seria a primeira candidata e adoraria viajar pelo passado, através dos séculos. A descobrir a nossa história, os nossos mistérios, os nossos saltos evolutivos, os nossos passos atrás. Seria fantástico. O futuro não me interessaria. Não iria até lá à frente. Procuraria compreender o dia de hoje e manter a esperança intacta de que o Homem enquanto espécie saberá colocar-se no seu lugar e voltar a fazer parte da natureza, respeitando o seu equilíbrio. Um elemento pertencente a um todo e não um elemento disruptivo que procura dominar e que no seu domínio, destrói. Tudo o que domina destrói. 

Eu vivo movida a esperança e a paixão. Não gostaria de perder a esperança e a paixão que tenho nas pessoas e pelas pessoas. Continuo a achar que adolescência é só uma fase e que passará no seu próprio tempo. Nunca se sabe quando se faz a passagem para o estado adulto. Mais um dos mistérios da criação…

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