Depois de um interregno para descansar, refletir e ganhar energia para um novo recomeço, apetece-me partilhar algumas ideias sobre o conceito de coragem. Muitas vezes penso nele. O que é ser corajoso? Qual é, na essência, a sua definição e qual será o seu contrário?
Este é um momento em que me predisponho e em que me faz sentido pensar um bocadinho sobre este assunto. Sempre penso na coragem quando não se consegue dizer o que nos vai no pensamento ou na alma. Por vezes temos medo de dar uma notícia menos boa. De dizermos o que nos parece a verdade. De enfrentarmos o medo de magoarmos alguém. De, no fundo, lutarmos contra o que nos assusta. Contra o medo de uma forma geral. E o medo é a antítese do amor. Assim, sempre que somos corajosos e lutamos contra qualquer tipo de medo, estamos a abrir caminho para o amor. A fazer com que este ganhe terreno. A chatice é que ainda por cima, é mais fácil ter medo do próprio amor do que recebê-lo e deixá-lo tomar conta de nós, incondicionalmente. Este é que talvez seja o busílis...talvez seja mais fácil ter medo do que ter coragem. E nós passamos a vida em poupança de energia...e normalmente procuramos os caminhos mais fáceis. Ser corajoso dá muito mas muito trabalho. É um trabalho que é interno, de luta connosco próprios. Com dor. Com sofrimento.
Existem pessoas que são capazes de enfrentar, externamente a si próprios, as maiores provações. Lutar por causas, lutar em defesa de outros contra fortíssimas ameaças, de subirem aos píncaros do mundo e de atravessarem oceanos à procura de qualquer coisa. Muito corajosos, dizemos nós. Em parte é verdade, claro. Mas falo de outro tipo de coragem. De uma coragem muito mais interna, muito mais estrutural e espiritual. Aquela que nos faz ainda melhores pessoas. Daquela que aperfeiçoa o ser humano e a sua alma. Falo da coragem de enfrentar os seus próprios medos. As suas fraquezas, as suas limitações. A coragem de acreditar em si próprio. A coragem de acreditar no que se sente. Naquilo que o coração dita. A coragem de ter fé. Fé em Deus, fé nos outros e, principalmente, fé em si próprio.
Falo na coragem de se olhar para dentro e de encontrar o que nos traz felicidade e de se lutar por isso. Somos capazes de enfrentar um leão e não somos capazes de enfrentar o nosso interior. O amor que sentimos por alguém. Eventualmente até do amor que alguém sente por nós. Temos um medo desgraçado do amor....e de sofrermos. E de magoarmos...e não sabemos dizer aquilo que pode deixar os outros tristes. Ou fazer qualquer coisa que possa magoar, criar expetativas, falsas esperanças ou coisas do género. E, então, como não sabemos o que fazer com isso, porque temos medo do resultado, então não fazemos nada. Ou oferecemos meias palavras. Não dizemos nem deixamos de dizer. Não fazemos nem deixamos de fazer. Falta-nos a coragem de sermos verdadeiramente honestos connosco próprios e com os outros....por medo, por falta de coragem. E de repente, sem darmos por isso e sem ser essa a nossa intenção, já magoámos. Já ferimos. Já criamos o vazio. O limbo não é coisa nenhuma. É um estado sem definição. Por vezes, mais vale deixar o outro um bocadinho triste do que magoado pelo vazio. Fácil perceber porque é que a coragem é tão importante? Porque ela nos ajuda a sermos verdadeiros e transparentes nos nossos relacionamentos. Ajuda-nos a sermos verdadeiros. E sem verdade, qualquer tipo de relação não vale a pena. E claro que custa. Principalmente quando se está habituado a viver de aparências, de pareceres, de "embrulho" e de "casca" exterior. Quando se está habituado a viver de fora para dentro. O grande desafio é viver-se de dentro para fora. Ser o nosso interior, a nossa essência, a comandar os nossos comportamentos, atitudes, decisões e escolhas...para isto é preciso muita, mas muita coragem.
A coragem de se ser o que se é, não é para qualquer um. Por vezes quer-se ser aquilo que não somos. Gostaríamos de ser diferentes, mais isto ou mais aquilo. Menos assim ou menos assado. Até para desejarmos ser uma coisa diferente, temos que conhecer o que na realidade somos. E sem fugas para a frente, empurrares de barriga ou fazeres de conta.
Aproveitei muito das minhas estadas junto ao meu precioso mar e das minhas habituais contemplações pela criação para refletir também sobre este assunto da coragem. Sobre a minha própria coragem. Sobre a coragem das pessoas que amo. Sobre a facilidade com que nos deixamos invadir pelos nossos medos e fragilidades. E por vezes basta percebermos a imensidão de outras coisas para podermos relativizar tudo o que nos molesta e nos apoquenta. Para tornarmos os nossos medos pequeninos. Para que as nossas fragilidades possam ser aceites e contornadas. E para sermos capazes de rirmos de nós próprios. De uma forma libertadora e não de uma forma humilhante. E se aceitarmos aquilo que verdadeiramente somos, procurando sempre melhorar enquanto pessoas, estamos a ser verdadeiramente corajosos.
E termos a coragem de darmos o tempo que as coisas necessitam para serem. Para acontecerem. De integrarmos que tudo o que nos acontece ou é uma bênção ou é uma lição. Ambas com a mesma importância. Saber dar valor às dádivas e retirar aprendizagens também não é para qualquer um. É preciso saber-se aceitar, de coração, ambas as oportunidades que o Céu nos dá para evoluirmos enquanto alma. Até para se aceitar um caminho evolutivo, na maior parte das vezes, tortuoso, doloroso e muito solitário, é preciso ter muita coragem. Doses imensas. Para sermos capazes de continuar mesmo quando se sangra, quando apetece desistir e enfiar a cabeça na areia. Entrar em quarentena ou hibernar. De vez em quando apetece tanto fechar os olhos e abri-los noutro estado, noutra fase ou até noutra vida. Ou voltar atrás. Ou andar para a frente, ou até fazer umas curvas ao contrário aqui ou ali.
Ter coragem não é não apetecer nada destas coisas. É exatamente o contrário: apesar de apetecer tanto e deste apetite ser tão forte e avassalador, conseguir-se, mesmo assim, caminhar pelo rumo certo, aquele que é o melhor apesar de mais difícil. Pelo caminho que nos faz evoluir, aprender e enriquecer a nossa história enquanto alma. Esta escolha é feita com muita coragem espiritual e tem que ser relembrada quase todos os dias. Principalmente nos dias difíceis. Nos dias de lágrimas. Nos dias em que tornamos o mar um bocadinho maior e mais salgado. Porque será que as coisas que verdadeiramente são tão importantes são simultaneamente tão difíceis? Mais um dos mistérios da criação...
Comentários
Enviar um comentário