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Corações, bênçãos e lições

Hoje li uma frase que me deixou a pensar. A frase era qualquer coisa do género: "Os cães podem destruir o nosso jardim, roer os nossos sapatos e estragar os nossos móveis mas nunca vão partir o nosso coração". Tão verdadinha...

Já há algum tempo que escrevi sobre os animais e particularmente sobre a minha cadela. Sobre o amor que eles nos oferecem gratuitamente. Hoje apetece-me mais falar desta história de partir o coração. É bem verdade que os animais são um exemplo do que é o amor incondicional. Apesar dos pesares, sempre nos amam, pedindo pouco mais do que nada em troca. E se outro elemento entra na matilha, também cabe no coração, não trocam uns elementos pelos outros, não destroem laços afetivos. Apenas fortalecem uns e estabelecem novos. Concluindo: não quebram corações!

O quebrar do coração é uma experiência um bocadinho dolorosa. Difícil de tragar. E se engolida, é o caneco para ser digerida. A mim  parece-me que Deus, na sua infinita sabedoria, colocou o coração perto do estômago por alguma razão...da mesma forma que termos 2 ouvidos e uma só boca, também terá uma razão especial. Talvez para se repetir apenas metade do que se ouve ou para se ouvir o dobro do que se fala. Sabedoria em todo o seu explendor. O corpo do ser humano é, sem dúvida, o pináculo da sabedoria.

Voltando ao coração, aquilo que lá se passa também tem que ser trabalhado, digerido, reciclado, enviado para outro lado qualquer (para a mente ou para a alma, por exemplo), lavado, potenciado, etc. Partindo do princípio que os corações são grandes e que lá cabe mundos e mundos, não serão, talvez, infinitos. E, pelo sim pelo não, é melhor serem cuidados. A digestão ajuda muito a manter o coração saudável. Se trancamos as emoções que são dolorosas, estas podem tornar-se destrutivas. Se as digerimos, podemos transformá-las em algo nutritivo que nos vai ajudar a crescer e a evoluir. 

Um quebrar de coração dá uma dor desgraçada. Parece que o mundo se acaba, que a luz se vai embora e que as estações do ano ficam todas baralhadas lá dentro. Num instantinho começa a nevar, trazendo um frio solitário e insuportável, normalmente acompanhado de uma violenta ventania gelada. É o que se chama de ficar geladinho até à alma. Isto porque o coração tem um canal de transmissão direto à alma. No instantinho a seguir, aparece um calor insuportável, a raiar as temperaturas do deserto, onde tudo arde de fúria só por existir. Estas oscilações são muito comuns nos corações partidos. Tudo baralhado, tudo ao rubro. Bi-polar, é o que é! Um coração partido é sempre bi-polar. A dor mistura-se com a raiva e como são ambas umas amigas quase inseparáveis, fazem das suas. Instalam-se a fazer bagunça até à exaustão. O problema é que elas custam a exaustar...temos que dar uma ajudinha para as cansar e mandar embora. É nesta altura que o estômago entra em ação. Talvez também o fígado, para ajudar um bocadinho neste processo digestivo.

Uma partida de coração parece uma coisa tão injusta. E a injustiça, quando aparece, oferece-nos aquelas dores que vêm lá bem das entranhas. Parece que se rebenta por dentro. A dor e o rebentamento funcionam em proporcionalidade direta com o amor. Quanto maior o sentimento, maior a explosão. Até quando corre mal, o amor é explosivo! Incontornável. Na minha forma de ver as coisas, tudo o que é incontornável tem que ser encarado de frente. Não há outra alternativa saudável. Claro que se pode fazer as fugas para a frente, os assobiares para o lado e ter outras estratégias de fuga que só vão funcionar como fermento. Ao fim de algum tempo, no momento certo, quando as fichinhas cairem, vai ser um Deus nos acuda. Vai sobrar massa por todo o lado!

Assim, já que dói e dói, mais vale tentar resolver a coisa. De frente. Só depois de se encarar a dor de frente, é que podemos pensar na sua digestão. Na minha forma de resolver estas coisas, sempre digo que em primeiro lugar é deixar doer até não poder doer mais. Chorar o que há para chorar. Verter as lágrimas todas que temos e as que não temos. Podem ser em cascata. O efeito é mais bonito. Também a raiva deve sair toda. Chorar mais um bocado, dizer uns palavrões, partir uns pratos, ir a pé de Lisboa ao Porto e voltar, isto é, fazer-se alguma coisa que seja verdadeiramente libertadora. No fundo e na superfície, baixar a pressão. Uma regra de ouro nesta fase: se houver coisas para decidir, nunca tomar decisões! Nunca é mesmo nunca! Não se tomam decisões a toque de tristeza ou de raiva. Só sai asneira. E como eu tenho uma certa tendência para a asneira, sei o que estou a dizer.

Depois desta fase de tumulto, e de fim de mundo, tal como fénix renascida, as cinzas voltam a tomar forma. As estações do ano equilibram-se novamente e a calma começa a retornar. Nem que seja por exaustão da nossa parte. Chega a uma altura que já não se aguenta a tristeza nem a raiva. Nessa hora, é que o estômago ataca! É o seu momento de glória! É onde põe à prova o seu valor e a qualidade do seu suco gástrico! Com a sua ajuda (e a do fígado e a de quem mais se queira juntar) temos remoer e trabalhar estas emoções com serenidade e paz. Como esta história toda já passou para o estômago, o coração já pode ter paz. Daí que esta proximidade seja tão conveniente.

Quando o coração está em paz, poderemos então começar um processo de entendimento. De busca pelo sentido e pelo significado das coisas. Um sentido e um significado muito mais transcendente e ancestral do que à partida pode parecer. Parece que atraímos tudo o que necessitamos para evoluir como alma. Para fazermos as aprendizagens que temos que fazer. Para cumprirmos a nossa missão maior. Aquela de índole espiritual. Se conseguirmos integrar e compreender que tudo nos acontece para o bem supremo da nossa alma, que alegria! Conseguimos pelo menos não nos sentirmos os mais infelizes e pequeninos deste mundo. Se não fosse importante partir o coração de vez em quando, não haveria tanta gente com ele partido, não vos parece? O busílis está no que se faz com essa partidela...

Cada um de nós terá que encontrar as suas próprias respostas. Em tudo o que é verdadeiramente importante, não há receitas. Não há pronto-a-vestir. Há uma mezinha e um fato à medida para cada um de nós. O primeiro passo será talvez encontrar um sentido no que nos acontece. E lembrar-nos sempre que aquilo que não é uma bênção, é uma lição. E, no nosso mundo interno divino e transcendente, uma não é mais importante que a outra. Claro que, à primeira vista, gostamos mais das bênçãos do que das lições. Mas nem sempre o primeiro vislumbre é o mais correto. Muitas vezes dão-nos bênçãos que por não nos terem custado nada, não lhes atribuímos qualquer valor. E a gratidão é um estado de felicidade. Se não encontramos felicidade nas bênçãos então não evoluímos nada com elas. Os talentos são para agradecer e colocar a render para nós e para os outros. As lições, por outro lado, apesar de serem na maior parte das vezes um bocadinho custosas, trazem aprendizagem. Trazem um enorme valor acrescentado. Tudo o que nos custa é mais valorizado. E valorizar o que é ganho com muito sacrifício, é uma forma de gratidão. E evoluímos enquanto alma. A famosa frase de quando não aprendemos a bem, aprendemos a mal. Se não aprendemos com as bênçãos, aparecem as lições. O objetivo é sempre o mesmo: um bem maior - o nosso. 

Nestes processos há uma certeza que para mim é inquestionável: o sofrimento nunca é gratuito. Só porque sim. Isto é, o Pai nunca deixa que soframos mais do que somos capazes de aguentar e envia-nos as lições sempre pelo mínimo necessário para podermos aprender. O mínimo dos mínimos. Apenas o suficiente para aprendermos o que combinamos com Ele ainda lá no Céu. Antes de termos vindo ver as modas cá neste planeta lindo, azul e maravilhoso. É verdade, combinamos tudo com o Pai. Ele nunca, mas nunca, faria nada que não tivesse a nossa concordância. O Pai tem a eternidade para nos ver aprender. E dá-nos, como maior graça, o livre arbítrio. Escolhemos o que queremos aprender antes de virmos experimentar uma vida tal como a conhecemos. A pena é que não nos lembramos do que combinamos para tornar a coisa um bocadinho mais compreensível e para podermos fazer melhor a digestão das dores...mas enfim, as coisas são mesmo como são. A verdadeira aprendizagem não é produto do ensino, vem das deduções e das induções que conseguimos fazer. Só aprendemos o que, inconscientemente já sabíamos e queríamos aprender. E a nossa alma é ávida, graças a Deus. E quanto mais aprende, mais iluminada fica. E a luz traz cá uma paz....e mais uma vez chego à mesma conclusão: toda a evolução é feita de dentro para fora. Vem do mais profundo de nós próprios. As condições exteriores e o que nos acontece são apenas adereços que nos ajudam a fazer emergir o que está lá por dentro e que precisa de vir à consciência. O exterior, a vida, é um conjunto de cenários cujo objetivo é refletir as nossas limitações e fragilidades. Reflete o que precisamos de aprender. Melhor dito ainda: são janelas de oportunidade para a nossa própria evolução enquanto almas. Evolução para a mestria. 

Transformar as pedras do caminho em suportes robustos e seguros para colocarmos os pés enquanto o percorremos, é a mestria na sua plenitude.



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