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A paz nas palavras

Às vezes só me apetece escrever. Porque sim. Sem nenhuma razão em particular. Para quem é novo nestas andanças, estas vontades impetuosas de vazar palavras são sempre ainda fonte de admiração. Sempre me perguntei a mim própria como é que as pessoas conseguem fazer a mesma coisa horas a fio. Os escritores, os músicos ou de outra arte qualquer. Sempre me perguntei de onde vinha tanta inspiração, como seria possível? O que se sente? Agora dou por mim a ter tanta vontade de escrever. Sou capaz de o fazer horas de seguida sem me cansar. Claro que quando acabo de escrever um texto, penso sempre com os meus botões: - “Agora acho que já não vou capaz de escrever mais nada. Já disse tudo o que tinha a dizer. Não vai ser possível fazer outro texto.” Penso sempre a mesma coisa, de forma repetitiva e sistemática. Claro que depois, do nada, ou porque qualquer coisa me fez tocar uma sineta, desato logo a ter vontade de escrever mais. E sempre aparece um tema, um assunto. Estou convencida que é o assunto que quer ser escrito. São as palavras que comandam e eu não controlo nada. Apenas deixo sair. Deve ser isto a que se chama de inspiração. É mais forte do que nós e temos que fazer qualquer coisa com isso ou rebentamos! Pelos vistos, a inspiração é uma força poderosíssima. Já olho para ela com outros olhos e com outro respeito. Pelo menos para a inspiração dos outros. Com a minha ainda ando às voltas a tentar conhecê-la, a medir forças e ver no que isto vai dar. Ela aparece nos momentos mais despropositados. Parece um botão que se liga e pronto. A questão é que eu não tenho nenhum controlo sobre este botão. Nem sei onde ele está. Dá-me assim umas vontades e tenho que escrever. Na verdade, é outra forma de lidar com as palavras. Foi acrescentada mais uma forma de lidar com as palavras. Gosto muito delas lidas, faladas e cantadas. Adoro palavras. 

Esta coisa do escrever surgiu um bocadinho por necessidade, como a única forma possível de fazer chegar palavras ao seu destino. Foi tão gratificante o processo que me parece que já não posso viver sem escrever. Até para mim, isto é interessante. A meio da vida, parece que já descobrimos tudo o que temos que descobrir sobre nós próprios. Que grande engano! Vamos sempre descobrindo coisas novas, vontades, graças, talentos, coisas que nos dão prazer, cruzes, tormentos e outras coisas que passaram a doer e não doíam. Existe aquela frase feita que diz que a partir dos 40 é que se começa verdadeiramente a viver. Eu começo a ser forçada a concordar. Não sei se se começa a viver. A apreciar a vida e as suas dádivas de outra maneira, isso é mesmo verdade. Costumo dizer que sou muito mais feliz aos 40 do que era aos 20. Mas sou mesmo. Lido muito melhor comigo própria. Aceito-me muito melhor. Já sei rir de mim própria. E sei apreciar e dar a valor a coisas que antigamente nem me passavam pela cabeça. A idade é uma coisa maravilhosa! Aprendi a olhar para dentro, a conhecer-me melhor. Pelo menos, agora, já sei porque sou esdrúxula ou esquisita. Diferente. E já não me importo. Aprendi a amar melhor. A não ser tão exigente comigo própria e com os outros. Já não me interessa nada o que o resto do mundo possa pensar ou opinar sobre mim ou sobre as minhas coisas. Interessa-me muito a opinião de algumas pessoas especiais. São todas aquelas que moram no meu coração, que eu adoro, e que me ajudam a ser melhor pessoa. Que me ajudam a desenvolver, a evoluir. Dessas pessoas, interessa-me tudo. E como por vezes não posso partilhar o que me apetece, o que me vai na alma, o que queria dizer e mais as enxurradas de pensamento e emoções que me apanham de assalto, escrevo. Parece-me que talvez seja por isso. Como me contenho muito a mim própria, estas energias todas têm que sair de qualquer forma. E a verdade é que a escrita me faz muito feliz e me ajuda muito. Quando estou destroçada, falar sobre a tristeza ajuda-me a retirá-la do sistema. A torna-la mais leve. Quando sofro de outra dor qualquer, escrever ajuda a sarar a ferida. Também das coisas bonitas rezam as palavras. É difícil não conseguir partilhar o que sinto quando alguma coisa me emociona muito ou quando a beleza de qualquer coisa me deixa maravilhada. A maior parte das vezes ninguém entende o que estou a dizer. O que sinto. O que vejo e como vejo. E estes processos são solitários. E ninguém tem culpa deles. Eu sou como sou e os outros são como são. E poder traduzir as emoções por palavras é uma forma de lhes dar um caminho, um tratamento. Nada nos faz pior ao espírito do que emoções perdidas, que não sabem para que lado hão-de ir, que não se conseguem qualificar. A escrita ajuda a qualificar as emoções, a dar-lhes um remédio. E isso é muito importante. Para mim é. Porque tendo tanta intensidade emocional, preciso de me esforçar para ter paz. Como tenho dito tantas vezes, a paz no coração é uma dádiva preciosíssima. E escrever dá-me paz. Aliás, traduzir qualquer sentimento, pensamento, emoção, estado de alma por palavras faladas, escritas ou cantadas dá-me paz. Se não soltar os cavalos selvagens que por vezes desatam a correr nos meus mundos interiores, estou feita. Tenho que libertar a pressão. Também já tenho a experiência do que acontece se não vazar a inundação. Adoeço. Às vezes fisicamente. Tudo o que emocionalmente não é curado diretamente, vai refletir-se no nosso corpo. Tarde ou cedo é o que acontece. E não vale a pena. Mais vale ir baixando a pressão e ir fazendo escolhas, pequeninas ou grandes, que nos levem no caminho da felicidade. Que nos dêem paz e leveza de espírito. 

Agora, neste momento, escolho escrever. Independentemente de tudo e de todos. Vou desapertando o garrote como quem não quer estancar a hemorragia. Como eu sou ao contrário das outras pessoas, as sangrias fazem-me bem. Porque se as palavras me estão no sangue, tenho que as deixar ir à sua vida. Existem tantos momentos em que me apetece usar a palavra falada. Mas por uma razão ou outra tenho que a conter. Na verdade, cada vez vou contendo mais a palavra falada. Tenho muito cuidado com o que digo e de que forma o digo. Fui aprendendo a filtrar, a tentar usar as palavras com toda a sabedoria possível. Porque uma palavra que é dita não pode ser retirada. Não há “delete”. Se já fez estragos, já está feito. Nada a fazer. Na palavra escrita, sempre podemos corrigir, voltar atrás. Temos mais livre-arbítrio. Podemos escolher a suavidade com que se dizem as coisas. Ou a dureza. Ou outro atributo qualquer. É uma boa forma de dizer coisas especiais a pessoas especiais. Mas, apesar de tudo, a melhor forma de dizer coisas especiais a pessoas especiais, é dizendo, olhos nos olhos, da boca para os ouvidos. Fazendo sentir os sentimentos que estão nas nossas palavras. Tão bonito, não é? Mas tão difícil, pelos vistos. Para uns de dizer e para outros de ouvir. E ainda pessoas para quem é difícil as duas situações. No fundo, tive que me ir adaptando às outras pessoas. Aceitando as minhas diferenças e as minhas formas de lidar com estas coisas. Mas sempre que posso, que sinto uma brecha, lá afio o dente! E sou tão feliz quando consigo dizer o que sinto e quando a outra pessoa o consegue receber com a mesma alegria com o digo. É uma maravilha! Mas como a maior parte das maravilhas, é uma coisa rara. Ou pelo menos mais rara do que eu gostaria que fosse. 

Tenho duas ou três conversas que gostaria de ter com duas ou três pessoas. Que ainda não as consegui ter. Nem sei se vou conseguir. Apesar da minha vontade. Mas não se podem ter conversas importantes se não estivermos dispostos a aceitar as suas consequências e sem se saber se as outras pessoas estão preparadas para isso. As conversas, pela sua própria natureza, são recíprocas. Têm uma setinha para os dois lados. Mas preocupa-me o facto das nossas vidas poderem mudar de um segundo para o outro e de deixar fugir essa oportunidade. De algum dos elementos da conversa partir e ficarem coisas tão importantes por dizer….mas é assim a vida. Vencida mas não convencida. Por vezes, mais ou menos resignada. Pois nada me convence que é mau falar-se de coisas bonitas. Que é mau fazer-se as pazes ou falar-se de amor. Tem que ser bom. Mas até para o que é bom é preciso estar-se preparado. A idade também nos dá destas coisas: aprender a esperar, a ter a paciência necessária para que tudo aconteça no seu devido tempo. Tenho aprendido muito nesta coisa da paciência. Tem sido uma aprendizagem um bocadinho atribulada, pois esta virtude não faz naturalmente parte da minha essência. Sou por natureza, pouco paciente. Mas a vida tem sido incansável a dar-me este tipo de lições. Vai provocar-me até eu aprender tudo direitinho. Até eu aprender a controlar o meu ímpeto. A minha têmpera. A minha fúria de viver. Enquanto aprendo e não aprendo e entre lições, vou encontrando estratégias para me pacificar. E agora, neste momento, estou mais em paz. Já fiz uma sangria, desapertei o garrote e a calma toma conta de mim. Durante quanto tempo, não sei. Mas vou aproveitar o momento…

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