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Os bichos e a vida

Eu adoro bichos. Particularmente dos que conseguem demonstrar o que sentem.

E gosto especialmente da minha pequena cadela. Gosta de mim incondicionalmente. Nunca ninguém me recebeu nem recebe tão bem como ela me recebe quando chego a casa. Sinto-me como se fosse o bicho mais importante da sua vida! E isto é uma maravilha. Não guarda ressentimentos nem rancores. Tem um coração puro. Se me zango com ela, no momento seguinte, já abana o rabito, outra vez, toda contente. E eu só preciso estar. Ser o que sou. Sem stress, sem complicações. Não preciso de fazer nada de especial. A sua definição de paraíso é dormir enroladinha no meu colo e, de vez em quando, comer uma guloseima dada pela minha mão. Tão simples e tão bonito. Costumo dizer que a minha cadela é espiritual como bacalhau! E costumo dizer isto porque nos meus momentos de oração e de meditação, a bichinha parece que sente e vem disparada ter comigo, nem que esteja na outra ponta da casa. E, simplesmente, acompanha-me. Fica ao pé de mim, aconchega-se. Parece que reza comigo. Parece que entende. De vez em quando olha para mim com os seus lindos olhos doces e contemplativos. Sinto-me tão querida por este bicho!

Outras vezes parece-se que pressente a minha tristeza, quando de facto, estou triste. E vem ter comigo e toca de me lamber as mãos, até ao enjoo. É a sua forma de dar beijinhos e de mimar. Já me aconteceu chorar copiosamente, tê-la ao colo e ela lamber-me as lágrimas que me corriam pelo rosto abaixo. Também ela não precisa de fazer mais nada. Basta ser como é. Exprimir-se como se exprime, com tanto amor e tanta simplicidade. Basta mostrar naturalmente o que está a sentir. Por isso é que eu gosto tanto dela.

Mostrar o que se sente é um ato de coragem. Quem me dera que as pessoas conseguissem aprender com os animais. Seríamos tão melhores uns para os outros. Não guardaríamos tanto os sentimentos e diríamos com mais facilidade palavras bonitas às pessoas que nos rodeiam. Há palavras que parecem que pertencem a esta ou àquela pessoa. Parece que têm que ser ditas…simplesmente ditas. Sem rodeios, sem medos, sem constrangimentos. Sem complicações, sem segundos sentidos, apenas com simplicidade. Dizer que o outro é querido, só porque sim. Só porque o é de verdade. Os chamados seres irracionais fazem isto com os recursos que têm. Não falam mas demonstram. Com uma lambidela, com uma marradinha, com um roçar de pelo ou de outra forma qualquer. Dizem-nos que somos especiais na sua vida. Independentemente de como parecemos, do que temos, de como estamos. Gostam de nós de qualquer maneira. Prontas para a mais requintada das festas ou de manhã ao acordar, desalinhadas, despenteadas, com olheiras, e no meu caso, ainda a rosnar de mau humor.

A minha cadela gosta de mim à mesma quando rosno, quando praguejo. Mesmo quando me esqueço que sou uma senhora. Ela não se importa. E dá-me sorrisos. Ela não sorri mas faz-me sorrir. E tudo o que me faz sorrir é bom para a minha alma. Os animais relacionam-se a toque de amor. E de medo. E mais uma vez me comprovam que o medo é a antítese do amor. Mas isso é outra conversa, não é a que quero ter agora.

Quero falar-vos de como esta bichinha é corajosa. Mostra sempre o que sente. E não tem medo de ser rejeitada, de sofrer, de parecer ridícula, de a julgarem palerma, ou de a julgarem de outra coisa qualquer. Não tem medo do que possam pensar. Não tem medo de criar expetativas ou que lhe peçam alguma coisa em troca. Dá, oferece o que de melhor tem sem se preocupar com mais nada. E é tão pequena de tamanho. Mas a minha cadela tem um coração do tamanho de um elefante, com tromba e tudo! Infelizmente, existem pessoas que têm um coração do tamanho da minha cadela pequenina. Só lhe dão (ao coração) o espaço indispensável para a sobrevivência. Dizem que chega. Assim não sofrem. Dão muito mais espaço ao medo. (Não sei onde se guarda o medo. Será no corpo todo?) São escolhas e que, tarde ou cedo, trarão as suas consequências.

Depois existem ainda outro tipo de pessoas (existem muitos tipos mas só me apetece falar destas) que tendo um coração enorme, maiores que elas próprias, que o mundo inteiro, não sabem bem o que fazer com ele. São pessoas deliciosas. Cheias de dualidades e contradições. Normalmente intensas. Lutam. Lutam e lutam contra o seu coração, com medo que ele lhes pregue partidas. E nunca se pode lutar contra o coração. Quer dizer, pode-se mas não se deve. Sai caro. É que o nosso coração é mais forte que nós próprios. A minha pequena cadela, à conta disso, tem uma força de elefante!
Estas encantadoras pessoas, treinam a racionalidade e constroem umas fortalezas, umas proteções, umas coisas à sua volta para parecerem sempre fortes. Para resolverem tudo. Para nunca chorarem nem darem parte fraca. E ralham com o coração. E ligam e desligam botões, interruptores e coisas assim parecidas. Lutam tanto por dentro que por vezes não dão conta da vida acontecer lá fora! Por vezes não dão conta das maravilhas que existem à sua volta!  E correm e são teimosas que se fartam. É até à exaustão. Até quase darem cabo delas próprias e do seu maravilhoso coração que também fica cansado de gritar e de não ser ouvido. De ser desligado. Cansa-se de ser continuamente contido quando precisa de se expandir e de ter asas! Sim, um coração tem asas. Tem umas asas invisíveis que vão ao encontro de Deus, da vida e de outros corações. Como é que julgam que os corações sabem tanto? Eles são também muito atentos. Sabem ver, sabem ouvir, sabem dar conta de pequenas subtilezas que revelam o segredo das coisas, das pessoas e dos sentimentos. O coração sempre sabe o caminho. Nunca se engana. E sabem porquê? Porque não tem medo. O coração nunca tem medo. O coração tem amor e o medo tem medo do amor. Foge a sete pés. Nunca partilhariam a mesma morada, o amor e o medo. Por isso é que eu não sei onde mora o medo embora desconfie que seja na cabeça. O nosso coração não tem dualidade nenhuma. É simples. É também um bichinho em estado puro.

A mim parece-me que a nossa cabeça é uma dama caprichosa, cheia de nove horas, de dúvidas e de esquisitices. Capaz de inventar o que não existe e de não ver o que está à frente do seu nariz. Em terreno tão pantanoso, o medo deve sentir-se confortável. Deve sentir-se em casa!

Por estas e por outras é que cada vez mais eu gosto de coisas pouco processadas. Simples. Cada vez mais me encanto com a natureza, com as plantas e com os bichos. Com as coisas em estado puro. Cada vez mais me encanto com corações e cada vez menos gosto de cabeças. E gosto da coragem de se dizer o que se sente. Gosto das palavras. Não gosto do medo. E gosto de relembrar as pessoas que têm um grande coração de como são lindas. De como são fortes e abençoadas. De como só têm que o deixar fluir para serem felizes. Porque o coração sabe todos os segredos da felicidade.
O coração tem uma grande aliada, a vida. A vida encaminha-se sempre no sentido de fazer o coração imperar. Todos os trambolhões, tropeções e afins são formas que a vida tem de nos dizer que não era por ali. Quais as escolhas que foram erradas. Que estes são as consequências das más escolhas que fizemos lá atrás. Normalmente feitas com a cabeça. Ou só com a cabeça e a racionalidade. E por vezes não é preciso que as consequências sejam do género hecatombe. Basta que nos ensinem uma lição. Que se faça uma aprendizagem. Que se enriqueça a alma.

Por falar em hecatombe lembro-me sempre daquele dito: "a montanha pariu um rato". Quando grandes coisas têm consequências pequenininhas. Parece um inferno à solta e afinal foi só uma maçada.

A vida já me tem ensinado que às vezes, o mais importante, é mesmo ao contrário. Às vezes são pequeninos ratitos que parem montanhas. Ou cordilheiras inteiras. São pequenas subtilezas que fazem a diferença toda. São pequenos quase-nadas que nos fazem mudar de direção, mudar de vida. São pequeninos episódios, vivências ou sentimentos que mudam por completo o curso do que tínhamos planeado. Coisinhas que não estavam no programa. Pessoas que se nos atravessam no caminho sem darmos conta. A aleatoriedade e o acaso são muito planeados no Céu! (Isto será talvez uma conversa para um outro dia).

A antítese da aprendizagem é a teimosia. O Céu sempre nos coloca as coisas e as situações à frente do nosso nariz da maneira mais doce possível. Para aprendermos de uma forma suave. De preferência, sem dor. Sem espinhas, quando pode ser. Mas cada um de nós, por vezes mais teimoso que o outro, não vê, finge que não vê, não pensa, não escuta e, teimosamente, anda em frente. Corre para a frente ou foge em frente. Ou para qualquer lado. E a vida vai continuando a provocar. Se não aprendemos a bem, aprendemos a mal. E o Céu cai-nos na cabeça. Fazendo cá um estrondo!!! Não basta o barulho e as feridas como também o preço que se paga!

O melhor, mesmo melhor, é deixar a teimosia que não serve para nada. Mudar de ideias é sinal de inteligência e de aprendizagem. Mudar o caminho é sinal de sabedoria. Enfrentar os medos é sinal de coragem e bravura. Ouvir o coração é sinal de fé e de força. Então, porquê a teimosia? Não entendo…só se ela for fruto do medo...

Todos os momentos são bons para se aprender. Para reconhecer o erro. Para mudar de direção. Não há fórmulas, receitas ou idades certas para se fazer o que se tem que fazer, de acordo com o nosso coração, claro. O tal chamamento aparece em qualquer altura. É como aquela máxima de “quando o aluno está pronto, o mestre aparece”. Isto faz-me tanto, mas tanto sentido!
Há alturas na vida em que uma coisa ou situação não nos suscita interesse nenhum. Mais tarde, o que não apreciámos anteriormente, torna-se a sétima maravilha do mundo! E esta evolução enquanto pessoas, seres humanos, é para aí, pelo menos, a oitava maravilha do universo e arredores! A evolução dos mundos das pessoas é qualquer coisa de maravilhoso. Por isso é que a idade e o tempo são coisas tão boas. Permitem este crescimento. Esta evolução. Permitem que as pessoas se tornem melhores. Tenho sempre esperança que, com o aumento global da esperança média de vida, que isto tenha consequências na bondade no mundo. Tenho sempre esta esperança. E eu tenho um cromossoma dedicado exclusivamente à esperança e ao otimismo!

Sou eu e a minha cadela. A minha cadela também é a esperança em bicho! Tem sempre a esperança que caia uma migalhinha de qualquer petisco para ela comer enquanto ninguém dá por isso. Ou que a qualquer momento a levem ao parque para correr e brincar com a sua bolinha. Ou que seja esmagada por festas e mimos! É verdade, a esperança é a mãe da alegria. E a minha cadela é um bocadinho de alegria andante.Tal e qual como eu gostaria de ser: a personificação da esperança e da alegria. 

Mais do que adorar, admiro a minha cadela! Tão simples, corajosa e, ainda por cima, alegre! Tenho tanto a aprender com aquele pequenino bicho….

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