Inaugurei a minha época balnear!
Uma coisa banal, que
se repete todos os anos desde que me lembro de ser gente. Nasci e cresci perto
da praia, perto do mar. As minhas melhores recordações da infância, têm sempre
o mar e a praia à mistura. Daí que seja tão significativo. Acho que nas veias
me corre um bocadinho de água salgada, que é para me temperar o sangue e a
vida! É-me muito fácil fechar os olhos e ouvir o barulhinho das ondas na maré
vazia, ou sentir o cheiro da maresia pela manhã bem cedinho ou num fim de tarde
quentinho…às vezes, quando preciso de me pacificar, chamo estas sensações e
imagens à minha consciência para que me seja mais fácil encontrar a paz,
relaxar e até meditar. Mar e meditação conjugam perfeitamente. Entendem-se
plenamente. São complementares.
Nunca vivi longe do mar. Não sei se seria capaz…
O sol e o mar são carregadores de baterias. São fonte
de vida. Mais uns lugares-comuns, não é? Mas para mim, nada tem a ver com as
questões ecossistémicas, científicas ou até poéticas da coisa. Tem a ver com
questões internas, pessoais, emocionais, da minha essência. O
sol e o mar dão-me energia, dão-me vida!
Como já tenho partilhado várias vezes, um dos grandes
desafios da minha vida é a pacificação e a serenidade. Sou cheia de energia,
cheia de vontade, cheia de movimento, cheia de pensamentos e as emoções
brotam-me pelos poros da pele. Os pensamentos também não se desligam facilmente.
Pensar e sentir é-me tão natural como respirar. E gosto de o fazer,
sobre nada ou sobre tudo, sobre uma coisinha ínfima ou sobre o universo.
Conforme a maré. Como o mar.
Este processo de pacificação tem sido muito, muito
importante. Fui educada para a racionalidade, para a lógica, para a ciência. Para
a resolução de problemas, para a antecipação de problemas. Para o objetivo. Para
a exigência e intransigência. Para o cuidar o dia de amanhã. Para não chorar.
Para a autonomia e independência desde que respeitando os padrões sociais
expectáveis para uma mulher. Só coisas certinhas e padronizadas. (Ainda hoje
sou britânica no que diz respeito à pontualidade – são resquícios, vestígios de
uma educação exigente e conservadora). E não estou a fazer alguma espécie de
crítica à educação que os meus pais me deram. Como a maior parte dos pais,
fizeram o que pensaram ser o melhor para mim. Com todo o amor e boa intenção. E
construímos a nossa identidade com o que nos ensinam. Por imitação ou por
oposição mas sempre como referência, não há volta a dar. E vamos…
Depois, Graças a Deus, vem a vida e baralha-nos tudo. Deita-nos
abaixo os pilares que julgávamos que sustentavam a nossa existência. A vida vem
com os seus planos e estraga-nos o que tínhamos planeado para ela. Ainda bem.
Apesar de por vezes ser muito difícil, doloroso e caótico. Quando estas coisas
acontecem e a vida nos dá assim uns valentes abanões, das duas, uma: ou lutamos
contra sem saber porquê e normalmente não resulta. A vida vai continuar a
provocar-nos até entrarmos nos eixos. Mais vale não insistirmos na teimosia. Ou
paramos para pensar no porquê das coisas. Em quais serão os eixos que a vida tem
para nós. Quais serão os planos, os caminhos. E para fazermos isto, temos que nos pacificar.
Daí este meu desafio. Pacificar. Para poder sempre
ouvir o meu coração, juntar os meus pensamentos aos meus sentimentos e emoções,
sob o olhar atento do meu coração. É onde os planos da vida se manifestam. É
onde Deus se manifesta, cá dentro. Daí que é tão importante parar, desligar um
bocadinho, abrandar a velocidade interna, o turbilhão que facilmente se forma,
e ouvir e ver com os ouvidos e com os olhos da alma. Para mim tem sido a minha salvação enquanto
pessoa.
E sinto-me mais “salva” junto do mar. É tão fácil
pertencer ao mar. Nem sei explicar exatamente o que quero dizer com isto. Sei
falar no seu contrário. Sendo eu uma pessoa esdrúxula, como costumo dizer,
diferente e invulgar – o que me acarreta dissabores e outras coisas acabadas em
dores – muitas vezes sinto que não pertenço. Não pertenço a determinado grupo,
comunidade, lugar, etc. Este sentimento de não pertença também o tenho
procurado trabalhar internamente. E não é para passar a pertencer à força, onde
for. Nada disso! É apenas para o aceitar sem sofrimento. É assim e pronto. E,
em simultâneo, procurar com calma e serenidade, as pessoas, os grupos, as
comunidades, os locais onde me sinto bem, pertencendo, fazendo parte, onde não me
sinto uma peça disruptiva no meio do conjunto. Onde mais ou menos posso ser eu
própria.
Na praia, no mar, sinto-me como se pertencesse, como se
fizesse parte daquelas águas, daquela paisagem, daquele local, daquela energia. Identifico-me.
Sereno melhor, penso melhor e sinto melhor. A imensidão do mar ajuda-me a dar
asas aos meus mundos interiores. Mostra-me como nada precisa de ter tamanho. Quando
olhamos para o mar, ele pode ter apenas o tamanho que os nossos olhos alcançam
ou pode ser infinito, se assim quisermos. Também assim podem ser os nossos
mundos interiores, do tamanho que nós quisermos. Com a imensidão que
conseguirmos gerir.
Por outro lado, o mar entende-me. Sabe que eu o respeito
e respeita-me também. Tem algumas características parecidas com as minhas e
então, é-lhe fácil a empatia. O mar é tão temperamental! É capaz da maior
serenidade, da maior ternura, acariciando-nos com as suas ondinhas, levemente,
só porque lhe apetece mimar. É ainda capaz de chegar ao tsunami. Raramente, mas
é capaz. De fazer uma bela tempestade num instantinho, é-lhe fácil, fácil. É só
o vento e maré estarem de feição e aqui vai disto, enfurece-se. E, no outro
dia, já passou tudo e volta a serenar. É assim o mar. Eu também.
O mar também é cheio de vida, de diversidade, de diferenças, de cores. Há
muitos arcos-íris dentro do mar. Tem locais em que as águas são tão
transparentes e outros locais que são tão insondáveis…muito poucos lá conseguem
chegar…e, por vezes, quando lá chegam, assustam-se! Nem todos os olhos estão
preparados para descobrir e ver os tais locais insondáveis que o mar reserva. É
preciso ser-se corajoso e destemido. É ainda preciso amar-se o mar, não se ter
medo dele e respeitar-se as suas marés para o poder achar verdadeiramente
bonito. Para se poder pertencer. Só se pertence ao mar se ele deixar. Se nos
abrir as suas águas. Se ele quiser. Se ele nos amar de volta. Se o mar nos amar
de volta, é tão, mas tão generoso. Pede muito pouco em troca mas o amor que dá
é do seu próprio tamanho. Cada gota das suas águas é uma gotinha de amor. E, ao
contrário do que ouvimos falar na nossa história enquanto povo, o mar não se
conquista (à força), não se domina, não se desafia. O mar cativa-se. Respeita-se
e gosta-se dele tal como ele é. Suave e revolto. Calmo e agitado. Doce e
enfurecido. Apesar do que possa parecer, é tão simples lidar com o mar. Tão
simples. É só deixá-lo ser, livremente, o que é.
Para além do mar, o sol é outro elemento fundamental na minha vida. Sou como as plantas, sempre cresço e evoluo na sua presença. Dá-me energia, ilumina-me, acrescenta-me luz. Quando estou alegre, o sol partilha dessa alegria. Torna-a mais exuberante e mais intensa. Quando estou murcha, tal como um girassol, é só girar na sua direção e a murchice começa a passar. O sol dá, de facto, uma outra alegria à vida, um outro brilho e aquece a alma. O que o mar pacifica o sol acalenta. É verdade que também é temperamental. Também só brilha quando quer, como quer e onde quer. E às vezes magoa a pele, se teimarmos com ele. Também este elemento é preciso ser lidado de forma simples: deixá-lo ser livremente o que é.
O sol e o mar não são de ninguém. Nem deles próprios pois nada aconteceria de existissem sozinhos. Não seriam qualificáveis pois não haveria ninguém que os qualificasse, ninguém que os entendesse ou apreciasse. Ninguém que os amasse tal como são e apesar do que são. E eles não têm a noção clara da sua importância nem da sua vastidão. Da sua influência. Existem com uma missão subjacente. Específica ou lata. Por vezes cirúrgica, outras vezes ampla. Só existem em função de qualquer coisa, mesmo que não saibam que coisa é essa. No entanto, na sua inquietação, sabem que essa coisa é linda! Mas não são de ninguém, são do mundo.
Quando um mar imenso e sol brilhante se encontram, a
vida acontece, exuberante e intensa. Tudo é possível. Quando duas forças da
natureza se juntam, só Deus pode contra. E mim parece-me que Deus conspira
sempre a favor da natureza e das suas forças. Que, afinal, também Lhe pertencem
inteiramente.
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