Desistir.
E se desistir for o contrário de existir?
Quando dói demais da conta, apetece desistir.
Apetece que a dor desapareça. Qualquer coisa que se prefixe com "des", parece uma boa alternativa para a fazer evaporar. A dor é a sensação mais teimosa que existe no nosso coração. Teimosa! Insiste! Até à exaustão! Até ao suplício! E quanto mais educados formos, mais ela se ri na nossa cara. Irónica, satírica e insuportável de arrogante!
Se pedimos delicadamente que saia, bate o pé e, caprichosa, deixa-se ficar.
Se lhe damos uma ordem, ela, só de má e porque sim, faz exatamente o contrário e instala-se de armas e bagagens!
Não vejo alternativa senão desistir. Deixá-la doer até se cansar. Fazer do meu coração a sua casa, a sua morada enquanto lhe aprouver. Enquanto lhe der na real gana. E a dor é, de facto, realeza. Não acata ordens de ninguém e é ela que comanda as tropas. Mais austera ou mais branda, mais ditadora ou mais democrata - depende como acorda. Depende do vento e da maré. Mas lá comandar a vida, comanda. A maçada é que a vida é a minha. Se a dor se incomodasse a si própria, mesmo que me alugasse um espacinho no coração, eu não me importava. Agora ocupar o meu espaço, já é outra conversa! Ah, sorte marreca! E surda! E muda! Sim senhor, a dor é surda pois não ouve ninguém. E também é muda, como a sorte, pois por mais que se fale nela, nunca se consegue expressar a sua verdadeira extensão. A sua verdadeira profundidade e teimosia. É verdade, a dor tem pelos menos três dimensões. E ainda outra dimensão, a que não se vê, mas sabe-se que existe. Sente-se. É uma dimensão que assombra. Que acossa. Que tortura.
Pois não vejo alternativa senão desistir. Deixá-la andar, sem rei nem roque. Sem propósito, sem caminho, sem esperança. Pode ser que me ache enfadonha e que desista de mim como eu desisto ela. E, assim, teremos um belo acordo. Desistimos as duas. E deixamos de existir uma para a outra. A dor não me procura e eu não a encontro. Fica assim combinado. Pode ser que este acordo seja dos tais irrevogáveis.
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