Avançar para o conteúdo principal

Desapego

O pulsar das palavras no dia de hoje é fortíssimo! Pulsam nas veias e, não satisfeitas, transpõem a pele e toca a saltar pelos poros fora...estas urgências de escrita ainda são novas...ainda não se conseguem pacificar sozinhas. Assim, aqui vamos nós na partilha de mais umas gotinhas de qualquer coisa que podem fazer sentido para alguém. Para mim fazem. São imperativas.

Gostaria de falar do que invade o pensamento neste momento - a perda. Saber perder. Saber vivenciar a perda, quando ela de facto existe. Por outro lado, muitas vezes antecipamos a perda do que não possuímos. O "ter" dá-nos uma falsa segurança de posse, controlo, antecipação do futuro. Se pensarmos bem sobre o assunto, não temos nada, não controlamos nada nem ninguém e o futuro a Deus pertence. 

Na verdade, o que possuímos é o momento. O aqui e o agora com as suas circunstâncias. E são estes os momentos que deveremos apreciar e viver. Tão difícil não querer assegurar ou segurar qualquer coisa ou alguém para amanhã...tão difícil!

Tão difícil o desprendimento, o desapego. O aceitar o que a vida nos propõe sem juízos de valor, sem sofrimento. Aceitando apenas. De forma desapegada, tranquila. A tranquilidade é mais uma das emoções maravilhosas que se encontram ao nosso dispor. Encontrá-la é que por vezes é mais complicado. A tranquilidade é uma senhora temperamental, que tanto resolve aparecer sem ser convidada (uma vez que sabe que é sempre bem-vinda) como resolve não dar sinal de si por mais que a chamem. Também ela tem que ser aceite e apreciada ao momento. Nunca se sabe para onde vai a seguir. O melhor é desfrutar da sua companhia quando se instala, mesmo que por pouco tempo, no nosso coração.

O Dalai Lama, na sua  imensa sabedoria, costuma dizer que existem apenas dois dias na vida em que não se consegue fazer absolutamente nada: o ontem e o amanhã. No dia de hoje, tudo está ao nosso dispor. É hoje que podemos refletir, decidir, escolher. Sem pressas, sem dramas, entregando-nos à nossa essência divina. Desta forma não há erro! E se por acaso o erro acontecer, é porque fez sentido. O importante é que se faça o melhor que se for capaz, com as condições, com as circunstâncias do hoje e do agora. E se hoje não formos capazes de nada, teremos repetidamente outros "hojes" onde poderemos então mudar o nosso mundo. Mudar a nossa energia. Escolher. Cair e levantar outra vez. Construir ou cimentar. Destruir e construir de outra forma. A mudar o que pode ser mudado e a aceitar o que não pode ser mudado. Aceitar é uma enorme tarefa! Parece fácil assim às primeirinhas, mas não é. Quando se aceita, integra-se verdadeiramente no nosso coração. Não se julga e não se cobra. Não se colocam condicionalismos, nem "ses". É assim e pronto. Com a certeza que a divina providência está sempre a olhar por e para nós. Que é pelo melhor. E a paz impera. 

Tanta sabedoria que eu não sei aproveitar!!! Se conseguirmos o verdadeiro desapego das coisas e das pessoas, então este fantástico ensinamento poderá ser colocado em prática na sua plenitude.

Desapego não significa não amar, não cuidar, não estimar. Nada disso! Cuidar das coisas como se estas fossem eternas, mas desprendidos delas como se morrêssemos amanhã. Amar as pessoas com todo o nosso coração sem dependermos da sua presença ou da reciprocidade desse amor para sermos alegres e felizes. Dar, se assim o entendermos, sem esperar receber. Sermos independentes dos alvos do nosso amor. E digo "alvos" propositadamente. Por vezes esquecemo-nos que as pessoas que amamos não são responsáveis pelo facto de as amarmos. Não têm culpa nenhuma de as amarmos. Assim, não têm que reagir conforme nós gostaríamos que reagissem. Não têm que nos amar de volta. Não têm que isto ou aquilo ou o outro. O papel delas é serem elas próprias. Com o seu livre arbítrio em pleno. Escolhendo, elas também, o que querem, podem ou conseguem fazer. Respeitar a liberdade do outro em toda a sua amplitude. A liberdade tem sempre que ser um valor mais importante do que a razão. Apesar de não compreendermos, sabermos ou sermos capazes de encontrar causas, efeitos ou explicações, a liberdade do outro ser como é e de agir como age, é um valor inquestionável. É um dos pilares do desapego. Afinal, como já escrevi num outro texto, amor e liberdade devem andar sempre juntinhos. O desapego espiritual assenta nestas premissas. Amar profundamente só porque sim, respeitando e, mais do que isso, aceitando a plena liberdade do outro.

Difícil, difícil, esta questão do desapego, não é? Talvez um dos maiores desafios espirituais que conheço e tenho vindo a experienciar. Lidando melhor ou pior. Fazendo, no momento, o melhor que sou capaz. No dia em que não sofrer com o treinar do desapego, então, estarei próxima desta virtude espiritual. Anseio pelo dia em que o desapego faça parte de mim. Que naturalmente, faça parte da minha essência, sem dor e com alegria. Nesse dia, serei melhor pessoa. Saberei amar-me melhor e serei muito mais justa para os outros. Não lhes pedirei nem desejarei o que não querem ou não são capazes de me dar. Saberei amá-los muito melhor. Saberei aceitar verdadeiramente em vez de tolerar. Que dia divino será esse! E reparem, lá estou eu a pensar no amanhã...num dos tais dias em que nada se pode fazer...

O segredo é hoje, agora. Se nada puder fazer, se não for capaz de melhor, então, tentarei pelo menos olhar para o meu interior. Olhar para mim com os olhos da alma. Pensar, refletir, pacificar o coração. Procurar, em tranquilidade (se ela se dignar a brindar-me com a sua presença), distinguir o que posso mudar em mim própria do que tenho que aceitar. O que devo deixar ir, sem luta. Sem mágoa. Sem naufrágios. Sem destroços. Sem tentar segurar o que não me pertence. E, se mesmo assim o dia for difícil e eu não for capaz de fazer nada disto, então vou apenas aceitar o meu estado interior. Vou deixar doer até não poder doer mais. Até à exaustão. Até acabarem as lágrimas, as farpas, o vazio. Quando tudo isto for expurgado, no próximo hoje, já serei capaz de melhor. E noutro hoje que me seja concedido, farei ainda melhor. E um dia, haverá um hoje em que, o espaço que ficou vazio, vai ficar cheio de esperança, de serenidade, de luz e de amor (daquele só porque sim). E aí sim, milhões de milagres acontecem! E a paz impera!

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos os outros, olhos nos olhos, de igual para igu

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus aos outros

A parvoíce de verão

Resolvi renovar a imagem deste blog. Os meus mundos necessitam de ser dinâmicos. Diz-se que as aquarianas são assim. Detestam rotinas e mais do mesmo. Assim, vou alterando o que posso alterar. Com tantas cores que a vida tem, não é necessário andar-se  sempre com os mesmos tons. Por outro lado, quando não se consegue mudar questões estruturais da nossa vida (embora nos apeteça) vamos mudando o que podemos mudar, o que está ao nosso alcance.  Resolvi então arejar um dos meus mundos mais queridos, o da escrita. Como sou eu própria, mantenho uma certa constância em termos cromáticos e de forma. Há coisas que aqui, tal como na vida, não abdico. São muito próprias, muito minhas. De resto, adoro experimentar tudo o que é diferente de mim. O que é meu eu já conheço. Interessa-me experimentar tudo o que é novo. Deve ser mesmo por ser aquariana de signo com ascendente em aquário. Muito aquário por metro quadrado! Não me safo do exotismo deste arquétipo. Falo disto como se percebesse alguma