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As fadas e as bruxas boas

Eu sou uma bruxinha boa mas deveria de ser uma fada.

Uma fada é sempre maravilhosa. Serena, delicada e doce. Flutua elegantemente. E tem uma linda varinha mágica que deixa um rasto de pó de estrela. Daquele dourado. Que faz os outros flutuarem também.

Uma bruxa boa também tem uma varinha, melhor dizendo, uma vareta. Também faz magias, embora por vezes saiam um bocadinho tortas. Às vezes faz os outros flutuarem. Se eles quiserem, claro. Mas também caem por sua causa e até se magoam. A varinha (ou vareta) é uma coisa delicada. A bruxinha boa esquece-se deste pormenor muitas vezes. E, tal como um elefante numa loja de porcelana, toca de acenar com a vareta por todo o lado, espalhando pó como se não houvesse amanhã... por vezes, tanto pó até causa algumas alergias. E os espirros são mais do que muitos…e a bruxa boa fica assustada e pensa com os seus botões:

- “Tenho que ter cuidado com o pó de estrela que espalho por aí…qualquer dia, as pessoas fogem com medo de apanharem com tanto pó…ou então começam logo a espirrar e a tossir. É melhor guardar o pó de estrela bem guardadinho. E lá muito de vez em quando, soltar um bocadinho e pensar muito bem onde e a quem e como é que salta cá para fora. Vou guardá-lo na minha caixinha das surpresas.”

Claro que uma fada, já sabe destas coisas todas e não tem nenhuma dificuldade em gerir o seu pó de estrela e a sua fantástica varinha mágica.

Uma bruxa boa não é assim tão serena nem doce como uma fada. Tem dias! É assim um bocadinho mais temperamental. Por vezes até tem mau génio! Daquele valente! Quando se zanga, zanga-se a sério! Mas como é uma bruxa boa, nunca fica zangada mais do que 10 segundos. É o tempo de contar os dedos das mãos. Uma bruxa boa também não sabe contar muito. Não gosta de números. Não gosta de coisas muito exatas. Deixa essas coisas para os cientistas e ela não gosta de se meter na vida de ninguém! Nem na vida das fadas.

Já uma fada... uma fada nunca se zanga! Não deixa que a têmpera tome conta dela. Até porque uma têmpera vivaça, desalinha-lhe o cabelo. E uma fada que é fada, tem sempre o cabelo naturalmente perfeito. A zanga é um desperdício de energia, pensa a fada, na sua infinita sabedoria.

Uma bruxinha boa luta todos os dias contra os seus desalinhos. Contra as suas imperfeições e contra as suas indelicadezas. Uma bruxa boa luta muito…para ser mais “boa” e menos “bruxa”.

Uma fada nunca se atrapalha. E sabe sempre o que fazer para melhorar a vida ao seu redor. Uma bruxa boa é por vezes trapalhona. Acho que trapalhona é capaz de ser o contrário de delicada. Como é impetuosa, intensa e ávida, desata a rasgar caminho e por vezes atrapalha um bocadinho a sua própria vida. É que, sem querer, atravessa-se no caminho dos outros e distrai-se com o que lá se passa. Gosta de outros caminhos e gosta muito de outros.

As fadas são bolinhas de sabão que flutuam e não andam por caminhos tortuosos. As bruxinhas boas são bolinhas de fogo com pés. Umas vezes andam e outras correm. Por qualquer caminho por onde o coração as guie. Às vezes queimam outras vezes são elas que se esturricam. Vez sim, vez não. Flutuar serena e elegantemente é que é o cabo dos trabalhos!

Flutuar dá muito menos problemas: não se choca, não se tem acidentes, vê-se tudo com um olhar analítico e distante e pode-se, discretamente, deitar um pouquinho de pó dourado para ajudar. Ou sair de cena se não houver nada a fazer ou o caminho for muito tortuoso. A fada, na sua infinita sabedoria, sabe que há coisas que não valem a pena. E não sofre, não chora. E o sofrimento e as lágrimas fazem rugas. O sal das lágrimas seca a pele do rosto. Fada que é fada tem a pele perfeita. Não se maça com o que não vale a maçada. Já sabe destas coisas à partida.

Uma bruxinha boa ainda anda a aprender a viver. Não sabe muitas coisas à partida. Mas tem a maior das esperanças de vir a saber muitas coisas à chegada, seja lá isso onde for e quando for.

Apesar de tudo e de saber que deveria esforçar-se muito para ser fada, a bruxinha, por enquanto, esforça-se muito para ser boa. Para que ser “boa” seja sempre maior do que ser “bruxa”. E no fundo da sua alma, lá bem no fundo onde ninguém pode ver o que se passa, ela é feliz com a sua condição. É que viver intensamente é o seu lema. Deveria ser viver serenamente mas é viver intensamente. E ser bruxa boa também proporciona muitas gargalhadas, bons bocadinhos de vida e muitas alegrias.

Ser fada, serena, perfeita, é capaz de ser um bocadinho monótono e maçador. E quem não sofre também não ama. E o que é que a bruxinha fazia ao amor todo que guarda no coração?

(PS: Ser perfeito é uma chatice. Esta bruxa gosta de andar despenteada quando lhe apetece. E desalinhada. Se a pele ficar seca, coloca-se hidratante e já está. Ser bruxa também é ser despachada nem que seja a toque de vareta!)

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