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A poesia do milagre

Gostava de saber escrever poesia. Daquela que emociona, que serve de reflexo ou ainda daquela que de tão simples, sabe falar das coisas mais complexas e difíceis. A poesia sempre vem da alma. Se não vier, é apenas uma rima, uma lengalenga ou um jogo de palavras. Também está bem. Também é bonito. Mas, tudo o que é intenso ultrapassa o bonito. O morno. O cizentinho. O azul bebé. 

A poesia é intensa. Entra no nosso coração e pronto. Não precisa de análises gramaticais nem de outra espécie. Por vezes nem a entendemos mas mexe connosco. Provoca, incomoda, emociona, apazigua ou faz nascer ainda outra emoção qualquer. Pode até provocar emoções daquelas que não sabem o caminho. Nem nós sabemos onde as arrumar. Fica assim a chamada bagunça emocional. Sem tirar nem pôr. Este tipo de bagunça obriga-nos a refletir. A meditar. Quem for curioso relativamente a si próprio poderá sempre descobrir o porquê das coisas que o emocionam. E isso é muito, muito bom. Conhecer-se a si próprio. O auto-conhecimento é uma condição fundamental para se viver a vida, intensamente, não passando apenas por ela. Assim de raspão, como quem não quer a coisa.

A poesia é um bom bocadinho de vida. E vem aos pares! É um bom bocadinho de vida para quem escreve, para quem põe as palavras ao serviço da alma e também para quem lê. Para quem recebe estas palavras na sua alma. O mais fantástico é que por vezes, quem escreve e quem lê emociona-se profundamente com o mesmo poema. Mas as energias são diferentes. As mensagens são diferentes. As emoções são diferentes. Quem escreve, escreve com um tipo de emoção que pode não ser a mesma que é percecionada e recebida pelo leitor. É fantástico! Uma pedra é uma pedra para ambos estes intervenientes. Mas um poema são tantos poemas quantos forem os leitores. E mais um. É ainda o poema de quem o escreveu.

Tudo o que se escreve deixa de ser nosso a partir do momento em que é lido por outra pessoa. Já é de ambos. E será de tantos quantos lerem o que nós escrevemos. É como os filhos. Deixam de ser nossos a partir do momento em que os parimos. Nem deles próprios são. São da vida. E, ao mesmo tempo, continuam a pertencer-nos pois ficam no nosso coração. Assim é a escrita. É do mundo. Quando escrevo sinto-me quase livre. E digo quase porque sei que as palavras são do mundo. São de quem as lê. E isso traz muita responsabilidade. Tem que ser feito com amor. As palavras têm que trazer um valor acrescentado qualquer a quem lê. Pode ser compreensão, empatia, alegria, sabedoria, divertimento, o que seja. Penso sempre que o meu leitor tem que sair das minhas palavras um bocadinho mais feliz ou mais em paz ou mais reflexivo do que quando entrou no meu texto. Este é sempre o desafio. Ser-se autentico e verdadeiro consigo próprio, despejar a alma, derramar a veia das palavras, respeitando profundamente quem as vai ler. Quem dedica um bocadinho da sua vida a ler o que a Magdala escreve. É o exercício da liberdade com algumas balizas. Com a baliza da serenidade, por exemplo. E sou ainda mais feliz a escrever que o leitor é a ler, com toda a certeza! 

Eu escrevo com o coração. Sempre com o meu indomável coração. Mas gostaria de saber escrever com a alma. E seria capaz de escrever poemas. De vez em quando faço uns ensaios. Escrevo uns pseudopoemas. Mas só o consigo fazer no sofrimento. Mais uma vez, como os filhos, sempre paridos na dor. E ainda não foram escritos, já não são nossos...nosso é o processo criativo. Nosso é o sofrimento que os faz emergir. Nosso é o processo. Afinal como quase tudo na vida. Os objetos do nosso amor não são nossos. O amor é nosso. Quem amamos não é. Dito assim até parece simples, não é? Não, não é. É difícil escrever poesia porque queremos que ela seja eternamente nossa. Que ela seja entendia e sentida tal e qual como a sentimos. Que seja estanque e ponto! Mas a poesia, o amor e outros estados de alma são fluídos. São lânguidos, são nebulosos e oscilantes. E são de quem os entender, de quem os receber. E deixam de ser nossos, tal como a poesia. 

Se dermos fluidez à nossa alma, sem julgamentos e sem preocupações com a estrutura da escrita, as palavras saltam ainda antes de as termos pensado ou sentido. A nossa alma sabe sempre muito mais do que a nossa cabeça, do que a nossa razão. E a nossa alma é livre, se a deixarmos ser. E as palavras respeitarão a liberdade da nossa alma. E a poesia nasce. Nua. Como todos nós sem exceção.

A nossa nudez à nascença deveria ser uma lição de humildade e de liberdade. Todos, sem exceção, nascemos iguais e livres. Assim é a poesia, quando nasce, é humilde, saiu da alma. É livre, escolheu as palavras que entendeu. As emoções que lhe apeteceu. Sem mais nada. E, tal como numa nova vida que foi dada à luz, um milagre aconteceu! Como também eu gostava de saber escrever milagres!


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